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Arquitetos: arba
- Ano: 2020
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Fotografias:Jérémie Léon
Descrição enviada pela equipe de projeto. Quando recebemos o desafio de projetar esta casa, encontramos um terreno atravessado por um muro de pedra utilizado como apoio para as videiras que ali cresciam. Fomos imediatamente inspirados pela poética daquele elemento, da beleza de sua materialidade e por sua presença arrebatadora.
Ao longo dos anos, este muro foi capaz de criar um ecossistema próprio, proporcionando sombra, armazenando o calor do sol durante o dia e dissipando-o durante a noite ao mesmo tempo que fornece um anteparo para as videiras do jardim. Por outro lado o muro é um limite, uma barreira intransponível. Ele divide um terreno já pequeno em duas partes ainda menores. É surpreendente perceber como a presença de um simples muro nos faz pensar em tantas questões “existenciais” relacionadas à arquitetura. Nos indagamos se não seria melhor removê-lo. Pensamos também em reutilizar as suas pedras na construção do novo edifício. Mas tão rapidamente quanto estas ideais vieram a nossa cabeça elas foram embora. Porque, ao mesmo tempo que a presença do muro limitava as nossas possibilidades, ela nos indicava um caminho que seria impossível tomar se ele não estivesse ali. Decidimos mantê-lo, tal e qual como o encontramos, ”respeitá-lo” e acolhê-lo no projeto da mesma maneira que faríamos se estivéssemos lidando com uma árvore nativa centenária ou um edifício histórico. Mas até onde vai a liberdade de um arquiteto diante de tudo aquilo que já existe? Questões como esta não são pensamentos que costumam intrometer-se na vida de um arquiteto comum—ao final de contas, não havia nada de especial neste muro.
O seu valor, um tanto incômodo eu poderia dizer, tem a ver com a sua mera presença. Pelo simples fato de ele estar ali, atravessando o nosso terreno. E ter que lidar com a sua existência nos levou a refletir sobre uma infinidade de coisas que transcendem a própria arquitetura. Tal como o projeto se apresenta hoje, parece não haver outra opção a não ser aceitar a sua inconveniente presença—que com o tempo, já não parece assim tão inoportuna.
Nosso projeto, portanto, se reduz a uma simples intervenção sobre este muro. Nos permitimos atravessá-lo, como ele mesmo nos havia ensinado, criando uma única abertura que nos permite transpor fisicamente a sua massiva presença. A casa, por sua vez, parece estar acoplada ao muro. E desta simbiose nasce um mundo de novas possibilidades: a casa, como uma nova incorporação ao muro, acaba por distribuir, integrar e estimular os jardins anteriormente separados, criando três diferentes espaços com distintas qualidades.
Em sua planta retangular foram criadas três aberturas as quais organizam os espaços da casa, sempre vinculando-os com os jardins adjacentes. A leste e oeste, os frontões da casa operam como uma espécie de adição ao muro uma vez que seus elementos vazados serão tomados pela vegetação mais cedo ou mais tarde. Além disso, estas fachadas gêmeas, marcadas por um telhado em duas águas de inclinação acentuada, fornecem ao edifício um caráter quase poético.
Esta atmosfera lírica, emprestada da essência do próprio muro, é algo que surge quase que espontaneamente. Inspirada pelo seu predecessor, a casa se comporta como se ela sempre estivesse estado ali—algo que nos confunde a tal ponto que é difícil dizer o que veio antes: o muro ou a casa? Neste momento, nem mesmo nós somos capazes de dizer com exatidão.