A submissão de artigos para as seis sessões temáticas está aberta a todos os participantes do V Seminário Internacional de Historia de Arquitetura Hospitalar (V SIHAH).
O projeto moderno de uma vida protegida, supondo um corpo passivo que se constrói individualmente na oposição doença-saúde, centra-se na eliminação da doença através do recurso ao hospital como dispositivo fundamental do conhecimento e intervenção biomédicos. No entanto, a saúde reinventa-se permanentemente a partir das suas dimensões sociais, ecológicas e políticas, e a medicalização da vida centrada no indivíduo amplia-se a espaços compostos de visões menos estáticas e mais complexas problematizadas por desafios (re)emergentes como é o caso recente da pandemia de Covid-19.
No prisma biomédico, a manutenção do estado de saúde centra-se na relação individual com a biomedicina e com práticas quotidianas associadas à medicina preventiva e à promoção da saúde, evitando os períodos de internamentos hospitalares centrados na cura de doenças. Sabemos hoje que a atividade física, os banhos de mar, a energética frio/calor, a natação ou o ginásio são parte das experiências individuais de saúde, mas cabem também no que é a construção social e coletiva da saúde. O abrigo, a “temperatura de conforto”, ou a continuidade interior-exterior de um edifício transparente, liberto dos constrangimentos da parede e do teto refletem mudanças de prisma decorrentes de lógicas económicas e da governação da saúde que co-existem e acompanham a reinvenção da biomedicina e da saúde pública em função dos seus desafios em diversos lugares do mundo. A passagem da medicina curativa para a medicina preventiva reflete uma “revolução copernicana” sobre o olhar para o corpo: da cura de um corpo doente a necessitar de terapêuticas para a manutenção de um corpo saudável, num permanente esforço e atenção aos mínimos sinais ou sintomas de degenerescência, dor, alterações de forma ou textura.
As lógicas económicas e de governação em saúde continuam a coexistir e a acompanhar a reinvenção da saúde para os desafios que enfrenta. No entanto, a pandemia voltou a causar problemas nos hospitais devido ao ressurgimento das infeções, algo que parecia desaparecer nos hospitais devido ao controlo remoto das infeções. Também do ponto de vista dos edifícios nocosomiais essa alteração se faz sentir – na crescente importância dos serviços de consulta externa de especialidade nos centros hospitalares, na localização e acesso aos novos meios de diagnóstico, reforçados pelos novos centros de imagiologia, ou no forte incremento de tratamentos e cirurgias de ambulatório com o consequente tempo mínimo de permanência em ambiente hospitalar – e alteram profundamente a antiga noção do hospital como lugar de longas permanências, de espaços de enfermarias centrados nos serviços, ou espaços de vigilância panóptica. O estudo e relato dessas transformações, tanto do equipamento quanto da cidade, tem sido objeto de trabalho de historiadores de arquitetura, de medicina, de planeamento. É hoje reconhecido o papel do hospital na construção da modernidade, não apenas como equipamento que pela sua racionalidade permite o combate da doença, mas também por uma clareza de imagem arquitetónica veiculadora de valores de transparência, higiene de superfícies espelhadas, continuidade espacial e ventilação cruzada, que tanto influenciaram e foram influenciados pelo movimento moderno em arquitetura. Essa modernidade do equipamento é veiculada pelos promotores, por vezes médicos interessados nas construções hospitalares, mas também pelos arquitetos e outros participantes na sua elaboração. A interpretação do equipamento hospitalar passa, em tantos casos, pela observação dos álbuns fotográficos produzidos documentando o edifício final ou uma viagem de estudo, as anotações à margem dos desenhos de projeto sobre questões funcionais ou construtivas, as trocas de correspondência. Rastrear o processo de projeto também nos informa sobre a velha aspiração de um espaço fluído, flexível, adaptável às permanentes alterações de organização que o complexo edifício hospitalar sempre comporta. Essa flexibilidade espacial, oposta à rígida determinação funcional tão característica do edifício hospitalar, é hoje mais necessária, pensando na indispensável sustentabilidade do equipamento e no grande potencial à criação de respostas aos desafios que a saúde enfrenta hoje.
Este seminário internacional pretende trazer à contemporaneidade, projetando o futuro, os estudos de história do hospital através da sua relação específica com os espaços de saúde, sejam eles os “Maggie Center” ou os centros de saúde de “terceira geração”. A colocação urbana dos hospitais ou equipamentos e saúde, na sua proximidade de equipamento de bairro, insere a proximidade quotidiana do equipamento na rede de atividades e espaços de lazer e saúde, tal como a piscina ou o ginásio. Uma forte tendência recente para a desinstitucionalização de alguns equipamentos nocosomiais, como o hospital psiquiátrico ou a maternidade, questiona o destino e a necessária conservação do património hospitalar, permitindo também outras formas de conservação e reutilização críticas do seu monolitismo, desconstruindo as estratégias de poder que lhe deram origem.
Debater os novos espaços de saúde urbanos – espaços de exercício físico e saúde mental como o parque urbano, o corredor verde, a ciclovia, mas também os espaços de relaxamento tais como o spa, o miradouro no passadiço de duna, o trilho de montanha, em suma os espaços e dispositivos de saúde mental – permite, assim, um enquadramento diverso do estudo dos velhos equipamentos, alargando o campo de observação dos dispositivos históricos de combate à doença através do estudo da sua localização, do desenho dos espaços exteriores, dos programas que não se confinam às prescrições funcionais, trazendo para o V Seminário Internacional de História de Arquitetura Hospitalar as Paisagens de Cura no Património Hospitalar.
Cronograma
- 15/12/2022 a 28/02/2023: Call for papers
- 15/03/2023 a 15/04/2023: Seleção dos artigos e retorno aos proponentes
- 15/04/2023 a 30/05/2023: Inscrição early bird
- 15/04/2023 a 30/06/2023: Limite para revisão de artigos aceites
- 01/06/2023 a 15/07/2023: Inscrição late bird
Seis temas abrangentes, correspondentes a outras tantas sessões, organizam este seminário:
1. O hospital e as imagens de modernidade
Os hospitais são imagens da constante metamorfose da sua arquitectura, dos seus intervenientes, dos seus projetistas, tal como o são na sua materialidade e função. São, assim, imagens de mudança, não apenas no tempo e do espaço, mas objectos de controvérsia, de proximidade ou de relutância ou, ainda, focos de insegurança ou de saúde. Tais condições fazem com que a sua imagem se comporte não só como reflexo da contemporaneidade, mas como “índices” de modernidade, de resposta a conceitos higiénicos, de desenho para a segurança ou de especificidade para a doença. Porventura considerados como máquinas de curar – um conceito, por si, controverso – tenderão a plastificar a sua vertente humana, de arquitectura para os seus utilizadores e fruidores, nomeadamente para os seus doentes. Como património, são também espoliados e vítimas da sua própria imagem: vendo-os como máquinas, rapidamente são substituídos e esvaziados de função, levando consigo as imagens do corpo e da saúde para um túmulo silencioso.
Poderão os hospitais ter uma leitura simplista ou linear? Certamente que não. Esta sessão usa as imagens dos hospitais (da construção da sua própria imagem ao longo do tempo), como a imagem de propaganda ou, ainda, de como é representado na sua própria história. Tem, também, o objetivo de “ver” o hospital como espelho social e político e como desenho de arquitectura, na atualidade e perante a sua evidência histórica, apelando à discussão atual do hospital no seu projeto e na sua compreensão programática e arquitetónica.
2. Dimensões sociais na construção do hospital: programas e atores
A necessidade de cuidados de saúde desenvolveu, ao longo da história, modelos hospitalares e de assistência derivados de programas sociais e políticas públicas que, em correspondência com as prescrições da medicina e higiene, formam diretrizes com impacto no planeamento, desenho, construção e funcionamento hospitalar. Neste contexto, é importante salientar a participação de promotores e atores no processo de conceção do espaço hospitalar. A habitabilidade diária do hospital também exige características particulares para programas médico-arquitectónicos; experiências que podem aumentar a qualidade dos níveis de cuidados, justificar capacidades e melhorar as práticas médicas. A compreensão da complexidade destas relações e usos, que definem as necessidades e formas de cuidar dos pacientes nos hospitais, pode contribuir para consolidar práticas que conduzam a melhores projetos e imagem dos modelos e contribuam, portanto, para a diversidade e afirmação da evolução médica e arquitectónica. Neste contexto, é possível incorporar avanços científicos e inovações tecnológicas que afetem a espacialidade, a forma e gerem ambientes saudáveis.
Esta sessão, cruzando o contributo das ciências sociais, arquitetura e urbanismo no estudo da história dos equipamentos hospitalares, abre novas interpretações ao estudo dos equipamentos pelo reconhecimento do papel dos diversos atores que neles tomam parte.
3. Reuso da arquitetura hospitalar e sustentabilidade
Nas últimas décadas, os estudos sobre os hospitais vêm ganhando destaque nas investigações realizadas na América Latina e Europa, seja sob o ponto de vista da sua história, condição patrimonial, tipologia, tecnologia ou da sua reconversão. Nos anos em que o mundo enfrentou uma das suas piores pandemias, vemos o quanto ainda dependemos dos hospitais e o quanto é necessário estudá-los, histórica e contemporaneamente. É preciso repensar seus espaços, sua disposição na cidade, sua permanência, seus valores e seu uso mais sustentável.
Esta sessão busca a contribuição de investigadores que reflitam sobre a função e a funcionalidade do hospital, seu uso e reuso, sua sustentabilidade e flexibilidade, seu programa e sua tipologia, seja ele pavilhonar, monobloco ou uma megaestrutura. Tais tipologias refletem formas e modelos de construção de hospitais ao longo de séculos, mas, também, propostas que podem servir para projetos contemporâneos. Suas características se traduzem em elementos importantes, e ainda atuais, para configurações e reconfigurações dos espaços de saúde, como a adoção de estruturas, modulações, dimensões e soluções técnicas; o uso de materiais e elementos construtivos; bem como o estudo de fluxos e acessos, entre outros, que merecem o olhar do projetista, mas, sobretudo, do pesquisador.
4. Espaços de Saúde na Cidade
A saúde tem sido uma preocupação constante nas intervenções estatais e profissionais sobre o espaço urbano. Ao longo do século XIX, o Higienismo e Sanitarismo orientaram os projectos de modernização e implicaram novos modos de planeamento do espaço público, assim como novos modelos para a arquitetura hospitalar. A tipologia formal dos hospitais organizados em pavilhões, que inicialmente seguiram o modelo oitocentista e francês de Durand de pavilhões articulados, foi sendo repensada para atender a diferentes programas hospitalares. A alteração da lógica de localização dos edifícios hospitalares nas cidades em função da mudança no final do século do paradigma miasmático para o pausteriano não se deu de forma instantânea, e a ideia do hospital como enclave excepcional permanece até hoje como fator norteador das decisões projetuais. No entanto, existe uma diversidade de espaços de saúde de escala menor, públicos e privados, que foram sendo criados de uma forma mais integrada no ambiente construído da cidade, como centros de cuidados primários, clínicas, consultórios, ou mesmo locais para o exercício físico. Apesar de existir uma rica literatura histórica sobre o papel da saúde no planeamento do espaço público ou na arquitectura do hospital, sabemos muito pouco sobre esses espaços de saúde de escala menor, e por vezes de cariz mais privado, na cidade. A recente pandemia, entretanto, faz-nos retornar às velhas questões de tipologia e de lógica de localização, e pensar os espaços de saúde na cidade a partir das suas potencialidades como lugares salutogénicos. Esta ideia contrapõe-se radicalmente ao pensamento dos espaços e das trocas urbanas como favorecedores da disseminação de doenças.
Nesta sessão busca-se a contribuição dos pesquisadores sobre a conquista da salutogénese nos espaços públicos, objetivando-se fomentar uma reflexão coletiva sobre o futuro da saúde nas cidades e contribuir para a criação de lugares para o bem-estar físico e psíquico.
5. Desinstitucionalização das arquiteturas nocosomiais
A desinstitucionalização privilegia a medicina preventiva e ambulatória, e visa reduzir os longos períodos de internamento em hospitais. Os desafios colocados hoje à arquitetura dos edifícios hospitalares articulam-se, assim, com os processos de desinstitucionalização em áreas como psiquiatria e a saúde mental, ou os cuidados de saúde materno-infantis, assentes em políticas de saúde orientadas para a prestação de cuidados de saúde primários e de iniciativas de promoção da saúde de abordagens tendencialmente comunitárias. No entanto, em áreas como as doenças infecciosas, tal como nos mostrou a pandemia de COVID-19, a desinstitucionalização depende de outras variáveis, e encontra soluções em propostas mais abrangentes e inclusivas como os "hospitais de crescimento e mudança" de John Weeks.
A partir de experiências da América Latina e da Europa, convidam-se as/os participantes a apresentar sobre:
- a desinstitucionalização das arquitecturas nocosomiais em articulação com uma reflexão crítica sobre a biomedicina (centrada na doença e na cura) e o cuidado (baseado em visões ampliadas de saúde);
- articulações entre a arquitectura dos edifícios hospitalares/equipamentos de saúde e as crescentes directrizes das políticas de saúde para a prestação de cuidados de saúde primários;
- a importância de equipamentos de saúde e sistemas e práticas de cuidado (biomédicos e não biomédicos) que ampliam o encontro clínico e promovem a criação de lugares múltiplos de cuidado, renovando assim os espaços de saúde e de mobilização social nos territórios onde se vive (centrais aos processos de desinstitucionalização).
6. Paisagens de cura
Houve um tempo em que a simples permanência na alta montanha constituía um processo de cura, como ocorria com o tratamento da tuberculose pulmonar. O recolhimento em alta montanha, na procura de ar puro e seco, desenhava galerias arquitetónicas para deposição dos pacientes, em horários prescritos, procurando uma imersão passiva num ambiente curativo através do dispositivo arquitetónico. A segregação espacial das estâncias correspondia tanto à necessária pureza do ar quanto ao depaysement dos doentes, libertando as concentrações urbanas ou industriais dos focos ativos de infeção.
A recente pandemia de Covid-19 veio relembrar, a nível mundial, a obrigatoriedade de confinamento espacial das áreas urbanas como condição de controlo da infeção. Esse confinamento, que por vezes assumiu o radical impedimento de sair de casa, apartamento ou alojamento, veio relembrar a indispensável necessidade do jardim de bairro para o mínimo diário de exercício, o espaço exterior público para passear o cão, o espaço verde para alongar o olhar e sentir a continuidade da vida apesar da suspensão imposta pelo combate à doença. Saúde pública, saúde dos habitantes e do espaço urbano, obrigam a repensar a qualificação do espaço público e o seu papel ativo no bem-estar físico e psíquico dos habitantes, mas implica também uma outra perceção do papel dos equipamentos hospitalares, pensados numa dimensão de reabilitação da saúde.
Esta sessão é dedicada ao papel das paisagens, incluindo as paisagens urbanas e a cidade, na conservação ou recuperação ativa da saúde, tão urgente para repensar um novo papel para o hospital.
Título
Património Hospitalar e Paisagens de Cura: chamada para artigosTipo
Envio de propostasWebsite
Prazo de inscrição
23 de Fevereiro de 2023 11:59 PMPrazo para envio
23 de Fevereiro de 2023 11:59 PMOnde
Anfiteatro Anatómico da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra