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Arquitetos: António Costa Lima Arquitectos
- Área: 640 m²
- Ano: 2020
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Fotografias:Francisco Nogueira
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Fabricantes: Fassa Bortolo, JNF, Preceram, TAL, Viroc
Descrição enviada pela equipe de projeto. Contruído há quase dois séculos o Cais da Rocha do Conde de Óbidos está no centro desta cintura fluvial que, felizmente, continua em permanente actividade e transformação. O projecto consiste na reabilitação de dois velhos armazéns logísticos e com características muito distintas. O primeiro é construído em paredes de tijolo burro que suspendem uma cobertura composta por 4 treliças metálicas. No interior contém ainda uma mezzanine de ferro e soalho de madeira a reabilitar. O segundo constitui um espaço amplo de pé-direito duplo e abobadado, construído numa estrutura composta por 6 arcos metálicos de geometria hiperbolar. O espaço é dividido num conjunto de 5/6 escritórios devidamente compartimentados, servidos de um núcleo comunitário com refeitório, sala de reuniões, copa e instalações sanitárias.
A ideia consiste na conjugação dos dois volumes tão distintos num conjunto equilibrado. A solução ocorre num gesto: uma pala estende o seu comprimento ao longo da fachada de tijolo do velho armazém e para além dela, trespassando o topo do segundo, transformando-se na nova mezzanine da grande nave abobadada. A entrada principal ganha uma profundidade e uma escala condizente com a natureza do equipamento. O tratamento cru dos espaços torna-se fiel à função original, apresentando a verdadeira natureza dos materiais (estrutura e outros elementos), sem acabamentos nem ornamentos divergentes.
Depois de concluída a obra, foi muito bom observar a rapidez com que surgiram inquilinos e o espaço foi ocupado. Possivelmente o projecto ajudou a lembrar que o Porto de Lisboa ainda é o coração da cidade. Para os inquilinos será um privilégio assistir e participar da actividade portuária. Por outro lado, como projectista, também é um privilégio ter participado na evolução desta área urbana em transformação, tendo como objecto um armazém com um potencial arquitectónico fortíssimo e original. Este binómio é uma razão suficiente para concorrer, pois acontece apenas em casos pontuais da prática corrente de um atelier de arquitectura.
Impacto no tecido urbano
O impacto na envolvente é, em conjugação com outras intervenções ali próximas, sem dúvida indelével. A APL numa orientação concertada com a CML tem encarado a frente ribeirinha como um território carente de uma reabilitação profunda no sentido de maximizar a sua utilização e o seu significado na cidade. Para isso, foi interpretado que seria importante a convivência da actividade portuária com outro tipo de equipamentos de serviço e de escritórios, numa gestão estrategicamente diferenciada ao longo da frente ribeirinha. A reabilitação destes armazéns vêm demonstrar esta convivência de uma forma bastante visível. É uma demonstração clara de que a mistura das utilizações, quando bem pensada, enriquece a vivência dos tecidos urbanos e colabora para a sua regeneração.
Impacto na atividade económica da cidade
É bem notório como esta área da cidade tem ganho uma vida própria, expulsando a degradação de comportamentos marginais que por ali proliferou durante muitos anos. O impacto económico é evidente e tem trazido a recuperação das áreas de domínio público. A rua, melhor dizendo, a doca que acede aos armazéns reabilitados constitui um beco sem saída e invadido pela marginalidade. A seguir à obra e com a ocupação recente dos seus novos inquilinos, a diferença é gritante. Ainda mais, quando a solução de arquitectura prolonga o espaço da doca para o interior do armazém, contrariando o impasse da via pública.
Para além do potencial demonstrado de criar entre 50 a 90 postos de trabalho, tem funcionado também como polo de atracção turística, não só pelo referido prolongamento que cria da doca para o seu interior como uma espécie de íman que se contrapõe ao beco, mas também pela utilização do espaço por utentes em grande parte estrangeiros, potenciando a divulgação do espaço ribeirinho para a fruição turística da cidade.
Sustentabilidade
A intervenção pode servir como um modelo de sucesso pelo facto como reinventou e fez renascer uma estrutura absolutamente decadente e como o resultado foi rapidamente acolhido com sucesso pelo mercado imobiliário e, mais concretamente, pelo mercado de arrendamento de escritórios. A sociedade tem ganho uma nova consciência cultural que encara e valoriza as obras de reabilitação mais improváveis, numa óptica de sustentabilidade ambiental, ecológica e paisagística.
Intervenção
O projecto propõe em primeiro lugar a valorização e reabilitação do edifício existente, desde os seus elementos particulares até aos gerais. No entanto, com a opção de romper o topo que faz frente para o beco público, o edifício ganha uma nova leitura: promove-se a continuidade da doca para o interior, seja pelo seguimento que é dado ao plano de fachada da nave A, seja pela nova pala prolongada até se converter na nova mezzanine interior. Com esta ideia dá-se uma articulação mais evidente dos dois volumes, valoriza-se a entrada principal e contraria-se o impasse que é latente a este espaço público.
O compromisso de revalorizar a história do edifício pela sua relação com o presente verifica-se nas soluções construtivas, em alguns casos inovadoras do projecto, como por exemplo:
- Na utilização do aço cru em todos os novos elementos estruturais metálicos (pilares e vigas em perfis tipo HEB) que, a par das chapas metálicas à cor natural do sistema colaborante, compõem a laje da nova mezzanine e a pala exterior;
- No assumir dos elementos estruturais do edifício, até agora escondidos da vista, nomeadamente no caso da mezzanine da nave A que passa a ter à vista o sistema de vigas metálicas, no caso das asnas da cobertura desta mesma nave e no caso das vigas curvas que perfazem os arcos parabólicos da nave B;
- Na construção das novas paredes divisórias em tijolo cerâmico acústico, cor natural, deixado à vista, sem revestimento de estuque ou reboco;
- Na construção das cinco escadas interiores em betão armado descofrado e deixado à vista (ver imagem em baixo);
- Na instalação de todas as infraestruturas à vista, utilizando cabos, caixas, equipamentos eléctricos e aparelhos de iluminação, todos na cor preta e esteiras em aço galvanizado, incluindo ainda as prumadas de esgoto pluvial, revestidos com chapa zincada à cor natural e os tubos principais de exaustão, ventilação e AVAC em condutas em tubo galvanizado (tipo Spiro) à vista;
- Na substituição das caixilharias dos vãos da nave A que volta a adoptar o vidro transparente e o ferro num desenho sintonizado com o desenho original, de certo modo, ainda visível na banda vizinha adjacente a Poente e na alteração e substituição da caixilharia do grande vão que serve a nave B que passa a contar com um sistema de caixilharia em ferro cru;
- Na substituição do revestimento das coberturas em chapa metálica vermelha na nave A em chapa ondulada metalizada à cor natural na nave B;
Todas estas opções contribuem de forma clara e inovadora para a valorização do edificado preexistente e da envolvente. Pode referir-se que a estrutura é mantida em cerca de 75%. Os acabamentos e as infraestruturas já receberam uma reabilitação mais considerável.