- Área: 88 m²
- Ano: 2020
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Fotografias:Francisco Nogueira
Descrição enviada pela equipe de projeto. A classificação arquitetônica que se refere à forma como uma planta de apartamentos é organizada, e como suas partes são dispostas costuma ser referida como tipologia habitacional: ela define e cataloga características ou tipos comuns. Trata-se de um conceito bastante conhecido em arquitetura, sobretudo em programas dedicados à habitação: apartamentos e casas.
As tipologias são geralmente traduzidas por tipos de planta diversas, com diferentes padrões de distribuição de ambientes.
Inevitavelmente, para aplicar um determinado tipo de planta a uma determinada situação ou contexto, é preciso decidir (em casos raros) ou perceber (na maioria dos casos) a que tipo de vida ela corresponde. Neste ponto, o exercício do projeto torna-se bastante espinhoso. Normas e regulamentações ditam como navegamos nas tipologias habitacionais e elas são concebidas a partir de certas noções do que um lar pode ser, e de como deve se comportar um espaço íntimo. Os hábitos culturais trazem convenções sobre como deve ser uma família e como se supõe que ela ocupará os espaços da casa.
Assim, o leque de possibilidades é drasticamente reduzido já que, sem surpresa, o kit tradicional de peças domésticas compreende um um casal heterossexual e um ou dois filhos com espaços de intimidade que vão desde o mais "público", como a sala de jantar, até o mais privado, como o banheiro do quarto dos pais.
A maior porcentagem de apartamentos e casas ao nosso redor responde a esse modelo difícil de ser questionado.
Em 2018, a Apple criou os memojis, um pouco depois de seus concorrentes asiáticos, mas com um visual mais atraente. Os memojis criam avatares de nós mesmos, rastreando nossos movimentos faciais. A ideia é que este avatar aprenderia progressivamente como criar um catálogo de gestos emocionais que definiriam especificamente nosso eu digital. A perversão vem, como Shoshana Zuboff expôs em sua extensa pesquisa sobre o Capitalismo de Vigilância, a partir de um movimento continuamente reverso: fornecendo ao nosso avatar uma série de gestos faciais emocionais classificáveis, de alguma forma subjugamos esses gestos às limitações tecnológicas do aplicativo. Isto, indo e vindo entre nosso rosto e a tela do telefone, atenua nosso poder de comando a um ponto em que provavelmente nunca saberemos realmente se informamos o avatar sobre nossas possibilidades emocionais faciais ou se suas capacidades tecnológicas condicionaram nossos sorrisos.
Acho que o mesmo se aplica ao condicionamento tipológico de nossos espaços. Nunca saberemos quem está no comando. Mas sabemos, como arquitetos, designers, que estas condições não consideram a diversidade. Somos forçados a trabalhar como se cada espaço fosse dirigido a uma única categoria de lares monolíticos e sem gênero. Quem está, então, projetando nossos espaços de vida? Quais são os valores não ditos impostos às tipologias habitacionais? Existe espaço, em nossas casas, para as espécies-companheiras? Um apartamento para uma única pessoa responde à mesma organização de espaço que um para uma família de quatro pessoas? Ele permite a apropriação? Flexibilidade no uso? As necessidades de uma família contemporânea são as mesmas que no passado?
MARIA é apenas um apartamento, um lugar para um ocupante que potencialmente pode sempre dormir em um sofá, viver com um cachorro, cozinhar na varanda, comer no chão, ler no banheiro, ficar no balcão da cozinha e decidir que não precisa catalogar seus múltiplos, ricos e diversos gestos cotidianos e rituais de uso para criar um avatar de si mesmo. MARIA é um espaço físico desconectado à espera de ser habitado da maneira mais rica possível, sem preconceitos e sem formas direcionadas de habitabilidade. Como espaço, MARIA tem uma identidade sexual indefinida.