Architects
Localização
São Paulo, SP, BrasilArquitetura - Autores
José Paulo Gouvêa, Marta Moreira, Martin Benavidez, Milton BragaArquitetura - Colaboradores
Ana Carolina Isaía, Emilia Darricades, Juan Pablo Parodi, Mateo Arjona, Raphael Carneiro, Seizen Uehara, Tomás Quaglia Martínez, Victor OliveiraExpositivo
Guilherme Wisnik, Alexandre BenoitEstrutura e instalações técnicas
Miguel Maratá, Gabriela TrevizanEngenharia
Ano do projeto
2018Fotografias
Courtesy of Ben-Avid + JPG.ARQ + MMBB Arquitetos
Descrição enviada pela equipe de projeto. O pavilhão apresenta as águas brasileiras, dos seus rios e seus mangues. Nascedouro de toda a fertilidade da vida, patrimônio natural que dá a base para toda a discussão da sustentabilidade no planeta.
Com uma estrutura tênsil em aço e tecido branco leve, forma um arcabouço capaz de receber projeções, criando uma atmosfera imersiva de imagens, sons, odores e temperatura variáveis, por sobre um ondulante e raso caminho d’água que se quer também frequentável. Um lugar de animação e interação, com um inusitado caráter cênico. Palco de visualização e de experimentação de uma natureza e de uma cultura voltadas tanto para o passado quanto para o futuro. Isto é, tanto para a preservação quanto para a potencialização sustentável por meio da tecnologia.
Arquitetura
Como nos períodos de cheia, em que o rio avança sobre suas margens, inundando o que antes era terra, o projeto aqui previsto alaga, com uma fina lâmina d’água, todo o chão brasileiro em Dubai. Uma topografia contínua e escura, feita em concreto pigmentado preto lixado e antiderrapante, tem no Rio Negro seu mote poético. Desenhando-se nela meandros, prainhas e remansos, surge uma grande praça d’água. Essa é resguardada por uma estrutura tênsil com 48 metros de lado e 18,5 de altura: quatro planos verticais que suspendem uma cobertura em impluvium moldada por um feixe de cabos ancorados na superfície líquida. Durante o dia, essa estrutura sombreia e protege as águas; ao anoitecer faz do pavilhão um cubo luminoso flutuante. Tomado por projeções, sons, vapores e aromas sutis, é este o espaço essencial da experiência expográfica proposta, cujo tema são as águas fluviais brasileiras.
Para os visitantes que queiram entrar na água sem molhar os pés serão oferecidas botas Goldon, famosas em Veneza e lá vestidas sobre os calçados durante o fenômeno da acqua alta. Acessos e passeios são resolvidos em regiões secas, onde também se posicionam os programas complementares à expografia, tais como café, restaurante e loja. Estes usos são resguardados por um discreto volume suspenso treliçado que avança sobre a praça líquida, como as casas em palafitas do norte do Brasil. No primeiro pavimento, todo climatizado e acessado por escada e um elevador de grande capacidade, o público encontra a sala de múltiplos usos destinada a palestras, debates, exibições de filmes e espetáculos de menor porte. A iluminação do recinto é completamente controlada; prevê-se ainda um telão de alta resolução para apresentações com luz ambiente. No percurso – foyer que antecede a sala – aberturas possibilitam ao visitante contemplar, de um ponto de vista privilegiado, a praça em festa. Este espaço tem capacidade para abrigar exposições complementares, como por exemplo de objetos delicados ou valiosos. Demais usos de caráter restrito do governo brasileiro ou técnico são alocados neste pavimento e no seguinte, também climatizado. Na cobertura, fora de qualquer ângulo de visão, estão o reservatório de água para incêndio, máquinas do ar condicionado e dispositivos da expografia – como projetores de imagem e luz, caixas acústicas e aspersores de aromas.
Fica claro que o projeto elege o térreo como o espaço central de visitação, bem como estabelece uma gradual restrição de usos e acessos conforme nos afastamos dele. A isso, somam-se sua clareza estrutural, rápida montagem e desmontagem; não há, inclusive, transporte de grandes paramentos expográficos como o tema pode sugerir. Assim, como ocorre muito frequentemente na arquitetura brasileira, o raciocínio estrutural nasce como parte indissociável do raciocínio arquitetônico e, deste, o programa, no caso a expografia. O pavilhão emprega desse modo materiais de todo o mundo, porém com a mesma arquitetura que sempre nos caracterizou: oca contemporânea. Aliada à enxuta área construída, tal coerência traz ainda ganhos consideráveis do ponto de vista da economia e da sustentabilidade.
Por fim, embora a água seja elemento central da proposta, trazendo a lembrança de nossa longa tradição com os rios, trata-se aqui de um material construtivo e, como as demais superfícies do conjunto, um suporte expográfico.
Esquivando-se de simulacros que diminuam a complexa diversidade de nossas reservas naturais ou encubram a urgente consciência crítica sobre o futuro do planeta, eis o pavilhão como uma praça d´água sobre a qual paira uma grande nuvem solar, acolhendo o público e estimulando-o a participar ativamente de uma experiência ambiental brasileira.
Estrutura
A estrutura foi prevista em aço, tanto na cobertura do pavilhão quanto no volume em seu interior. O pavilhão apresenta uma estrutura tênsil com grandes treliças nas quatro fachadas, a partir de cujas arestas superiores é esticado o tecido da cobertura, tensionado de modo a se conformar como um impluvium de quatro faces que convergem em uma gárgula levemente excêntrica.
O tecido é armado por cabos de aço que constituem as arestas do impluvium, e que, depois de se amarrarem em um anel de tração (na gárgula), são atirantados ao solo, dentro do espelho d’água. A geometria resultante, como em toda estrutura tênsil de elementos elásticos, não é exatamente plana, com arqueamentos para cima nas arestas (cabos de aço), com uma flecha da ordem de 5% da sua extensão, e nos lados (tecido) para baixo, com uma flecha imperceptível.
No plano horizontal do alto das treliças de fachada foi previsto um anel de compressão, constituído pelo próprio quadrado das fachadas e por mais dois quadrados inscritos no primeiro, rotacionados e entrecruzados a fim de configurar escoras entre os nós das treliças de fachada. Todo esse conjunto de barras de aço está destacado da cobertura, ocasionando agradáveis sombras projetadas sobre o tecido translúcido.
O tecido é do tipo Precontrant, da Serge Ferrari, que conta com uma estrutura flexível de micro cabos de PET de alta tenacidade revestida por várias camadas de polímeros, e acabada com um tratamento superficial resistente à sujeira, apresentando translucidez com um baixo fator solar, e evitando ganhos de calor excessivos.
Já o volume interno tem treliças em ambas as fachadas longitudinais, cada uma apoiada em dois pilares, resolvendo, assim, com racionalidade, os grandes balanços propostos.
Expografia
O Pavilhão do Brasil elege a água como tema central de destaque e reflexão. As paisagens e ecossistemas dos rios e dos mangues, das florestas e das veredas do cerrado e do sertão. O Brasil interior, de palafitas e comunidades ribeirinhas, dos povos indígenas e dos “homens-caranguejo” das periferias urbanas. O país à margem da história, tal como caracterizou Euclides da Cunha um século atrás, mas cuja geografia e cultura, ricas, diversas e potentes, constituem o grande trunfo para o desenvolvimento sustentável não apenas do Brasil como do planeta. A “Amazônia é o lugar dos lugares” no mundo hoje, escreve o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. “É lá que está sendo cozinhado um gigantesco guisado cultural”, e no resto do Brasil e do mundo “não temos a menor ideia do que está se passando”, afirma.
Feita pela decomposição das folhas da floresta, a água escura e cristalina do Rio Negro é o mote poético da paisagem de meandroscriada no pavilhão: uma praça d’água, ou lago. Assim como o mangue, repositório de imensa fertilidade, berço de grande parte da biodiversidade lacustre, fluvial e marinha, no encontro entre o rio, a terra e o mar. “Paisagem de anfíbios, de lama e lama”, segundo João Cabral de Melo Neto. Imagem de um país fértil e voltado para o contato fraterno com as nações vizinhas da América do Sul. Um país menos conhecido do que aquele que é representado pela orla litorânea, voltado desde os tempos da colonização para fora, para a Europa.
“Quem viaja são as ideias, não os materiais”, diz o arquiteto paraguaio Solano Benítez. Não procuramos recriar literalmente as paisagens brasileiras em Dubai, com peixes ou árvores reais. E sim reinterpretar um modo brasileiro de pensar a relação entre construção e paisagem, construindo atmosferas sinestésicas e imersivas, em que se combinam sons, aromas, estímulos de temperatura e umidade, e projeções de imagens sobre as paredes laterais de tecido, as faces internas e facetadas da cobertura, e as superfícies de água no piso.
O ambiente geral do pavilhão é formado por projeções um tanto abstratas de imagens de vegetações, de nascentes de rios, de quedas d’água, de pororocas, de arte plumária e de pinturas corporais indígenas, com forte intensidade cromática. Acompanhadas de variações de umidade do ar, pela vaporização de água no ambiente, de aromas sutis e cambiantes de flores, de frutos e de mangue, e de sons que alternam entre os cantos indígenas, como os rituais de fertilidade bororo, e o mangue beatdo rock urbano de Chico Science.
A essa ambiência geral se soma um outro nível de informação: projeções de tempo curto, com temas e narrações específicos, em horários determinados, e que ocorrem em regiões diferentes do lago. São projeções-eventos, durante as quais o público é convidado a adentrar a água, tornando-se participante ativo das histórias narradas. Experiências lúdicas qualificadas pelos conteúdos. Como, por exemplo, projeções audiovisuais tematizando os microorganismos do mangue, as vitórias-régias amazônicas, as paisagens inundadas do Pantanal Matogrossense e da Ilha de Marajó, as veredas, os igarapés e os igapós, as potencialidades tecnológicas do urucum e do cacau, obras de engenharia como canais, represas, barragens e eclusas, sistemas de transposições de rios e irrigação de áreas secas, projetos de incentivo à navegação fluvial. Somam-se a essas projeções de cunho científico, outras de caráter artístico e crítico, como as fotografias feitas por Claudia Andujar entre os Yanomami, a série “Cão sem plumas”, de Maureen Bisiliat, o trabalho sonoro “rio oir” de Cildo Meireles, a pesquisa sobre os rios voadores de Artur Lescher, ou a paisagem efêmera de boias de borracha criada por Hector Zamora na praia de São Vicente em “Recanto das crianças”, na 27ª Bienal de São Paulo.
Desse modo, a praça d’água não é apenas um ambiente de admiração visual-contemplativa, mas um espaço de desfrute e interação, de festa. É o palco das mais importantes atividades do pavilhão, tais como apresentações musicais acústicas, de dança, teatro e performances, que explorarão essa situação cênica inusitada. A inspiração para tanto vem do trabalho “Auditório para questões delicadas”, de Guto Lacaz, que será remontado sobre o lago do pavilhão.
A água é a fonte e o alimento primordial de toda a vida na Terra. É, também, um importantíssimo meio de transporte e comunicação para a civilização humana, bem como um elemento de gozo para a sociabilidade, permitindo uma fruição rica dos ambientes habitados. Ao mesmo tempo, é um recurso natural cada vez mais ameaçado, tanto de extinção quanto de contaminação. Como o país que possui a maior riqueza hídrica do mundo, o Brasil precisa protagonizar uma política internacional de defesa e desfrute das águas. Política baseada em preservação e em potencialização das riquezas naturais através da tecnologia. Esse é o foco do Pavilhão Brasileiro na Expo´2020.