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Arquitetos: Mínimo Común Arquitectura
- Área: 200 m²
- Ano: 2021
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Fotografias:Federico Cairoli
Descrição enviada pela equipe de projeto. Era 23 de janeiro de 2020. Uma manhã quente, como tantos verões na capital do Paraguai, Assunção. A temperatura estava em torno de 29 graus Celsius já às 8h30 da manhã. O som característico do celular surge dentro do escritório do pequeno estúdio localizado no bairro Ricardo Brugado, mais conhecido como bairro da Chacarita. À terceira repetição Solanito responde:
-Olá, como está, Tapiti?
-Claro Tapiti eu me lembro, sim, podemos ver.
-Isso, até sexta-feira Tapiti, saudações para Luce.
Antes de qualquer pergunta, a resposta: Pablito quer se reunir para conversar sobre a casa dele que comentamos ontem depois do futebol. Amigos bem determinados construindo sua futura casa conosco.
Pablo e Luce são recém-casados, ele uruguaio e ela paraguaia com parentes no Uruguai, ambos designers gráficos que trabalham remotamente para empresas no exterior que nos apresentam a localização do terreno, na cidade de Limpio, bairro Surubi'i. De transporte privado fica a 45 minutos de avenida, perto o suficiente de Assunção para atividades diárias e sociais, mas também longe o suficiente para manter uma condição suburbana, com amplo terreno, vegetação e tranquilidade, o bairro vive um boom de construção regido por regulamentos internos que condiciona o projeto à aprovação do conselho de bairro.
Os últimos debates dentro do nosso escritório levantaram as atuais condições habitacionais e as principais técnicas de construção ecológica que estão ganhando popularidade no espectro da arquitetura paraguaia. Nós, formados em tijolo, manuseávamos alternativas de adobe. A obra, que estava em andamento, nos constituía dentro da materialidade, localizada no interior, a 350km da capital. As condições eram muito diferentes, agora teríamos mais recursos disponíveis. Quisemos experimentar com taipa, devido aos bons resultados de colegas e amigos, uma técnica com excelentes condições para o clima do nosso país.
Ao fazer os primeiros testes, porque nunca havíamos trabalhado desta forma e somos nossos próprios construtores, começamos a perceber que o tempo dentro do processo de construção era muito longo. Precisávamos de mais pessoas, compactadores pneumáticos, fôrmas especiais, vergas mais resistentes e infinitas outras coisas para realizá-lo. Isso resultou em um processo decepcionante pela impossibilidade de realizar a obra desta forma, pois os custos ultrapassaram os padrões de construção e o orçamento era bastante limitado, além da angústia que nos deixou com a reflexão: Seria lógico achar que arquitetura sustentável seja só para pessoas com poder aquisitivo suficiente para conseguirem pagar pelo seu trabalho e ter uma vida melhor? Não estávamos dispostos a abrir mão das qualidades do terreno, queríamos poder construir para Luce e Pablo como para todos, o que nos leva a uma nova experimentação.
Nossos mestres responsáveis pelas fôrmas têm uma incrível capacidade de trabalho. Sr. Eusebio, na casa dos quarenta anos, lidera a equipe. Seu pai, irmãos, amigos e quem puder acompanhá-los trabalham com ele, com pausas para a rodadas de tererê. Eles chegam e começa a sinfonia de serras e martelos e assim, sucessivamente, até criarem uma linda tela pronta para receber toneladas de concreto que eles mesmos se encarregariam de misturar e despejar.
A missão era semelhante: em vez do telhado cobriríamos o horizonte, paredes prismáticas de madeira ocas no interior serviriam de fôrmas. Com a habilidade de Eusébio e seus meninos, foram necessárias apenas algumas horas para realizar a tarefa artesanal. Modular cada parede na medida de cortes padrão de madeira comercial nos pouparia ainda mais tempo. 2,40 x 2,40 metros era a medida do chão ao teto de cada módulo e a espessura tínhamos que determinar, mas sabíamos que poderíamos fazer com 15 ou 20 centímetros, o que era ideal devido ao consumo de material.
O projeto, com voltas e mais voltas desde a sua concepção, consistia em uma volumetria simples, sem muitos riscos estruturais: um "L" submerso entre a vegetação. O sol poente incide todas as tardes na parte mais fechada da casa, e de manhã a espaçosa sala de estar, cozinha e sala de jantar são iluminadas. Mas o mais importante é garantir o descanso com quartos confortáveis e, com a ideia futura de aumentar a família, o conforto tinha que ser garantido. As paredes de barro protegeriam os setores íntimos, uma horta seria cultivada pelos próprios proprietários e sustentada por finos pilares de metal que alimentariam o pequeno Agus.
Depois de muitos erros aprendemos a nova técnica: fizemos testes muito pequenos até conseguirmos estabilizar o terreno que usaríamos, testes com corpos de prova nos deram resistência semelhante a do tijolo, tempos de carregamento nos permitiram transportar manualmente 2 módulos por dia com uma pequena equipe e com dosagens semelhantes ao concreto usando 10% de cimento na mistura. Como estávamos inseguros, diminuímos gradativamente esse percentual, até que passamos a usar apenas 5% como estabilizador, havia opções de outros estabilizadores com menor impacto mas, no mercado local, não eram de fácil acesso e, por ser nossa primeira abordagem, decidimos não correr mais riscos também. Havia uma família esperando por sua casa.
A longa tradição da cerâmica guarani criou o kambuchi, jarro moldado em barro por mulheres paraguaias para transportar a água do ykua e mantê-la fresca durante todo o percurso para, em um ato de amor, oferecê-la aos homens para combater o implacável calor, como diz uma canção tradicional do grande Mauricio Cardozo Ocampos.
“Sobre su cabeza erguida
Lleva un cántaro nativo
Agua para el peregrino
La hermosa mitacuña”
“Soy tu ardiente soñador
Dame un poco de agua fresca de tu cántaro de amor
Dame un poco de agua fresca de tu cántaro de amor”
Nós, no mesmo ato, estávamos prontos para oferecer a casa nascida da tradicional terra vermelha Guarani, moldada por nossos artesãos a um custo razoável e com a técnica que chamamos de terra vazada. Encontramos muitos exemplos ao redor do mundo, mas no Paraguai isso nunca foi havia sido feito. Como seria, ainda não sabíamos, mas o esforço era inegociável.
A Casa L&P foi construída a partir dos sonhos de um casal que inicia a sua jornada juntos, da vontade de viver num espaço adequado ao correto desenvolvimento das funções que irão utilizar ao longo da vida, e da confiança investida na realização de uma casa única em seu estilo, com lama e cheiro de terra depois da chuva.