-
Arquitetos: Grupo de Desenho Arquitetura
- Área: 20 m²
- Ano: 2022
-
Fotografias:Fernando Stankuns
-
Fabricantes: Decorma, Pau-Pau Pisos e Móveis de Madeira, REKA, Seartis
Descrição enviada pela equipe de projeto. A primeira característica que nos chamou a atenção no momento em que visitamos o lote do imóvel à Praça Gastão Cruls (bairro da Vila Madalena, cidade de São Paulo), foi a condição singular da topografia de sua envoltória. A praça foi projetada como um adoçamento para o ângulo agudo formado pelo encontro tripartite de três ruas – Prof. Pirajá da Silva, Realengo e Sebastião Rodrigues –, no limite da qual uma servidão pública em forma de viela a conecta à rua Guaianaz da Fonseca, quase 9 metros acima do nível da praça, por meio de um largo escadão com o qual o terreno do imóvel estabelece limite.
Este relevo atípico impõe ao lote uma inclinação bastante acentuada possibilitando (ou exigindo) uma solução em dois níveis para a implantação da planta original. No nível da praça foram dispostas a garagem de veículos, área de lavanderia e serviços domésticos – quase como um anexo conjugado em bloco de serviços ‘subterrâneo’, dissociado do plano familiar. Este pavilhão enterrado se vincula ao piso superior através de uma escada que se abre entre os planos, cruzando o amplo fosso de luz por cuja generosa abertura penetram, de forma abundante, a iluminação e a ventilação necessárias às atividades daquele pavimento. A entrada de veículos, portanto, dá-se ao nível do solo, com o acesso acontecendo por meio de dois portões frontais. É também a partir de um portão lateral na cota da praça que os pedestres podem ter acesso direto ao pavimento principal vencendo um único lance de degraus que leva a uma espécie de praça elevada no centro da qual se ergue o núcleo residencial.
Como tradicionalmente encontramos nos imóveis residenciais da segunda metade do século XX em São Paulo, a organização da planta da casa corresponde a uma divisão bastante rígida de funções. O excesso de paredes e corredores não apenas compromete a fluidez desejável entre os diferentes programas e atividades possíveis dos moradores como, acima de tudo, representa um empecilho técnico para a iluminação e ventilação dos ambientes. Do ponto de vista pragmático, ou seja, considerando o custo do metro quadrado de área construída em uma metrópole global como São Paulo, a área útil ocupada com paredes e espaços unicamente destinados à função de ‘tráfego’ representa um desperdício de espaço inconcebível para os padrões urbanos atuais. Diante disso, nossa primeira ação foi compreender a dinâmica da planta existente buscando uma intervenção que nos permitisse limitar ao mínimo as divisões internas e reorganizar os ambientes hidráulicos tirando o máximo proveito das prumadas existentes.
Além disso, buscamos potencializar e, onde possível, ampliar as relações de iluminação e ventilação disponíveis para os espaços da casa. Dessa forma definimos, em primeiro lugar, o que deveríamos manter integralmente de forma a racionalizar o processo construtivo e reduzir os custos da intervenção. Adotamos, a partir disso, o bloco em forma de ‘L’ correspondente à parte da sala, banheiro social, suíte e quarto do fundo. Este bloco faz divisa (a oeste) com o terreno vizinho, e, ao fundo, se abre para o quintal. Mesmo buscando preservar ao máximo as características originais deste trecho da antiga residência, foram introduzidas duas alterações.
A primeira teve por objetivo ampliar a oferta de banheiros do imóvel de modo a ampliar o conforto dos moradores. Dessa forma, foi possível transformar um banheiro de dimensões exageradas em duas unidades mais adequadas aos padrões contemporâneos de peças sanitárias. A segunda alteração, no quarto dos fundos, buscava construir uma ponte visual através de todo o núcleo residencial possibilitando a travessia luminosa entre os dois extremos da casa ao mesmo tempo em que, a partir dos fundos do terreno, produz uma quebra na leitura homogênea do bloco horizontal formado pelos quartos em dois conjuntos distintos, um efeito que foi amplificado pela adoção de cores distintas. O azul foi escolhido para qualificar a seção longitudinal que contém a sala e os banheiros e a suíte, enquanto para o quarto infantil, que compõe um apêndice transversal ao bloco principal, foi adotado um tom terroso.
A maior intervenção, contudo, foi realizada no quadrilátero que, na planta existente, correspondia ao quarto intermediário, cozinha e porção leste da sala. Este trecho foi inteiramente demolido, com exceção de uma única empena e pilar na face exterior. O conjunto restante foi inteiramente reorganizado através de uma cobertura metálica em única água, construída acima do nível original do telhado de modo a ampliar o pé direito disponível e possibilitar a entrada de luz acima das alvenarias existentes.
Internamente, o trecho da sala que foi mantido junto à nave de alvenaria longitudinal foi convertido em escritório e separado da sala por um conjunto de marcenaria que, entretanto, mantém livres as duas laterais através das quais a conexão entre os ambientes é garantida enquanto se preserva a possibilidade de um nível mais elevado de concentração e privacidade entre este local de trabalho e o espaço de relaxamento e convivência da sala.
De modo semelhante, a cozinha é organizada em um único elemento linear de mobiliário que serve como anteparo à entrada do lavabo na área social enquanto, simultaneamente, constrói uma circulação íntima que leva aos quartos. Esta solução, contudo, nos mesmos moldes da relação adotada para relação entre escritório e sala, não produz um espaço unidirecional limitado de acesso único. Ao invés disso, o volume da nave de cocção não toca a alvenaria produzindo, dessa forma a possibilidade de trânsito também à partir da cozinha diretamente aos quartos, e não somente a partir da sala.
Por fim, como última intervenção, buscamos ampliar as possibilidades de estar construindo um avanço lateral, para o qual a cozinha se abre, por meio de uma ampla cobertura de policarbonato estruturada diretamente entre o bloco e a divisa sem a adoção de pilares, somente com o uso de vigas treliçadas laterais apoiadas sobre o muro de divisa garantindo a maior área coberta livre possível. A seção frontal, protegida da rua pelo desnível, teve seu caráter de praça elevada amplificado pela aplicação de vegetação frondosa que permite usufruir do espaço aberto com reduzido impacto sonoro e total preservação visual.
A otimização dos ambientes e a integração espacial entre os espaços internos e externos da casa, somados às condições topográficas do site e a adoção das soluções de amplificação do acesso á luz natural, como a promoção de aberturas generosas e o aumento do pé direito, proporcionaram a transformação de uma construção antiga e de aproveitamento sem grandes privilégios, em uma casa que desfruta de uma condição quase insular, preservada do ruído e da algaravia do ambiente urbano e integrada às copas das árvores que se anunciam por sobre os muros devido ao benefício do desnível topográfico, com espaços nos quais é possível estar e transitar mal sabendo-se se estamos a entrar ou a sair, dentro ou fora, pois em todos os ambientes nos sentimos abrigados e seguros. E mais que nada a relação interna e externa ocorrem o tempo todo, pela transparência, mantendo a privacidade do usuário.