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Arquitetos: Estúdio Artigas, H2C Arquitetura
- Área: 600 m²
- Ano: 2018
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Fotografias:Pedro Napolitano Prata, Acervo Vilanova Artigas
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Fabricantes: Atlas Schindler, Bioni Consulting, Crosslam, Deca, Falcão Bauer, Heloyn Móveis, Lumini, Martifer, O/M Light - Osvaldo Matos, Verde Urbano
Descrição enviada pela equipe de projeto. O protagonista no desenvolvimento da cidade de São Paulo, historicamente, foi o automóvel. Os grandes planos urbanos que estudamos nas escolas e universidades vinculam o progresso, o crescimento, a modernidade com a imagem do transporte individual motorizado. Dentro desse contexto surgem os diversos movimentos sociais que lutam pela inversão de prioridade na hora de desenhar as cidades. Seu principal objetivo é a inversão da pirâmide da mobilidade urbana. (Para elucidar: a pirâmide tem que que ficar de cabeça para baixo, pois o pedestre é a prioridade).
Foi justamente um movimento organizado pela sociedade civil que conquistou, na década de 70, a construção de diversas passarelas urbanas na cidade de São Paulo. Estudantes da Fundação Getúlio Vargas manifestaram o descontentamento em relação à grande quantidade de atropelamentos na Avenida Nove de Julho. E a vitória foi da sociedade civil. A EMURB contratou o escritório de Vilanova Artigas para desenvolver projeto para quatro passarelas na cidade de São Paulo. Uma delas era a Passarela do Aeroporto de Congonhas, sobre o principal eixo norte sul da capital, na atual Avenida Washington Luís, uma das grandes portas de entrada da cidade de São Paulo.
O projeto de Artigas foi pensado em estrutura mista: pilares e escadas em concreto armado aparente e viga metálica para transpor a largura da avenida. Essa técnica foi usada para todas as passarelas projetadas pelo arquiteto. Enquanto os pilares e escadas eram construídos in loco as vigas metálicas eram produzidas fora e, quando prontas, eram simplesmente apoiadas nos pilares, em uma ou duas madrugadas. Essa estratégia reduzia o impacto no trânsito e mostrava um grande desenvolvimento da tecnologia para estrutura de passarelas urbanas.
Passaram-se décadas até a sociedade civil se organizar novamente com o objetivo de fazer melhorias na passarela. A Associação dos Amigos da Passarela (ASPA) foi criada com esse fim, visto que a falta de manutenção tornou a estrutura desenhada por Artigas um risco para a população. Em 2014 os escritórios H2C Arquitetura e Estúdio Artigas se uniram para tirar o projeto do papel e por fim conseguir, junto com a ASPA, realizar a doação do projeto para a cidade de São Paulo. Entre reuniões com os diversos órgãos públicos municipais e patrocinadores, foram angariados os fundos para a execução do projeto. O desenho da nova passarela teve como ponto de partida a leitura das necessidades de uma sociedade contemporânea e as suas relações com um projeto de um grande arquiteto brasileiro.
O conceito do desenho original da década de 70 foi mantido. A estrutura continua mista (concreto e metálica) e a interferência da obra no cotidiano da cidade foi mínima. A nova passarela foi instalada durante os intervalos de tempo franqueados em duas madrugadas. Enquanto a nova estrutura metálica estava sendo desenvolvida na cidade de Pindamonhangaba, os pilares e as escadas em concreto armado existentes foram restaurados, recuperando a sua característica original de concreto aparente. Essa nova estrutura metálica foi o principal elemento para resolver o projeto. Com a simples ação de desenhar as vigas principais invertidas, alguns pontos críticos das pré-existências do projeto original foram solucionados.
O primeiro ponto foi resolver a questão da distância do fundo da passarela em relação à avenida já que os inúmeros recapeamentos fizeram que essa altura fosse diminuindo e com isso as colisões começaram a ser mais frequentes. No projeto original existia um “Dente de Gerber” que apoiava a viga metálica em nível. Com a inversão da nova viga metálica, conseguimos ganhar altura ideal para sanar esse problema, garantindo ainda espaço para mais alguns anos se persistir a política mesquinha de recapeamentos mal feitos na cidade. O segundo foi a manutenção do nível original da passarela e a chegada dos degraus das três escadas existentes.
O conjunto da viga transversal de travamento das vigas invertidas longitudinais, com a laje steeldeck ocupa o mesmo espaço da parte superior do “Dente de Gerber” e com isso o nível original se mantém. Era também uma nova necessidade do projeto, a criação de uma cobertura. A base superior da viga invertida serviu como apoio dos pilares que sustentem as telhas sanduíches, escondidas por baixo pelo forro amarelo e lateralmente pelas platibandas metálicas com o sistema de escoamento das águas da chuva. Finalmente, o último ponto, é que a própria viga invertida soluciona o guarda corpo e mantem a memória visual das proporções da passarela original. Quem lembrar estrutura do Artigas não terá uma sensação de estranhamento ao ver o desenho da nova passarela.
Uma nova e indispensável demanda do projeto foi tornar a passarela acessível para toda a população. Não somente atender às pessoas com mobilidade reduzida e idosos, mas também compreender um contexto determinado pelo fato de que a passarela atende ao terminal de passageiros do segundo mais movimentado aeroporto do Brasil. A quantidade de pedestres com malas e o grande número de trabalhadores que diariamente cruzam a avenida devem poder utilizá-la com mais conforto e sem precisar constantemente de ajuda de terceiros.
Os elevadores instalados nas duas extremidades da passagem elevada, além de solucionar essas questões de acessibilidade, são estruturas marcantes na paisagem. A partir deles desenvolvemos, em parceria com o artista plástico João Nitsche, a comunicação visual que transforma a passarela em uma grande bússola, evidenciando os uatro pontos cardeais e orientando o viajante que chega à cidade a direção a seguir: sentido bairro ou sentido centro. Essa comunicação visou inserir ainda mais a nova passarela no contexto urbano.
Finalmente, no local que antes havia um estacionamento irregular, no extremo oposto da passarela em relação ao aeroporto, foi construída uma praça que abriga a saída de um dos elevadores. Ali foram instalados bancos de madeira com desenhos variados, paraciclo, canteiros com vegetação, lixeiras e um equipamento de serviço, com espaço para café e banheiro público. Estes dois últimos foram construídos em madeira, utilizando a técnica do CLT (Cross Laminated Timber). Em um contexto de intensa circulação, agora existe um espaço de permanência.
Quem sabe retomando a ideia da antiga “prainha” do aeroporto de Congonhas, local onde a população assistia ao grande evento que eram os pousos e decolagens de aeronaves numa cidade em intenso crescimento e que oferecia poucas opções de lazer. Se antes o automóvel era a prioridade, esse novo projeto traz uma perspectiva de inversão dos valores. O pedestre participa da vida da cidade em um nível privilegiado, na altura da copa das árvores, sem pressa, em um passeio coberto. E à noite, quando as luzes se acendem a cobertura e a estrutura somem, o forro e o guarda corpo amarelos aparecem e iluminam o trajeto de quem caminha. Toda a atenção é dada para o pedestre. É como quem diz: agora vocês são os protagonistas.