Por Guillermo Tella, via Plataforma Urbana. Tradução Archdaily Brasil
A cidade de Londres conta com diversas ferramentas jurídicas que regulam a construção dos edifícios, buscando resguardar a segurança das pessoas e dos bens. As normas de edificação são muito rigorosas e extensas, particularmente no que diz respeito à segurança das construções e aos materiais utilizados. Quanto a usos, tipologias, alturas e ocupação do solo, o Parlamento delegou funções aos “Local Council”, de acordo com critérios estabelecidos pelos planos de desenvolvimento.
Da mesma forma, a organização do governo da cidade de Londres é complexa, pois a própria cidade é resultado da fusão de duas cidades anteriores, Londres e Westminster, gerando o aglomerado urbano atualmente denominado Greater London (Grande Londres), que constitui um multifacetado sistema de rede poli nuclear e de características diferenciadas, muitas vezes com claros limites entre si. Além disso, antigos povoados que circundavam estes centros foram conurbados, ainda que muitos tenham conseguido conservar seus traços individuais.
A cidade de Londres tem sido o centro de negócios do país, impulsionando o desenvolvimento econômico e financeiro a nível mundial. Deve-se notar que seu tecido edificado foi gravemente danificado durante os bombardeios alemães da Segunda Guerra Mundial, o que possibilitou nos anos seguintes a construção de empreendimentos modernos e de grande escala, que modificaram a fisionomia urbana.
O traçado viário conserva estruturalmente suas características medievais, ainda que a reconstrução o tenha alterado em certas áreas. Desde os anos 70 foram construídos altos edifícios de escritórios e o primeiro arranha-céu (Natwet Tower) na Cidade. O desenvolvimento de espaços de escritórios se intensificou especialmente no centro, norte e leste da Cidade.
Quanto a outras áreas de Grande Londres, pode-se destacar lugares como Bloomsbury, onde se localiza a Universidade de Londres, e outros centros culturais habitados por estudantes; Soho reconhecido por sua programação diversificada, ou Chelsea, Pimlico, etc.
Como exemplos de antigos povoados conurbados, é possível citar Islington, Kesington, Blackheath ou Hempstead, que mantém traços do passado com sua rua principal, pequenos bairros residenciais, tabernas históricas e a proximidade do campo, representado por The Heath, um parque natural de vários hectares e aparência totalmente silvestre. Bairros-jardins do século XIX também são partes integrantes da Grande Londres (Hampstead Garden Suburb ou Kensal), assim como o bairro operário e portuário East End, ou zonas de renovação urbana como Stepney-Poplar, Roehampton ou The Docklands, cujos desenvolvimentos ocupam superfícies consideráveis.
Um sistema planejado de desenvolvimento
No reino Unido, as fórmulas legais adotadas se baseiam principalmente no direito consuetudinário, o valor da jurisprudência e a autoridade do juiz sobre a interpretação literal de um artigo, seja ele codificado ou não. Assim, na cidade de Londres não é estranho que na legislação escrita se detecte uma primeira resistência a regulamentar questões de detalhe e se resgate a importância do precedente nas decisões difíceis.
A Lei de Planejamento e Compra Obrigatória (Planning and Compulsory Purchase Act), de 2004, foi a última grande reforma no sistema planificado de desenvolvimento inglês, pois foram abolidos os Planos Estruturais e os Planos Locais para estabelecer os Quadros de Desenvolvimento Local (Local Development Frameworks) que são compostos por uma série de Documentos de Desenvolvimento Local (Local Development Documents). Os Planos Estruturais foram substituídos pelas Estratégias Espaciais Regionais (Regional Spatial Strategy), produzidas pelas Assembleias Regionais (Regional Assemblies).
Estes reconhecem três níveis político-administrativos que têm relação direta com o planejamento em Londres: o primeiro é local e consiste no governo dos boroughs que compõem a Grande Londres, cada um com seu Conselho (Council) respectivo; o segundo é o governo de Grande Londres, com um corpo legislativo, a Assembleia de Londres (London Assembly) e uma liderança executiva eleita a cada quatro anos, o Prefeito de Londres (Mayor of London); e o terceiro é representado por um Ministério, denominado Departamento das Comunidades e Governo Local (Department of Communities and Local Government) com jurisdição na Inglaterra.
Nessa estrutura atual, o Prefeito de Londres é responsável pelo planejamento estratégico da Grande Londres. Para tanto, deve elaborar um Plano de Londres (London Plan). O plano vigente data de 2004 e constitui uma estratégia de desenvolvimento espacial com seis objetivos:
● Crescimento de Londres dentro de seus limites, sem avançar sobre os espaços abertos.
● Fazer de Londres uma cidade melhor para se viver.
● Fazer uma cidade mais próspera com crescimento econômico forte e diversificado.
● Promover a inclusão social e combater a pobreza e a discriminação.
● Melhorar a acessibilidade em Londres.
● Fazer de Londres uma cidade mais atrativa, mais bem projetada e mais verde.
A proteção de vistas e o skyline
No caso particular da cidade de Londres, duas direções estratégicas do plano apontam, por um lado, à conservação de certas áreas por seu valor intrínseco, seja histórico ou de identidade; e por outro lado busca proteger a silhueta urbana e as vistas de cenários que emolduram marcos urbanos (landmarks). Este último implica em limitações das alturas das edificações, bem como aos tipos de construção, revestimentos de fachadas, entre outros. Isso pode inclusive variar entre diferentes boroughs.
Lá são determinadas as características principais que devem constituir os novos planos de desenvolvimento imobiliário, a proteção das vistas importantes, perspectivas e panorâmicas, a conservação do espaço público urbano e da rede viária, a conservação de espaços abertos, as limitações às modificações e extensões dos edifícios, o mobiliário público, as cenas de rua, a arborização e a paisagem urbana, a proteção e o acréscimo do número de obras de arte dentro do cenário urbano, a regularização do desenvolvimento em áreas de conservação, a proteção das fachadas de comércio tradicionais, a proteção do patrimônio arquitetônico contido em uma lista de edifícios, a proteção e conservação de áreas de interesse histórico.
Da mesma forma, a proteção das vistas, localização e skyline ao redor de St. Paul’s Cathedral, com a definição das vistas estratégicas de perspectivas predeterminadas e da limitação de alturas; também, referente à Torre de Londres, a melhoria da acessibilidade universal nas edificações e equipamentos para deficientes.
De fato, um dos pilares do plano da cidade de Londres se refere à conservação da vitalidade do centro urbano através da preservação da herança patrimonial de seu centro histórico, por meio de estratégias de manutenção de vistas e perspectivas protegidas e a delimitação de áreas de conservação. O plano enfatiza aspectos da construção que realçam as características da identidade da área central.
O plano também abrange a demarcação de zonas de oportunidades de desenvolvimento imobiliário (comerciais e habitacionais), em um equilíbrio que busca manter a população residencial enquanto proporciona os serviços de centralidade que a caracterizaram tradicionalmente. Para a estratégia de manter a população residencial, propõe a iniciativa de demarcar determinadas ruas e quadras como centros comerciais a serem mantidos.
Acordos para a criação de habitações.
A cidade não dispõe de incentivos de ocupação ou regularizações no mercado do solo dentro do centro histórico. Entretanto, na escala metropolitana, a Autoridade de Grande Londres, liderada pelo gabinete do Prefeito de Londres, desenvolve processos de empreendimentos urbanos em escala regional seguindo o renomado modelo das Docklands, em consórcios público-privados sob a orientação do plano de Londres e outras áreas públicas envolvidas por questões de competência e jurisdição.
A aposta mais segura é o empreendimento chamado Thames Gateway Development (“Desenvolvimento do Portal do Tâmisa”), assim chamado por ser um plano de criação de uma série de centros urbanos em torno de nós de transporte costurados pela linha do trem de alta velocidade, que cruza a Europa continental através do túnel sob o Canal da Mancha, e que se desenvolve acompanhando o curso inferior do rio Tâmisa, entre Londres e seu estuário no Mar do Norte.
Em resumo, a cidade de Londres se estrutura sobre um sistema urbano poli nuclear que tende a consolidar identidades de comunidades heterogêneas. Possui uma longa tradição urbanística que consolidou ao longo do tempo um sistema de desenvolvimento urbano planejado e complexo, que retoma a importância do direito consuetudinário inglês e os julgamentos prévios de litígios complicados; mas que desenvolveu também uma vasta legislação escrita.
Diante disso, essas transformações de um sistema multifacetado e poli nuclear são possíveis graças à forte presença de uma Autoridade Metropolitana para Grande Londres que permite o planejamento, o monitoramento e a coordenação unificada de objetivos, estratégias, programas e projetos com as principais agências e organizações nos distintos municípios e em conformidade com a verdadeira extensão da cidade concreta.