“O direito à Cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado”.
Carta Mundial pelo Direito à Cidade
Fórum Social das Américas – Quito – Julho 2004
Fórum Mundial Urbano – Barcelona – Setembro 2004
As mudanças climáticas têm causado mudanças em todo o mundo. Em teoria são causadas tanto por fatores naturais quanto antropogênicos. Seu gatilho são gases tóxicos que emanam de reações químicas como a queima de combustíveis e que se concentram na atmosfera intensificando o efeito estufa. Inicialmente se denominou este processo de Aquecimento Global, mas visto que logo se constatou que não acarretava somente temperaturas mais altas, e sim um desequilíbrio ligado a desastres naturais, foi convencionado o termo genérico Mudança Climática para se referir ao câmbio por causas humanas.
O Efeito Estufa é o fenômeno em que determinados gases componentes da atmosfera terrestre retém parte da energia que o solo emite após absorver da radiação solar. Ele afeta todos os corpos planetários dotados de atmosfera. De acordo com a maioria da comunidade científica, o efeito estufa está se acentuando por conta da emissão de certos gases, como o dióxido de carbono e o metano, pela atividade humana. Assim, uma quantidade maior de energia fica retida. (Fonte: Wikipedia)
Mudanças Climáticas e Pobreza
Ainda que exista incerteza sobre os impactos futuros das mudanças climáticas, alguns pontos apresentam evidências suficientes:
As mudanças climáticas multiplicarão as vulnerabilidades já existentes e aumentarão as dificuldades já enfrentadas pelas pessoas e seu potencial de desenvolvimento. Por isso, estes fenômenos incrementarão a pobreza se não forem aplicadas as políticas necessárias para favorecer a adaptação dos assentamentos informais e precários.
Ainda que necessárias, as políticas destinadas à redução das emissões dos gases de efeito estufa não serão suficientes para evitar os impactos das mudanças climáticas. Portanto, é fundamental estabelecer um enfoque que abarque tanto medidas de mitigação quanto de adaptação, já que só dessa forma será possível reduzir a vulnerabilidade das populações mais pobres.
As mudanças climáticasafetarão de maneira diferente cada lugar do planeta. Os países mais afetados serão aqueles em desenvolvimento, sobretudo nos assentamentos informais e precários. Para estes últimos, as secas, as inundações e as tempestades são experiências ainda mais desastrosas, devido à sua alta dependência dos recursos naturais e sua limitada possibilidade de adaptação às futuras condições climáticas sem ajuda externa.
Como foi mencionado, os impactos das mudanças climáticas e a vulnerabilidade das comunidades variam amplamente, ainda que se saiba com certeza que atuarão sinergicamente com as debilidades existentes. Desta maneira, segundo a localização geográfica, poderá ser reduzida a oferta de água, afetando a saúde e ampliando a disseminação de vetores de doenças. Outras regiões podem ser afetadas por inundações que colocam em risco a segurança alimentar.
A adaptação das comunidades pobres aos efeitos das mudanças não poderá ser enfrentada de um ponto de vista de políticas isoladas: são necessárias políticas integradas de desenvolvimento humano, institucional e financeiro, fundindo as áreas relacionadas ao meio ambiente, à energia, à economia e o bem estar social.
O fortalecimento e a capacitação das comunidades isoladas será um fator fundamental para assegurar sua continuidade.
Segundo o informe do PNUD de 2006 “Pobreza e Mudança Climática, Reduzindo a vulnerabilidade dos pobres através da adaptação” os impactos sobre as populações mais pobres variam segundo o contexto, refletindo fatores como a localização geográfica; características econômicas, sociais e culturais; prioridades e preocupações dos indivíduos, grupos sociais e modos de vida; presença das instituições e políticas vigentes. O informe destaca que os impactos sobre o sustento dos indivíduos se darão principalmente nos seguintes pontos:
Serviços e Patrimônio Ambientais: A produção dos ecossistemas são as principais fontes de bens e serviços das populações carentes, tanto como fonte primária como suplementar de alimentos, material construtivo e combustível. Isso os torna altamente vulneráveis à degradação dos ecossistemas. Se por um lado as condições sociais e econômicas os levam a condições marginalizadas e os força a explorar os recursos naturais, as mudanças climáticas degradam a qualidade destes recursos e, portanto, reforçam as condições de pobreza. Desequilíbrios nos ecossistemas podem ter reflexos econômicos maiores. Entre os processos essenciais estão a degradação dos resíduos e contaminantes, a purificação da água e a manutenção da fertilidade do solo.
Água: A escassez de água já é um problema significativo. As mudanças climáticas reduzirão ainda mais sua disponibilidade devido ao aumento da frequência de secas, da evaporação e alterações nos padrões de precipitação. O acesso inadequado a água e serviços sanitários, combinado com práticas de higiene deficitárias são causas centrais de problemas de saúde e doenças que afetam países em desenvolvimento.
Agricultura e Segurança Alimentar: A degradação da terra, alterações nos valores e no crescimento populacional se apresentam como as maiores preocupações para a produtividade agrícola. Temperatura, regime de chuvas e extremos climáticos se agregarão ao déficit de recursos agrícolas. Isto será particularmente sério nas áreas onde processos como a desertificação são atualmente severos. Também onde a pesca representa fonte de alimentos, redução ou migração das espécies, entre outros problemas nos ecossistemas marinhos, devem ser considerados.
Saúde: O potencial impacto na saúde humana aumentará a vulnerabilidade e reduzirá as oportunidades ao interferir na educação e no trabalho. O prolongamento de períodos de calor e umidade pode contribuir aos índices de mortalidade, especialmente entre idosos e carentes. Mortes e lesões decorrentes de eventos naturais também podem aumentar. Efeitos indiretos, como alastramento de vetores e subsequente alteração da distribuição geográfica de enfermidades como chagas e febre amarela também podem afetar a população.
Deslocamentos involuntários, migrações e conflitos: Os efeitos diretos e indiretos das mudanças climáticas e suas interações com outras vulnerabilidades e exposições ambientais podem levar a migrações massivas devido à degradação de recursos cruciais e ameaças aos meios de subsistência, tanto em ocorrências abruptas quanto graduais.
Por isso, é certo que as populações carentes urbanas somadas aos refugiados de situações climáticas adversas se assentarão sobre terras não aptas ao uso urbano, conformando um mercado informal de terra conduzido por cartéis de narcotráfico na América Latina. A deficiência dessas terras bem como da habitação nelas produzida faz com que os moradores permaneçam à mercê de todo tipo de inclemência climática.
Os migrantes na América Latina existem em números muito altos, sendo que somente na cidade de Buenos Aires chegam por ano 500.000 pessoas provenientes de países limítrofes pertencentes ao MERCOSUL. Esses se agregam aos mais de 30% em situação de risco extremo da população urbana.
Nossas cidades e seus equipamentos não estão preparados para atender tal massa populacional sem recursos advinda de condições climáticas extremas.
A pobreza acarretada pela redução da produção nas zonas rurais também agrava o êxodo rural e o contingente dos chamados Refugiados Climáticos.
A população urbana carente apresenta maiores riscos frente às mudanças climáticas
O crescimento da faixa populacional abaixo da linha de pobreza que se assenta em solos periféricos e precários dos núcleos urbanos excede totalmente os recursos socioeconômicos disponíveis.
Atualmente na América Latina a porcentagem da população vivendo nos perímetros urbanos é de 77%, e só crescerá com os refugiados climáticos. Estes se assentam conforme a disponibilidade, em terrenos alagadiços, com risco de desmoronamento ou zonas de descarte de resíduos industriais.
Submetidas a doenças, falta de saneamento básico e agora aos efeitos climáticos, essas populações se transformam em uma enorme carga econômica e assistencial, não só para as grandes metrópoles como paras as cidades de médio porte, causando dramáticas situações de desamparo.
O Banco Mundial, no informe “Climate Change, Disaster Riskand the Urban Poor: Cities Building Resilience for a Changing World” (Mudança Climática, Riscos de Desastres e População Pobre Urbana: Construindo Cidades Resilientes para um Mundo em Mudança), esboça um conjunto de ações que podem ajudar a proteger os grupos de maior risco. A aplicação dessas medidas suporá um forte compromisso dos governos locais que atuam nas comunidades, bem como das instituições nacionais e internacionais. O estudo, já apoiado pela Aliança das Cidades, também foi analisado na comissão do C40 em São Paulo. Nela se examinaram os vínculos entre mudanças climáticas e populações carentes das cidades, destacando quatro questões chave:
- As populações urbanas carentes estão na linha de frente. São particularmente afetados por serem relegados a zonas urbanas sem serviços básicos confiáveis.
- Os governos locais são os responsáveis em garantir os serviços básicos. Eles possuem papel fundamental no financiamento, na gestão da infraestrutura básica e na prestação dos serviços a todos os residentes urbanos. O saneamento básico é a defesa primordial contra os riscos naturais.
- As cidade devem se tornar mais resilientes mediante a incorporação da Gestão Urbana de Redução de Riscos. Mediante a integração entre os planos existente e melhores práticas de gestão, a redução de riscos pode ser mantida e melhorada.
- Um apoio financeiro significativo é necessário. Os governos locais devem aproveitar os recursos existentes bem como gerar novos para responde às deficiências na prestação de serviços e na adaptação da infraestrutura básica.
Que podemos fazer?
Énecessário fazer algo antes que o sistema colapse sendo importante a identificação e intervençãonas áreas comprometidas.
Devemos recorrer igualmente às equipes técnicas, às lideranças econômicas e àeficiência dagestão local.
As obras de contenção de águas, os programas de habitação sustentável, abastecimento de água esaneamento, programas de saúde, preservação de áreas naturais, prevenção de epidemias etc., devem surgir desde os governos locais até se transformarem em políticas públicas e, se possível imediatamente, em políticas de estado implementadas.
Sem prever o que está por vir, se produzirá hecatombes urbanas, por descaso, ineficácia e corrupção por parte daqueles que tomam as decisões.
Um milhão de pessoas se somarãoà cifra de pobres da Cidade do México, pelo impacto econômico que causarão as mudanças climáticas nos habitantes da metrópole durante os próximos cem anos.
Para evitar que este milhão de pessoas viva em condições de pobreza, será necessário que governo e cidadãos apliquem ações de adaptação, tanto ambientais quanto socioeconômicas e, inclusive, se deve melhorar a infraestrutura.
Sem a realização das ações de adaptação, os custos acumulados durante este século poderiam representar para o país um prejuízo equivalente ao total do Produto Interno Bruto (PIB) atual da cidade, lembrando que o PIB do Distrito Federal do México representa aproximadamente 20% do PIB nacional.
Simultaneamente, o desenvolvimento de tecnologias e infraestruturas também será necessário para minimizar os impactos sobre os meios de subsistência das comunidades rurais. O fortalecimento e a capacitação das comunidades isoladas será um fator fundamental para promover a adaptação e assegurar sua continuidade.
As medidas de adaptação tomadas servirão para fortalecer as comunidades gerando progresso em áreas tais como governança, recursos humanos, estrutura institucional, recursos econômicos e manejo de recursos naturais. Estas medidas preparam os países, comunidades e cidades a todo tipo de impactos, dentre os quais, os provocados pelas mudanças climáticas.
Propostas:
- Advogar pelo Direito à Cidade para todos habitantes sem exceção, ou seja, acesso a água e saneamento, serviços variados e equipamentos comunitários (saúde, educação, lazer, esporte, áreas verdes, etc.).
- Identificar os assentamentos precários localizados em zonas de risco ambiental e tomar medidas necessárias para atenuá-lo ou realocar o assentamento.
- Desenvolver uma rede de Cidades Intermediárias, a fim de absorver a massa populacional carente com dignidade.
- Implementar medidas para a Gestão de Risco e Defesa Civil, para corrigir os efeitos indesejáveis de potenciais desastres naturais.
- Gerar políticas públicas migratórias e habitacionais, que contemplem medidas relacionadas com a moradia e a qualidade de vida dignas.
- Levar a cidade aos bairros: saúde, educação, lazer e serviços implantados em assentamentos seguros.
Por Graciela Mariani, arquiteta e urbanista fundadora do blog Nuestras Ciudades. Via Plataforma Urbana. Tradução Archdaily Brasil.
Publicado originalmente em laciudadviva.org