Muito se tem falado no âmbito de desenvolvimento urbano a nível internacional sobre a experiência do Rio de Janeiro, as intervenção em favelas e os projetos urbanos em andamento. Mas se observarmos com maior detalhe as transformações ocorrendo na cidade, podemos ver que sua dinâmica urbana não está livre de tensões e contradições. Não se engane, nem tudo é alegria e samba, o debate urbano no Rio está quente.
Nos últimos anos foram feitas melhorias consideráveis de infraestrutura e inserção de programas sociais que melhoraram as condições de vida dos moradores mais pobres, especialmente nas favelas com maior projeção turística localizadas na zona sul da cidade.
No entanto, é importante entender esta ação nas comunidades mais vulneráveis dentro do projeto de cidade que está sendo construído. O Rio de Janeiro está sendo atravessado pelos megaprojetos, produto da Copa do Mundo (2014) e principalmente dos Jogos Olímpicos (2016), que buscam projetar o Rio como cidade global voltada ao turismo de alto nível e às intervenções internacionais.
A cidade se encontra submetida a grandes mudanças, tais como a reforma do setor portuário (Porto Maravilha), o estádio Maracanã, extensão de linhas do metrô, a criação de sistema de transporte rápido (BRT), construção de Vilas Olímpicas, novo Sambódromo, entre uma grande lista de iniciativas. Mas junto a estas intervenções, os megaeventos a serem realizados na cidade têm servido como justificativa para ações que vão desde a erradicação de moradores em áreas de interesse imobiliário, passando pela intervenção militar nas favelas, até privatizações na gestão da saúde e da educação municipal. As autoridades estão convencidas a mudar a face da chamada “Cidade Maravilhosa” às custas de uma ação estatal que favoreça a obtenção de grandes lucros na cidade, ao invés de proporcionar benefícios parciais à população pobre.
Dentre estas transformações urbanas, vale mencionar a experiência da Vila Autódromo. Constituída como comunidade em 1897, localiza-se na zona Oeste do Rio de Janeiro, em um dos pontos que mais sofre intervenção dentro do projeto de Cidade Olímpica. Atualmente lá residem 450 famílias, que seriam erradicadas pela proposta oficial do Estado de intervenção na área. Esta experiência tem vários aspectos interessantes a serem levados em conta.
Por um lado, se trata de um movimento onde os moradores se organizaram e resistiram às constantes investidas do poder público para sua realocação, que vieram sob diversos argumentos. A princípio, no ano de 1992, foi defendida pelo “dano estético e ambiental” que a comunidade causava a seu entorno. Posteriormente, argumentaram-se motivos de segurança da cidade (sendo que a Vila Autódromo apresenta índices de criminalidade abaixo da média da cidade) e, finalmente, a nova justificativa é que se localiza em uma área de risco de possíveis desastres sócio naturais, e por se situar em uma área de interesse público para a realização dos Jogos Olímpicos Rio 2016.
Por outro lado, um aspecto muito interessante desta experiência é que a Vila Autódromo não só resistiu às remoções (erradicações), mas também gerou uma proposta alternativa à pretendida pelo governo. Isto é digno de se destacar, e com o apoio de dois grupos de pesquisa de duas das principais universidades públicas da cidade (Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal Fluminense), moradores e profissionais (arquitetos, cientistas sociais e economistas) trabalharam na elaboração do Plano Popular da Vila Autódromo, que tem como objetivo mostrar, tecnicamente, que é possível urbanizar a Vila Autódromo e integrá-la á cidade. Isso é um claro grito de atenção sobre a função da Universidade pública de assessorar os setores cujos interesses são subordinados e postergados na produção das cidades.
Foi um trabalho árduo, que envolveu a realização de um cadastro junto aos habitantes que vivem na comunidade, a organização de grupos de trabalho temáticos, várias assembleias para ratificar o andamento do Plano (e para validar o Plano definitivo) e a formação de um Conselho que levará adiante os esforços do Plano. Dessa forma, o Plano Popular é resultado e expressão da luta dos moradores da Vila Autódromo. São os moradores que decidem sobre os objetivos, programas, projetos, alternativas e prioridades.
O Plano Popular da Vila Autódromo não só tem a vantagem de ser desenhado junto aos moradores frente à imposição pretendida pelo poder público, mas implica que das 450 famílias que a proposta do governo quer remover, apenas 85 seriam reassentadas dentro da comunidade. Junto a isso, a possibilidade de que os habitantes possam escolher coletivamente o tipo de habitação (1,2 ou 3 quartos) que corresponde a cada família reassentada. Inclusive, se compararmos as propostas a partir da ótica da rentabilidade social e econômica (retificada pela tecnocracia urbana), o projeto levantado pelos moradores tem um custo aproximado de 6,4 milhões de dólares, frente aos 17,9 milhões estimados pela proposta oficial (que contempla a compra de um novo terreno e a construção de 450 moradias).
Em conclusão, a experiência da Vila Autódromo representa uma nova forma de planificar a cidade do Rio. Não se trata só da defesa deste assentamento e de seus moradores em particular, mas definitivamente o que está sendo disputado é o direito à cidade que têm todos os habitantes do Rio de Janeiro, o que implica que os benefícios das inversões que se fazem no Rio fomentem a igualdade do uso do espaço urbano.
Mais informações sobre o Plano Popular Vila Autódromo neste link.
* Agradecemos às pesquisadoras do Núcleo NEPHU da Universidade Federal Fluminense pelo material compartilhado.
Por Alexander Panez Pinto. Trabalhador Social. Mestre© em Urbanismo, Universidade do Chile. Via Plataforma Urbana. Tradução Archdaily Brasil