Texto Original por Martín M. Muñoz, autor da tese de licenciatura em Urbanismo da Universidad Nacional de General Sarmiento (Bs. As., ARG.), via Plataforma Urbana. Tradução Archdaily Brasil
O patrimônio arquitetônico hierarquiza o espaço público que emoldura, e com ele contribui enormemente à tão almejada sustentabilidade de nossas cidades. Este artigo busca colocar os leitores em relação a destacar a pertinência de repensar a paisagem urbana em seu conjunto a partir da escala humana.
Nos últimos anos, vem ganhando grande destaque o termo “sustentável”. Concebido como um novo ideal a ser alcançado, o termo está ligado fortemente à consolidação dos avanços da ecologia como um campo de estudo e de ação desde os anos setenta. E neste sentido, o termo “sustentável” também é utilizado como sinônimo, e enquanto cada palavra reconhece uma origem diferente, atualmente ambas se encontram interligadas pelo mesmo paradigma em voga que as relaciona há mais de 40 anos: o desenvolvimento sustentável. Assim que hoje, frente ao futuro, é necessário voltar a nos perguntarmos o que é ser sustentável. Porque o cenário que foi testemunha da criação deste conceito sofreu uma mudança drástica quando o crescimento da população mundial foi observado que, desde 2007, mais de metade vive em cidades. O que muitos apontaram como o triunfo definitivo das cidades e início da era urbana, cabe a nós convocar a repensar como a humanidade pensa sustentar este processo e sustentar-se futuramente.
Para isso, é indispensável entender a cidade como um sistema interconectado. Já nas primeiras décadas do século passado, estudiosos das questões urbanas do peso de Lewis Mumford ou a dupla Robert Park e Ernest Burgess, entendiam a cidade como o artefato mais perfeito criado pela humanidade, dotado de um mecanismo social próprio, localizado num território que o influencia, mas que por sua vez o transforma. O avanço e domínio da natureza por parte dos homens supôs uma transformação radical no ambiente que o sustentava, tanto o natural como o construído, que não tardaria em evidenciar um desequilíbrio na relação harmoniosa entre as partes nos últimos séculos.
Assim, tendo em conta as exigências e desafios das cidades de hoje e para restaurar a relação harmoniosa entre o indivíduo, a sociedade e a natureza, a interação social é um dos principais requisitos para garantir a sustentabilidade da vida urbana. Para esse tipo de aproximação e ações de comunicação mútua de ações, palavras e sinais entre pessoas se dê, é necessário um espaço comum que os contenha, os identifique e os interpele. Daí a centralidade da importância de resgatar o espaço público das cidades, o espaço definido por oposição ao espaço privado, abrigados no interior dos edifícios.
Além disso, no tratamento dos espaços públicos, a conservação e valorização do patrimônio urbano existente no entorno é essencial. Não devemos esquecer, por exemplo, que o tratamento das fachadas tem papel fundamental na definição e composição espacial do conjunto arquitetônico que os envolve. Com isto, foram hierarquizados estes espaços como corredores e nós urbanos, de maneira que atuem como grandes marcos atrativos de funções sobrepostas: transitar, se entreter, comercializar, morar, disseminar, enfim, uma série de atividades que é possível localizar coincidindo em torno desses lugares de sociabilidade. Ao mesmo tempo, isso nos permite visualizar, resgatar e valorizar a memória da cidade, tornando-as parte do cenário cotidiano.
Por outro lado, articular os espaços públicos com as áreas verdes permite colocar em prática a experiência de uma cidade a outra velocidade, outra do que a imposta pelas tecnologias modernas, e recuperar a dimensão humana do pedestre. Porque usufruir das facilidades oferecidas pela proximidade das vantagens da vida urbana aliadas ao verde ajardinado, tudo dentro de um raio limitado de quadras ao redor da própria casa também é contribuir para a sustentabilidade, reduzindo o tempo e custos urbanos e ambientais associados com longos trajetos, especialmente aqueles ligados ao automóvel e expansão das cidades em baixa densidade. Neste sentido, muitas das principais cidades do mundo apostam a transformação de suas áreas centrais em posse da combinação de bairros caminháveis enriquecidos por usos mistos: Curitiba, Tókio, Londres, Seattle, Portland, Boston, Delhi ou Montevidéu são apenas algumas das cidades que buscam renovar-se e enriquecer sua vida urbana a partir deste tipo de intervenções. Não obstante, existe ao mesmo tempo uma contrapartida dada pelo mercado de terras: o aumento da demanda por imóveis localizados nestes bairros empurra para cima o seu preço, o que pode levar a processos de gentrificação.
No caso da Argentina, poderíamos resgatar que existiram tentativas tímidas próximas a este tipo de intervenções urbanas, como a restrição do veículo em algumas ruas centrais comerciais, por exemplo, que não chegaram a se aproximar do paradigma proposto, já que não são exemplos realmente completos em si mesmos, dada a ausência da população residente na área. Isto nos convida a ir além, buscar a concretização de experiências de desenho urbano que integrem a recuperação social do espaço público com a revalorização do patrimônio de nossas cidades, em coordenação com a adoção de arborização e áreas verdes nos interstícios adequados. Em conclusão, avançar nos processos responsáveis de densificação populacional e a mistura de usos em nossos centros e subcentros urbanos é contribuir para que nossas cidades sejam sustentáveis e garantir que a forma de vida urbana também seja sustentável.