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Arquitetos: Atelier Branco Arquitetura
- Área: 200 m²
- Ano: 2016
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Fotografias:Ricardo Bassetti, Gleeson Paulino, Jaqueline Lessa
Adaptação e tradução do texto de Fabrizio Ballabio para Casabella 882. Quando, no verão de 2014, Atelier Branco (Matteo Arnone e Pep Pons) foi contatado para projetar um retiro de lazer na pequena cidade de Vinhedo, o briefing apontou que a casa poderia acomodar dois tipos de necessidades: a necessidade de um lugar para ler, imerso na vibrante vegetação do local; e a necessidade de um lugar para meditar, repousado sob a placidez dos céus subtropicais sem limites. O cliente, um ativista do bloco de esquerda contra a ditadura militar do Brasil em sua juventude e agora renomado estudioso e filósofo da história do pensamento político, concebeu a casa como um refúgio temporário entre São Paulo, o seu lugar de moradia, e Campinas, onde ocupa cargos de ensino desde o começo dos anos oitenta na Universidade Estadual. Não era, portanto, nem um lugar para a residência permanente nem uma casa de férias convencional, mas um lugar de devaneio e contemplação, ocasionalmente de trabalho, longe da agitação da vida metropolitana do Brasil.
A obra construída pela jovem dupla ítalo-hispânica, a Casa Biblioteca, incorpora a pesquisa atenta da prática na forma arquitetônica, amadurecida tanto durante seus anos de formação na Suíça, onde foram alunos da Accademia di Architettura di Mendrisio, como na sua formação profissional com arquitetos do calibre de Christian Kerez, Kengo Kuma e os irmãos Aires Mateus. É um esquema arrojado, quase inteiramente realizado em concreto armado in loco, do qual a perspicácia construtiva e a atenção aos detalhes, que são já um elemento característico de todas as atividades arquitetônicas do Atelier Branco, se faz presente. Estabelecendo a prática em São Paulo desde 2012, os dois construíram, de fato, um portfólio atraente e significativamente variado, do qual o conteúdo vai desde a elaboração cuidadosa de produtos e acessórios para mobiliários, até o design de showrooms comerciais e escritórios a construção de inúmeros projetos residenciais espalhados pelo Brasil, nos quais seu talento talvez tenha se expressado melhor nesses poucos anos.
Pertencente a essa série posterior, a Casa Biblioteca é sem dúvida a mais idiossincrática do grupo, tanto pela excentricidade de seu cliente quanto pelo contexto pela qual nasceu. É, de fato, colocada no topo de um íngreme terreno voltado para o norte, dentro de uma clareira da densa "mata atlântica" de Vinhedo - a floresta atlântica que se estende sobre a maior parte da região litorânea do Brasil. Devido aos atributos topográficos do terreno, o projeto segue um raciocínio "seccional" distintivo, de tal forma que a disposição espacial e funcional do projeto é quase inteiramente articulada na relação entre duas linhas de borda. Em ordem de relevância, a primeira dessas duas linhas consiste na linha do solo, da qual o perfil inclinado foi manipulado de modo a formar uma série de amplos patamares horizontais, próprios para a habitação; o segundo consiste na linha do telhado, que paira sobre a parede de contenção mais alta do terreno, criando um ponto de referência horizontal e nítido entre a topografia e o céu.
Sempre no topo da arquitetura pós-guerra brasileira de Artigas até Mendes da Rocha, aqui também a cobertura de concreto assume um papel crucial na determinação do projeto, tanto na articulação de seu programa quanto na caracterização de sua aparência externa (e interna). Trata-se de uma laje retangular de 15 centímetros de espessura sustentada por oito pilares esguios que, embora "básicos" em sua resolução formal, distinguem-se pelo esplendor de suas partes construtivas. Ao se aproximar da casa pela entrada principal, é a face superior desse elemento que se apresenta ao espectador oferecendo acesso a uma plataforma de observação monumental de ca-20 por 10 metros, imersos na folhagem das copas das árvores circundantes. No lugar de um parapeito, o convés é circundado por um leito de água com um metro de largura que, por sua vez, define uma ilha central retangular a partir da qual se pode contemplar a vista. Este último é revestido com tábuas de madeira de Garapeira finamente cortadas e que se encontram diagonalmente na linha de simetria do convés e apontam para o horizonte.
Um dente no perímetro da cobertura permite que uma escada seja instalada ao longo de seu acesso central, levando entre duas paredes de concreto para o espaço principal da casa. Trata-se de uma sala retangular, integralmente envidraçada, que recebe a totalidade do programa doméstico, cuja altura eleva-se gradualmente à medida que se desce desde as áreas mais íntimas às mais expostas da casa. As paredes de contenção que dão à sua seção o distinto perfil irregular são únicas em altura devido à inclinação desigual do terreno existente, mas espaçadas igualmente por toda a parte para criar um sistema estrutural tripartido puro que mede 5,50 metros longitudinalmente de um pilar ao outro e de um terraço frontal ao outro. Consequentemente, embora sejam iguais em profundidade, os três terraços ganham alturas exclusivas do piso ao teto, proporcionando as atividades que ocorrem nestes com graus de privacidade e condições de iluminação natural mais adequada às suas necessidades.
As áreas de dormir estão localizadas no terraço mais alto do projeto, em um espaço íntimo e pouco iluminado de 2,35 metros de pé direito. Este nível tem vista para a plataforma central da casa, que mede 4,15 metros de altura e abriga o estúdio do cliente; é a área da casa mais diretamente conectada à paisagem, com duas portas de vidro posicionadas ao centro e localizadas em um dos lados mais curtos (as portas também sublinham o eixo secundário de simetria do projeto). Por fim, o terraço mais afastado da entrada da casa é uma área de estar e de jantar com vista para a vegetação circundante, como se fosse uma varanda ou um mirante. Esta é a área mais brilhante e mais exposta da casa, elevando-se 1,25 metros do nível do solo e medindo 5,15 metros de pé direito.
Uma abordagem metódica semelhante informa a localização dos principais serviços e instalações de armazenamento exigidos pelo cliente, que são esculpidos nas paredes de contenção do projeto - como é o caso dos dois banheiros ao longo do primeiro terraço, onde todos os elementos foram inteiramente realizados in loco em concreto e que, diferentemente de todas as outras áreas da casa que são iluminadas e, portanto, não têm nenhuma conexão visual com o exterior - ou se encaixam com precisão nelas - como com os elementos da cozinha, estantes e guarda-roupas. Como tal, o espaço permanece livre de elementos estranhos ao seu "disegno".
A nitidez do layout arquitetônico é ainda mais corroborada no posicionamento das escadas. Estes, ao contrário, dividem teatralmente o espaço ao longo de seu eixo central para circular simetricamente ao redor do perímetro da casa sob um caminho de concreto e coberto pelo mesmo. Mas talvez, o aspecto mais significativo em dar ao projeto é a grandeza um tanto rudimentar, é a seleção e tratamento dos materiais implantados. A estrutura é realizada inteiramente em concreto armado e foi concretada sob a direção dos arquitetos em um único dia de trabalho; os pisos, assim como o terraço superior, são forrados com placas de madeira Garapeira longas e finas, colocadas perpendicularmente ao eixo longitudinal do projeto; e o todo é quase integralmente envolvido por uma única fachada envidraçada, da qual os motivos de perfis e design de ferro seguem a icônica tradição paulistana dos anos cinquenta.É especialmente o cuidado dedicado ao design desses últimos elementos que garantem a riqueza do projeto, da qual a nobreza poderia facilmente ser enterrada sob a grosseria dos caixilhos de alumínio modernos. Em vez disso, com sua fina marcenaria e abertura quase etérea, a Casa Biblioteca consolida seu lugar em meio a uma rica tradição de casas de vidro e pavilhões que desde o início do século XX se afirmaram quase persistentemente como locais privilegiados de experimentação arquitetônica.