Coberturas no Xingu / Estúdio Gustavo Utrabo

Curadoria de Susanna Moreira

Arquitetos: Estúdio Gustavo Utrabo
Área: 368 m²
Ano: 2019
Fotografias:Pedro Kok, Gustavo Utrabo

Contexto. A história recente dos povos e paisagens indígenas do Brasil têm sido marcada pela violência. Quando os primeiros colonos europeus chegaram em 1500, o que hoje é o Brasil era habitado por cerca de 11 milhões de indígenas, em cerca de 2.000 comunidades. Após o primeiro século da invasão, 90% dessa população havia sido dizimada, principalmente por doenças como gripe, sarampo e varíola trazidas pelos colonizadores. Nos séculos seguintes, milhares morreram na escravidão. Hoje, as culturas indígenas do Brasil continuam sua luta diária para se manterem vivas e preservarem seus territórios diante das atuais circunstâncias políticas e econômicas. Por isso, o projeto se coloca, não apenas em um contexto de luta política e resistência, mas a partir de uma forma diferente de se relacionar com as comunidades indígenas, já que as aldeias de hoje e seus habitantes não condizem mais com as antigas visões idílicas da modernidade. O projeto arquitetônico propõe outra forma de ver e se relacionar com sua paisagem e território, apoiando a configuração territorial concêntrica e mantendo uma distância da centralidade da aldeia. Utiliza materiais locais e industriais, revelando a passagem do tempo e abrindo-se, ao reivindicar um suporte polivalente necessário à comunidade. Em resposta ao contexto local deste projeto, foi construída a primeira Cobertura do Parque Indígena do Xingu para o Assentamento Kisêdjê, mas outros assentamentos poderão dar corpo à sua estrutura, o que representa uma importante reivindicação de direitos e adaptação da comunidade, em meio à uma cultura em constante mudança.

Objetivos. O projeto visa estabelecer um canal de troca entre diferentes culturas e processos de construção no presente. Nesse sentido, a intenção não é replicar a cultura local, mas estimular o diálogo por meio da diferenciação. O projeto funciona como um parente, ou vizinho distante, construído como um sistema modular passível de ser replicado, apropriado e alterado de acordo com cada comunidade do parque. O sistema construtivo configura espaços flexíveis e polivalentes para a população, por meio de uma estrutura de madeira fabricada localmente, que pode ser facilmente montada, ampliada, reduzida e deslocada, tendo em vista a mobilidade dos povos indígenas. A Cobertura representa um importante imaginário dessa relação. Tem como objetivo segurar o céu, construir uma varanda e envolver as pessoas. Se diferenciando da clausura das ocas originais, a proposta se abre para o entorno pela simetria, alinhamento, escala e a tipologia dos primeiros abrigos. A varanda, nesse sentido, é o dispositivo do encontro entre dentro e fora. Na oca a sombra tem peso – ela envolve e protege seus moradores. Aqui, no outro sentido, a sombra tem outro peso – é possível estar dentro e fora, ver e ser visto, ficar dentro e estar com alguém fora. É vendo a sombra, que outra relação entre as pessoas e o meio ambiente é possível. Na Cobertura para as aldeias do Xingu, a sombra possibilita a existência da varanda, constituindo uma mediação e assim permitindo outra relação com a comunidade e nossas florestas.

Performance. O deslocamento da comunidade e a construção dos assentamentos recentes foi vital para a manutenção da saúde de seus habitantes, que estão fugindo dos malefícios causados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos nas plantações de soja que circundam o parque. O engajamento com o cliente - ISA (Instituto Socioambiental) -, uma ONG comprometida com os direitos sociais, direitos indígenas e meio ambiente, representa um papel fundamental e parte invisível do processo ao estabelecer a mediação necessária para a ampliação do campo arquitetônico por meio do diálogo com a comunidade local, seu modo de vida e território.

A partir de discussões entre arquitetura, construtores locais e saberes ancestrais, as Coberturas para o Parque Indígena do Xingu pretendem relacionar-se com uma cultura sem propriedade e sem dono, que desenvolveu soluções arquitetônicas específicas, como a montagem de elementos de baixa manutenção e o uso de matérias-primas em seu estado bruto, mantendo em seu meio um espaço concêntrico para reunir a comunidade em atividades coletivas. As paredes e divisórias internas foram apropriadas e transformadas de acordo com as necessidades da comunidade. Não apenas as restrições econômicas levam a uma solução arquitetônica mais simples, mas também a relação limitada com o local durante sua realização. Modelos explicativos e desenhos sobre o processo de construção foram enviados à aldeia para facilitar o processo de execução. Devido ao sucesso da primeira Cobertura, outras duas estruturas foram feitas para as comunidades do entorno do Parque Indígena do Xingu, para contribuir e fortalecer a cultura local.