- Ano: 2017
-
Fotografias:David Zarzoso
-
Fabricantes: Cosentino, Bosch, Capdell, Manises, Muñoz Bosch
Restaurante Casa Carmela. “Desde 1922 ao além".
Aos seus 20 anos, o bisavô do atual gerente deste restaurante familiar de comida tradicional, passava todos os dias de verão pelos jardins valencianos para prestar serviços aos turistas madrilenhos que se aproximavam da costa. Casa Carmela começou como uma barraca que fornecia o serviço de vestiário para os banhistas da praia de Malvarrosa.
Foi a partir de 1922 que registrou a empresa com o nome de sua esposa, Carmen. Com o tempo, o pequeno negócio foi crescendo, dando abrigo e comida aos visitantes do mediterrâneo.
A segunda geração à frente da Casa Carmela reforçou o aspecto familiar da empresa, criando seus próprios animais de granja, com um curral na parte de trás do restaurante. Estes produtos do curral se somavam a verduras de temporada da horta familiar, servindo sempre produtos de alta qualidade e respeitando sua sazonalidade.
Entre os clientes habituais do restaurante estava o eminente proprietário da vila vizinha à Casa Carmela, Vicente Blasco Ibáñez. O escritor e político, que despertava inquietude entre os clientes do restaurante, refletia assim o ambiente que se respirava no local entre os anos 50 e 60.
“Bonde para Malvarrosa”
"À tarde fomos passeando até o final da praia (...) Passando a linha dos chalés ao final da praia estava Casa Carmela, junto a uma vila que era do escritor Blasco Ibáñez. Sob o teto da Casa Carmela, utilizando uma cadeira como cavalete, Julieta começou a pintar e juntos pegamos alguns caracóis e mexilhões." Vicente Blasco Ibañez.
Quatro anos mais tarde, a terceira geração familiar tomou frente da Casa Carmela e reformou o estabelecimento, ampliando os bares e fazendo intervenções na cozinha, que recebeu fornos a lenha. A partir disso, o local ganhou a fama de uma casa com comidas especializada em arrozes, em paellas feitas no forno a lenha, com um socarrat defumado, crocante, e uma camada de arroz muito fina.
Esta grande reforma junto à última, feita em 1989, incorporava uma varanda, a modernização dos fornos e da cozinha, além de um revestimento com cerâmica tradicional de Manises, tipicamente valenciana.
Atualmente, Casa Carmela tem a capacidade para 170 clientes, sem contar a varanda interna ao ar livre. A decoração com murais na maioria dos ambientes, revestidos de azulejos valencianos com motivos marítimos e frutais, onde há abundância de laranjas e de pequenas embarcações à vela latinas, remontam à tradição ceramista da região.
Em 2017 o restaurante viveu uma nova atualização. Na ocasião, nihil estudio foi o encarregado de reformar este espaço de características mediterrâneas onde reverberava o cheiro do mar, a areia e a luz, elementos que passaram a ser as pautas de um restaurante onde a história é contada com voz própria.
Em relação às intervenções anteriores, o escritório foi capaz de juntar tradição e modernidade neste negócio familiar que representa a passagem de quatro gerações.
Este restaurante de heranças geracionais precisava de uma nova atualização na parte do bar. Com a premissa de recuperar o azulejo existente, modernizar, agilizar o espaço e aumentar a entrada de luz natural, a proposta intervém com cuidado, conivente da importância de mostrar os detalhes dos produtos de primeira qualidade.
É dessa forma que a entrada da Casa Carmela se abre, agora, ao exterior, permitindo entrada de luz natural praticamente até o pátio interno, fazendo com que o cliente possa aproveitar as vistas, e, ao mesmo tempo, abrindo-se à vista dos transeuntes.
Sem perder a essência de "bar", a intervenção de nihil estudio mostra o produto fresco com que se cozinha, recupera o azulejo valenciano tradicional existente e deixa o espaço mais leve, incorporando alguns elementos de ferro que servem de apoio ao bar. Estes elementos servem de frente de luz artificial e, ao mesmo tempo, permitem que o visitante aprecie o restauro feito no teto, onde foram respeitadas as viguetas criando claraboias falsas que incrementam a sensação de entrada de luz, o que cria uma continuidade natural entre exterior e interior no espaço.
A materialidade escolhida parte do princípio de respeito aos materiais encontrados. No bar, o projeto se dispõe a recuperar os azulejos encontrados. Um exercício que implicou retirar estas peças cuidadosamente durante a obra para voltar a incorpora-las quando finalizada. Isso permitiu mostrar, através de uma linguagem contemporânea, a marca da Casa Carmela embutida em micro-cimento nas peças cerâmicas.
Isso da destaque ao trabalho artesão dos renomados ceramistas de Manises, como os chamados socarrats - placas de barro cozido decoradas em tons avermelhados, marrons ou pretos, de origem medieval, típicos da cerâmica da Coroa de Aragão - que ganham novo valor agora graças a uma intervenção respeitosa que, além de tudo, incorpora o uso de um mobiliário discreto, destacando o caráter familiar e caseiro do restaurante.
O piso de barro se estende desde a entrada, buscando uma continuidade com o revestimento do restante do restaurante. Para isso, procurou-se o mesmo fornecedor da última reforma, de 89, eliminando a sensação de um "salto temporal" dentro do ambiente.
Uma adega no espaço também foi incluída no espaço, ela serve as áreas de serviços, ampliando o espaço e unificando os ambientes. A escolha do material desta adega parte da linguagem comum entre os elementos preexistentes e os novos elementos incorporados, aparecendo aqui a madeira em um acabamento similar ao das áreas de refeição. Isso produz um efeito de unificação e, ao mesmo tempo, abertura visual e funcional nos acessos do cliente e das áreas de serviço.
No bar, alguns barris a frio levam, por um tubo enterrado no solo, a cerveja até chopeira, onde ela volta a ser resfriada. Dessa forma a área de serviços, caracterizada por uma atividade mais ágil e direta com o cliente, garante que o produto seja servido nas condições ideais.
Entender o que era e no que se transformou a Casa Carmela passa pelo respeito ao surgimento de sua cozinha de qualidade, com presença em meios tais como a Via Michelin ou o Guía Repsol. A paella em especial, além dos demais produtos frescos, se transformam nos protagonistas deste restaurante. Por isso, a cozinha se abre à vista do público, que pode ver o trabalho do cozinheiro, e o bar transforma-se em uma vitrine para os produtos frescos. Tradição, respeito e bom trabalho são os eixos dessa intervenção onde se valoriza o conhecimento da matéria prima, indo mais além de termos puramente construtivos.