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Arquitetos: ANPAR
- Área: 4000 m²
- Ano: 1994
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Fotografias:Stéphane Aboudaram | WE ARE CONTENT(S)
Um dos destinos de peregrinação mais procurados da Sicília, a Basílica do Santuário de Nossa Senhora das Lágrimas foi construída para celebrar o milagre das lágrimas derramadas por uma escultura de gesso da Virgem Maria na cidade de Siracusa no ano 1953. Não demorou muito para que o milagre atraísse um enorme número de devotos, o que finalmente levaria à construção do santuário dedicado à Nossa Senhora das Lágrimas de Siracusa. Foi em 1957 que as autoridades locais decidiram organizar um concurso internacional de arquitetura para o desenvolvimento do projeto da nova igreja, do qual participaram mais de 100 arquitetos de 17 diferentes nacionalidades. Escolhida como a grande vencedora, a proposta apresentada pela dupla de arquitetos franceses Michel Andrault e Piere Parat, acabou sendo concluída em 1994, transformando-se não apenas em um ponto de referência para a histórica cidade de Siracusa, mas um projeto pioneiro que viria a influenciar o desenvolvimento da arquitetura sacra ao redor do mundo.
Naquele mesmo ano, os jovens arquitetos recém-formados pela École des Beaux-Arts de Paris decidiram participar de uma série de diferentes concursos de arquitetura. Depois de sagrarem-se vencedores do concurso para o projeto do Santuário de Nossa Senhora das Lágrimas em 1957, eles decidiram formalmente abrir seu escritório em Paris. Devido à suas enormes proporções, o projeto da Basílica serviu como uma espécie de trampolim para a carreira da dupla, trazendo-lhes grande notoriedade e inúmeras outras comissões. Em decorrência deste sucesso repentino, eles foram também contratados pelo Fundo de Pensão do Governo Francês para o desenvolvimento de uma série de projetos de habitação coletiva no país. Em um curto período de tempo, o estúdio de Andrault e Parat, o ANPAR, tornou-se responsável pelo projeto de mais de 19.000 unidades residenciais em toda a França, para as quais eles desenvolveram um arranjo espacial em pequenos volumes com varandas, compondo conjuntos habitacionais de morfologia piramidal. Devido à estas incumbências públicas, o ANPAR ficou conhecido como um dos estúdios franceses mais prolíferos do período do pós-guerra.
Para o projeto do Santuário de Nossa Senhora das Lágrimas, a dupla propôs uma reinterpretação radical da tradicional morfologia de igreja em nave central. Desta forma, o edifício se revela em um aparência bastante austera, principalmente em razão de sua monumental estrutura em concreto aparente. Muitos anos depois, quando questionado sobre as suas intenções formais com o projeto do Santuário, Pierre Parat disse: “Me agrada aquela arquitetura que se revela de forma honesta, que dispensa artifícios ou floreios desnecessários” [1]. Tal declaração se faz extremamente evidentemente no vocabulário arquitetônico empregado logo no primeiro projeto concebido pela dupla em 1957. Surpreendentemente ousada e inovadora para a época, a proposta vencedora apresentada por Andrault e Parat naquele ano abriria as portas para futuros novos projetos similares em toda a Europa.
Na memorial descritivo fornecido pelos arquitetos, a forma concreta da igreja pretendia simbolizar a ascensão do homem em direção aos céus. No entanto, com o tempo, a morfologia do edifício foi sendo impregnada de outros significados, sendo comparada à um farol que indica o caminho em direção à salvação, ou como uma alusão às lágrimas derramadas que levaram à construção do santuário. Após o resultado do concurso, levaram-se quase dez anos para que as obras de construção da igreja fossem iniciadas e outros 28 anos para que ela pudesse finalmente ser inaugurada e aberta aos fiéis. O monumental edifício de concreto se desenvolve em dois níveis principais, com a cripta no pavimento inferior e o Santuário ao rés do chão e sob o qual se ergue a imensa cúpula em forma de cone ou lágrima. A cripta, inaugurada em 1968, abriga atualmente três diferentes museus, incluindo toda a história do milagroso acontecimento que levou a construção do santuário. Em 1994, logo após a conclusão das obras, o então Papa João Paulo II esteve no local pra a consagração da igreja.
Com seus 6.000 lugares, a Basílica de Nossa Senhora das Lágrimas de Siracusa tem capacidade para abrigar um total de 11.000 fiéis. Sobre a magnífica estrutura de concreto armado, que atinge uma altura máxima de pouco mais de 94 metros, repousa uma cópia da famosa escultura que dá nome ao Santuário. A estrutura nervurada da cúpula é composta por um conjunto de 22 elementos de concreto de seção transversal em V, conectados horizontalmente através de oito anéis de concreto protendido que diminuem de diâmetro a medida que a cúpula se eleva [2]. Entre cada um destes elementos, pequenos rasgos verticais permitem que a luz natural penetre profundamente no interior do edifício. Na base deste, dezenove volumes extrudados acolhem as capelas e outros espaços auxiliares, os quais encontram-se em balanço e parecem flutuar sobre a paisagem verde do parque de quase 17.000 metros quadrados onde a igreja está implantada. Interiormente, a nave central do Santuário mede pouco mais de 70 m de diâmetro. As suas texturizadas paredes de concreto aparente criam um contraste nítido com a delicadeza do piso de mármore branco.
Embora possa ser considerado um expoente clássico do Modernismo europeu, o Santuário de Nossa Senhora das Lágrimas se afasta completamente das obras modernistas de caráter dogmático realizadas no mesmo período. Desta forma, o projeto da Basílica de Siracusa pode ser compreendida mais como um experimento formal do que uma postura ideológica. Além disso, a proposta apresentada pela dupla de arquitetos no concurso de 1957 reflete a importância do desenho no processo de projeto, uma característica evidente na obra construída de Pierre Parat e Michel Andrault—algo que posteriormente lhes renderia o título de “arquitetos-escultores” [3]
Referências:
[1] https://www.lemonde.fr/culture/article/2013/02/15/un-succes-sans-partage_1833341_3246.html Acessado no dia 11 de Maio de 2020.
[2] Losanno, D. and Spizzuoco, M. (2018) Monitoring and Identification of the Seismically Isolated “Our Lady of Tears” Shrine in Syracuse. Open Journal of Civil Engineering, 8, 373-410. https://doi.org/10.4236/ojce.2018.84028
[3] https://www.paris-art.com/architecture-a-grands-traits/ Acessado no dia 11 de Maio de 2020.