-
Arquitetos: David Guerra
- Ano: 2019
-
Fotografias:Jomar Bragança
“Cada detalhe foi pensado e criado para traduzir o Brasil em beleza e aconchego”. David Guerra
Kûara. Sol do povo tupi-guarani. A casa de Tupã. Entrega, a cada dia, a energia, o calor, a vida, que faz da Costa do Descobrimento um paraíso terrestre, um tesouro nacional, que conceitua a própria identidade do brasileiro. Brasileiro este, indígena em primeiro lugar, para ao longo de dezenas de gerações miscigenar-se em um pluralismo étnico, trazendo uma diversidade única ao nosso povo. Diversidade esta que traz força e conta uma bela narrativa da história das raízes deste país. Raízes que se tornam memória da identidade brasileira, nos recordando o que temos de mais precioso: a rica natureza que, como generosa mãe, nos fornece as bases primárias de sobrevivência em um fascinante convite a uma saudável relação com o meio ambiente, embasada no respeito e harmonia com o natural.
Esta exuberante natureza está presente no local, desde muito antes da ideia de uma ocupação. Em uma orgânica composição, cujo eixo principal é o Córrego do Mucugê, a mata atlântica floresce juntamente ao mangue, entre as famosas falésias de Arraial D’Ajuda. E os 200 metros de praia nos levam ao inesquecível horizonte oferecido pelo Oceano Atlântico, do qual, há mais de quinhentos anos, as caravelas portuguesas apontaram a oeste, iniciando uma nova fase da história brasileira. Esta riqueza de memória e diversidade não poderia ser ignorada, optando-se, portanto, pela preservação de toda a vegetação nativa para o empreendimento, que se utiliza da estrutura do antigo hotel para erigir as novas edificações. O paisagismo leva isso em conta. Felipe Fontes soube montar uma composição que estivesse em pleno diálogo com toda a flora local, alinhando a sua interpretação da paisagem ao nativo.
A arquitetura, pensada primordialmente para estabelecer sólida simbiose com a riqueza da reserva, em uma construção vernacular e moderna, também atende ao requinte e à sofisticação essencial a qualquer refúgio para o lazer e o descanso. Privacidade, intimidade e silêncio eram palavras-chave ao programa. As manifestações naturais, o som das ondas e pássaros, o aroma da vegetação, do mar e, claro, as inesquecíveis vistas do preservado litoral da Bahia, foram tratadas como intocáveis, e tornam a estadia no hotel Kûara não só um período de oportunidade ao relaxamento, senão experiência ativa de contato com a natureza. O “briefing”, portanto, pedia um projeto contemporâneo, moderno e marcante, que sublinhasse o privilégio de ser construído em uma área de Mata Atlântica preservada. Este diálogo se alia aos detalhes de arquitetura e de interiores, que resgatam a bossa brasileira visando estimular a convivência entre os hóspedes.
Na escolha dos materiais, mostrou-se necessário o uso da diversidade em busca da interação, com grande foco e centralidade na beleza da madeira maciça em seu estado natural, feito impecavelmente por marceneiros discípulos do mestre Zanine Caldas. O trabalho é abundante nas superfícies de piso, forro e paredes, assim como em elementos arquitetônicos como venezianas, brises e painéis modulados, com espécies como cumaru, tatajuba, ipê e peroba. A complexidade do trabalho demandou não só o árduo trabalho de experientes marceneiros, senão a criação de uma marcenaria completa no local para otimizar o trabalho. Bambu, fibras naturais, palha, vime, couro, pedras brasileiras, e outros elementos artesanais fazem contraponto com revestimentos Florim importados da Itália, usados nos pisos e banheiros, que apesar de expressarem a produção industrializada de alto padrão, ainda trazem a sensação de estar diante da pedra bruta natural, sem o inconveniente da infiltração de água.
Louças Duravit importadas diretamente da Alemanha, enxovais Trussardi e produtos L’Occitane complementam a pluralidade de produtos, no melhor dos dois mundos: tecnologia e natureza. Um estilo arquitetônico único, que resulta multicultural, autêntico e atemporal, que usa o verde predominante não como entrave, senão como parte indissociável da arquitetura. Além disso, móveis da Prodomo e da Franccino, que buscam uma atmosfera de descanso, relaxamento sem se esquecer do design e da identidade brasileira. As cabeceiras de cama são trabalhadas em tressê de couro por Elisa Atheniense, trazendo um serviço personalizado de alto luxo. O trabalho da artista Rita Lessa nas peseiras, almofadas e passadeiras de mesa têm a missão de representar a brasilidade verde e amarela. Bananeiras, umbus, cocos, maracujás e cacaus, foram pintados de maneira contemporânea, modernista e personalizada para o hotel. Já os sousplats de coco, os pratos em pedra-sabão, desenvolvidos por mão de obra local, além de valorizar a artesania e o vernáculo, trazem um curioso diálogo entre culturas regionalistas, desde o uso de elementos naturais da Bahia, até a tradição mineira com a pedra-sabão.
As 180 fotografias de Jomar Bragança, feitas exclusivamente para o Hotel, revelam um olhar sobre o aspecto cultural da Costa do Descobrimento. Expressões da nossa identidade, construída por índios, negros e portugueses se revelam em imagens da arquitetura, do artesanato, da religiosidade e da economia da pesca e do cacau, além das paisagens de mangues, restingas, mata atlântica, do rio e do mar presentes em Arraial d´Ajuda, Porto Seguro, Caraíva, Trancoso, Coroa Vermelha, Santo André e Belmonte. A cultura da Bahia é a origem da cultura brasileira. As imagens mostram a nossa beleza natural, nossa fé, nossa diversidade em cores, texturas, tramas e materiais. O barroco português, as cestarias indígenas e os grafismos africanos. E, por último, o maravilhoso projeto luminotécnico da nossa saudosa Monica Rohlfs (in memoriam), que através de luminárias em LEDS de última geração da Everlight, criou um espetáculo de ambiente agradável e aconchegante, trazendo, novamente, o diálogo entre a tecnologia e a natureza.
UM PERCURSO DE DESCOBERTA
A peculiaridade do projeto inicia-se na entrada na recepção, na qual a primeira mirada traz o painel de entrada, desenhado pelo arquiteto (assim como todos os detalhes), composto por uma malha de cumaru maciço e um belo detalhe em fórmica branca. O desenho está sempre pensando na obra como um todo, em especial no fundo em fórmica vinho. Luz e sombras, cheios e vazados, claros e escuros. O contraste é o instrumento para a contraposição estética deste trabalho, trazendo à vista o elemento lúdico que varia ao longo do dia, à medida que o sol faz seu percurso de leste a oeste. A riqueza do ambiente é não somente visual senão funcional, agregando a este belo intervalo sala de TV e sala de descanso.
O lavabo da recepção, revestido em pedras italianas continuam o raciocínio da contraposição das cores entre o caramelo da madeira, o vinho das paredes e o grafite do piso. No painel do café da manhã, temos uma disposição réguas verticais que abraça o ambiente, reforçada pelo uso do eucalipto na estrutura, madeiras emparelhadas nos alisares e marcos, portas e janelas, além do forro. Buscou-se esta sequência visando uma diferenciação dinâmica, na qual a entrada de luz se arranja em diversos sentidos pelo espaço. Na parte externa, uma extensão da área para café da manhã, permitindo aos hóspedes tomar parte no desjejum tanto no íntimo da beleza do ambiente interior, como na atmosfera do beira-mar.
Uma passarela liga a recepção à área de lazer do Hotel. O guarda-corpo indica o caminho, em uma impressionante presença para um elemento geralmente visto como auxiliar. Aqui, o guarda-corpo assume um protagonismo, percorrendo o hotel em um belíssimo jogo de volumetria arquitetônica, amarrando os edifícios, os quais, apesar de aparentemente separados entre si, estão intimamente conectados nesta trama. Chegando à área de lazer, temos como primeira visada a imponente piscina de 500m² de borda infinita, a qual joga com nossa perspectiva, ao colocar-se em frente ao oceano, levando à sensação da conexão com o mar. A forma de L envolve o restaurante delimitando o lounge da varanda, e segmentando a prainha, amparada com confortáveis espreguiçadeiras, além da presença da hidromassagem. A sauna ao lado da piscina permite completar a plena experiência de relaxamento.
O restaurante à beira mar torna-se um dos pontos mais belos e imponentes do projeto. Com mais de 400 m² e capacidade para mais de 100 pessoas, além de adega independente, ricamente detalhada à vista, sendo não somente elemento funcional, senão decoração em um belíssimo painel de madeira. A parrilla é também outro interessante elemento, permitindo uma ampliação do cardápio para o preparo de carnes nobres em diferentes técnicas. Porém, indiscutivelmente, o ponto alto do restaurante é o conjunto de 130 luminárias, produzidas artesanalmente por uma equipe de habilidosos artesãos da região, que trabalharam juntos. O resultado é um conjunto orgânico, porém essencialmente harmônico, formando um simbolismo da floresta que ilumina de cima para baixo, criando efeitos de luz e poesia por meio dos balanços provocados pelos ventos litorâneos da Bahia, que passam, modestos, invisíveis, pela veneziana superior, mas geram belíssima, misteriosa e estimulante complexidade aos usuários.
Para além do deck da piscina, que marca o espaço com seus 1000m², temos o bar e o mais próximo que chegamos do mar antes de adentrar a Praia de Pitinga, estando o lounge da areia a cinquenta metros do oceano. Sofás e espreguiçadeiras na areia trazem à praia uma elegante experiência. O bar da praia serve os hóspedes e os visitantes, com o suporte de oito bangalôs, cada um com uma mesa de dez lugares, além de uma área de estar e espreguiçadeiras. As luminárias do bar, rodas de fibra de coco com diâmetro de um metro, são permeáveis em dois sentidos. À noite, a trama da fibra permite que a luz se espalhe tanto por baixo quanto na lateral, fazendo uma bonita composição espacial de iluminação sobre o salão.
Por último, a parte privada, com 46 quartos, variando entre 35 e 69 m², além de mais 4 suítes “superluxo” de 139m², que incluem sala de estar, varanda, cozinha equipada, lavabo e varanda com mesa para 10 lugares e dois sofás de balanço. Os quartos são equipados com ar condicionado e frigobar silenciosos, blackout total, colchão italiano e paredes com isolamento acústico, intensificando a sensação de descanso e conforto. Além de toda esta bela infraestrutura, o hotel conta com 2 quadras de tênis, uma academia, e lavanderia de última geração. O Spa da L’Occitane é um edifício independente, com 4 salas de massagem equipadas com mesas de massagem, chuveiro duplo e banheiras de imersão.
O hotel se destina aos que buscam o descanso e o relaxamento integrado à natureza. Uma referência do novo design, da cultura e da gastronomia do Brasil. Um projeto que cria um conceito moderno de uma arquitetura em madeira voltada para o mar, totalmente brasileiro. A privacidade é garantida, assim como o luxo e o máximo de conforto. É intimista, mas não intrusivo, característica esta espelhada em toda a equipe, treinada para perceber as suas necessidades e preferências, sem que os hóspedes percebam que o estão a fazer. Um santuário privado. Talvez não haja termo mais expressivo e conciso para designar o significado do Kûara Hotel. Um lugar de pleno usufruto de toda a tranquilidade disponível na Costa do Descobrimento, e necessária para encontrar seu equilíbrio e sair da rotina e de estresse do dia a dia.