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Arquitetos: Carlos Castanheira, Kim Jang Kyu, Álvaro Siza Vieira
- Área: 26092 m²
- Ano: 2010
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Fotografias:Fernando Guerra | FG+SG
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Fabricantes: Kvadrat Soft Cells
Amore Pacific é marca de cosmética, produto usado em quantidades industriais pelas mulheres orientais para realçar a beleza, esconder imperfeições ou aprofundar o branco da pele, símbolo de nobreza e de beleza, tal gaja* que, pela brancura de feições, candura e sensibilidade musical, se tornava objecto de culto e de desejo.
O primeiro contacto de trabalho para a Coreia (na metade Sul, pois para muitos coreanos continua a existir uma só Coreia que se encontra, temporariamente, dividida) coincidiu com uma visita do proprietário da Amore Pacific a Portugal para conhecer obras do Álvaro Siza. Conhecendo os arquitectos que o acompanhavam, fiz de guia. O objectivo era formalizar o convite para projectar um museu.
Iniciada pela sua avó, a indústria de cosmética, quase por acaso, começou a coleccionar peças relacionadas com o bem-estar da mulher. Peças de cosmética, peças de vestir, peças de adornar e também peças relacionadas com as cerimónias do chá. Hoje a colecção é imensa, assim com a qualidade e beleza da maioria das peças. Peças de valor e interesse nacional, numa parafernália onde a quantidade também faz a qualidade. Entusiasmado, o cliente quer instalar o museu no centro da cidade de Seoul, comprando mais terreno, coisa escassa por aquelas bandas, coisa cara, muito cara. Aguardamos e o primeiro projecto ainda não saiu do papel.
A quarenta minutos de carro de Seoul, na cidade de periferia de Xxxxxxxxxx(ver ficha técnica), Amore Pacific tem uma grande propriedade, a que eu gosto de chamar Campus, pois é isso que parece. Neste Campus estão concentradas as estruturas de investigação e desenvolvimento, a R&D - Research and Development, e as áreas de formação.
No local existe um grande edifício em granito cinzento onde estão concentrados os vários laboratórios de pesquisa e investigação. Este edifício resultou de vários acrescentos e adaptações. Agora necessita urgentemente de uma grande reestruturação.
Num outro edifício, em tijolo escuro, encontram-se todos os serviços de formação de pessoal e o museu improvisado, expondo apenas uma pequena parte do espólio. O resto da colecção, sempre a crescer, está armazenada em cave. Um outro pequeno edifício, isolado, como que empurrado para canto, a nordeste, serve de dormitório para quem vem, de longe, fazer formação ou investigação.
A área exterior é caracterizada pela enorme colecção de árvores e arbustos que o cliente vai comprando e transplantando de outros locais para este espaço. Na Coreia tudo se transplanta. Do pinheiro enorme, escultórico, como nos habituámos a ver nas gravuras orientais, ao mais subtil acer de múltiplas cores. Os transplantes, feitos em conjuntos, mais parecem instalações de arte: as árvores, ligadas entre si por grossas canas de bambu, ajudam-se mutuamente enquanto não criam raízes.
Os imensos campos desportivos ainda dão sentido à máxima mens sana in corpore sano, agora em desuso pela preferência do health club. No início do projecto foi pensado o Laboratório, no espaço contíguo ao existente, permitindo a mudança da maior parte dos serviços e a desejada reestruturação do velho equipamento. Deveria ser pensada a necessidade de, a breve prazo, incluir um novo edifício para mais laboratórios, num processo normal e previsível de expansão.
Depois foi o Pavilhão, espaço polivalente e de ligação entre edifícios e funções. E os respectivos espaços exteriores, grandes, generosos. De seguida veio o hotel de uso exclusivo interno, substituindo o edifício existente que não permitia receber convidados condignamente.
Após a apresentação dos estudos prévios, foi solicitado outro Pavilhão. Assim apareceu o Pavilhão II.
Já agora. seria de toda a conveniência repensar a portaria, a Gate House, pois é a frente do Campus, da empresa.
E por que não repensar os espaços exteriores, já que a relação entre os edifícios existentes e os projectados é tão óbvia?
Um Campus é isso mesmo, uma relação entre edifícios, onde os espaços exteriores servem de apoio. Ou será ao contrário?
O Laboratório
O edifício de laboratório é grande porque grande era o programa. Estacionamento em cave. Áreas sociais e técnicas em semi-cave. Espaços de investigação e trabalho em dois pisos, levitando do chão para que a relação de espaços e perspectivas se mantivesse. As áreas sociais compreendem espaços de exposição da colecção de arte da empresa, salas de reuniões, restaurante e duas salas de conferências, sendo uma em anfiteatro. E o Health Club. Os pisos de investigação são o mais aberto possível, por vontade expressa do cliente, certamente tocado pela relação de espaços da Biblioteca da Universidade de Aveiro, e de acordo com a necessidade de ventilar e dissipar cheiros e gases e garantir a segurança e outras condições técnicas típicas de um laboratório.
A base, o edifício que faz a base, é em placagem de granito negro, ligeiramente rugoso. Sobre este edifício há um terraço, parcialmente ajardinado, onde se dá a confluência de percursos e a separação do que está na terra e do que, em consolas, está suspenso. O corpo dos laboratórios é quase todo revestido a dupla fachada de vidro sobre estrutura metálica. Os topos e remates variam entre o zinco e a pedra de mármore branco, diferenciando espaços mas também utilizações. Apesar de caixa ou contentor de funções, a riqueza da utilização simples de materiais transforma-a numa espécie de Caixa de Pandora, em versão ao contrário, de onde sairão as mais belas coisas que transformarão as mulheres menos belas do reino da Coreia.
O Pavilhão I
Localizado no ângulo da estrada entre o edifício de Laboratório e o edifício existente em tijolo, o Pavilhão I, para além das funções de sala polivalente para que foi projectado, tem a função de dobrar a esquina. O que não é coisa fácil.
Elevando-se do chão do jardim, erguendo-se à cota da estrada, criando acessos das cotas inferiores para as superiores, torcendo-se ou contorcendo-se, qual ginasta em equilíbrio, o volume, dobrando-se, cria a esquina.
Betão branco e caixilhos em madeira e inox. Funcionará ainda melhor.
O Hotel
O hotel ocupa parte do campo de futebol existente e como que se encastra na colina a sul. Em forma de U, e em dois pisos, a organização é simples: nas duas pernas, quase semelhantes, estão localizados os quartos e no topo as áreas de serviço e os espaços sociais. A organização ou distribuição dos quartos pelos pisos é invertida, permitindo que o quarto do piso térreo tenha uma orientação diferente da do piso superior, permitindo privacidade no uso exterior, criando variedade. Tijolo, betão aparente e caixilhos de madeira e inox caracterizam os exteriores. O volume espraia-se pelos verdes do exterior.
Pavilhão II
O Pavilhão II é necessário para articular as funções do edifício existente, a nascente, e as do Hotel. O Pavilhão II é muro ou muros de contenção e definição de espaços exteriores de jardim e percursos em escada ou rampa. Muros em tijolo, capeamento a pedra, numa continuidade desejada que a natureza irá absorver. O Pavilhão II, como já foi referido, veio depois, como algo não desejado, integrando-se no todo, camuflando-se no geral. Espaço reservado a acontecimentos internos, poderá receber convidados de fora, de dentro e do hotel, sem interferir nas vivências específicas de cada edifício.
Gate House ou Portaria
O acesso ao Campus é pouco interessante e pouco racional. O novo edifício, para além das funções de portaria, de recepção e espera tem também uma pequena habitação para o guarda de noite. Em betão aparente, de cor branca, o volume comporta ainda os espaços para o armazenamento temporário de resíduos que, pelo perigo que representam, exigem especificidades muito particulares.
Arranjos Exteriores
Como se de um novelo se tratasse, do qual puxamos um fio que não termina mais, os arranjos exteriores são sequência dos edifícios e da necessária moldagem do terreno onde se está a intervir. Um terreno envolvido por uma vegetação luxuriante que, de transplante em transplante, se transforma e se refresca. Como uma operação plástica em corpo decadente. Os homens pensam, a obra avança, o optimismo vence.