O congestionamento é, sem dúvida, um dos problemas que mais afetam a qualidade de vida dos habitantes das grandes cidades. Em Santiago, Chile, é um motivo de preocupação permanente e desencadeou iniciativas tais como restrições de veículos (pensada, a princípio, para reduzir a poluição) e tarifações. Também é o gatilho para grandes investimentos em infraestrutura, sobretudo as estradas urbanas.
Os cidadãos vêm tornando-se conscientes da necessidade de adotar iniciativas que tornem as ruas mais habitáveis. O uso em larga escala da bicicleta é um exemplo, assim como o aumento de motocicletas e scooters.
Evitar o colapso
Todas essas ações são apenas atenuantes. A cada ano aumenta o número de veículos que circulam nas cidades do Chile, com uma tendência que se explica pelo crescimento econômico, com a consequente prosperidade de uma grande parte da população, que sente o desejo de adquirir um automóvel, com a agravante de que o transporte público é visto com maus olhos, devido à sua infraestrutura e sistema inadequados.
Ainda assim, as cidades chilenas estão longe de entrar em colapso como as vizinhas Cidade do México, São Paulo e Bogotá. No caso de Santiago, a cidade se torna uma loucura em horários de pico, mas fora estes, continua a ser uma cidade transitável com tempos de trajetos aceitáveis... por enquanto.
Na Europa e nos Estados Unidos as pessoas têm impulsionado outra iniciativa ainda muito embrionária no Chile, mas na qual se pode depositar grandes esperanças. É o “carpooling” ou, em outras palavras, um sistema de caronas. É uma iniciativa com mais de 40 anos de história em alguns países, em que uma comunidade organizada, com base em vários meios de comunicação, permite a conexão entre usuários que compartilham o interesse em reduzir o número de veículos nas ruas.
O Carpooling nasceu nos quadros de avisos das fábricas na Alemanha. Logo a difusão se aproveitou da massificação da internet e nasceram diversos portais, que hoje continuam a ser o principal meio de propagação, especialmente na Alemanha e na Califórnia. Mas a tecnologia móvel avançada permite, através da geolocalização, conectar em tempo real motoristas e pedestres (ou motoristas que optam por deixar o carro em casa), que têm um caminho comum.
Existem dois dados que mostram o potencial que pode ter o carpooling na capital chilena. Por um lado, com taxas de adoção de mais de 200% ao ano (de acordo com a GSMA América Latina), estima-se que em breve todos os usuários de telefones celulares no país terão um smartphone, e, por outro lado, de acordo com a informação disponível na Sectra, a taxa de ocupação dos veículos em Santiago é de apenas 1,3 passageiros por veículo, o que demonstra um uso ineficiente dos carros.
Está claro que, atualmente, o transporte público não é uma resposta para estes usuários de telefonia móvel e os motoristas, que dificilmente abdicariam do conforto de seus carros enquanto exista um serviço de transporte coletivo deficiente como o atual.
Neste sentido, as políticas de transporte deveriam partir da realidade inegável de que os automóveis vieram para ficar. Com isto em mente, deveriam ser criados incentivos para que as pessoas deixem seus carros em casa e façam uso do carpooling em seus deslocamentos diários.
Exemplos no mundo
Na Califórnia, na cidade de San Francisco, as autoridades de transporte definiram faixas exclusivas para automóveis compartilhados e tarifas reduzidas em algumas pontes que ligam a baía com os subúrbios. Na área de Oakland- Berkeley foram implementados pontos de encontro onde os passageiros podem esperar os veículos que vão ao centro da cidade, que podem então usar as faixas exclusivas já mencionadas nas pontes que ligam a cidade com desses bairros, economizando preciosos minutos de deslocamento (curiosamente, uma boa parte dos usuários do sistema são os condutores de automóveis de luxo, que não fazem o uso deste sistema por razões econômicas, mas pelo tempo).
Em Santiago poderiam ser implementadas soluções semelhantes, fazendo do intercâmbio modal entre veículos particulares e públicos parte da política pública. As autoridades têm muito a dizer sobre tais iniciativas. Pode-se pensar em taxas de estacionamento e descontos em pedágios urbanos, vias exclusivas, rodovias, vias expressas em estradas urbanas, ou mesmo estacionamentos exclusivos para o intercâmbio modal nas estações de metrô.
Hoje, quantas estações de metrô têm estacionamentos conectados ou espaços nos arredores para o desembarque de passageiros? Quantas viagens curtas poderiam ser resolvidas com políticas que promovessem as caronas?
As idéias expressas apontam para um uso inteligente da infraestrutura urbana disponível, considerando-se, por exemplo, que hoje as faixas reservadas ao ônibus Transantiago são muitas vezes subutilizadas, enquanto enormes filas de automóveis formam-se nas outras faixas.
A experiência, adquirida após analisar muitos sistemas de carpooling ao redor do mundo, leva a crer que esta ideia pode ser de grande validade... As plataformas online e os aplicativos para smartphone são, também, preciosos neste panorama. Entretanto, o mais relevante é uma comunidade organizada que percebe os benefícios trazidos por estas ferramentas, e que saiba aproveitá-los proativamente, de forma correta.
A contribuição da tecnologia
Em todo caso, mais que a cultura cívica e dos motoristas, o desafio enfrentado por Santiago é a ausência de uma autoridade de transporte que lance medidas criativas, como as mencionadas. A Sectra é apresentada como um corpo que promove modelos e alternativas, já o ministério correspondente, por sua vez, assume um papel puramente de fiscalização. Falta, portanto, uma organização que promove soluções como os as caronas compartilhadas e outras que ajudem a descongestionar e reduzir os níveis de poluição.
Outro exemplo de como a comunidade pode tomar a iniciativa é o Ridematch.me, um aplicativo pensado para apoiar e difundir o carpooling no mundo, tomando partido da geolocalização fornecida pelos smartphones.
O Ridematch.me permite saber em tempo real quais motoristas podem atender às necessidades de transporte de uma pessoa e fazer um pedido para levá-la em seu veículo. É fácil de usar, basta inserir o local de partida e de chegada (no mapa ou digitando o endereço), identificar se você é um passageiro ou motorista, e a hora de partida da viagem. Com esses dados o aplicativo associa os usuários e mostra os trajetos disponíveis.
O aplicativo é gratuito e está disponível para as plataformas iPhone e Android, no iTunes e Google Play.
Felizmente, a tecnologia está aí para ajudar a comunidade a ter mais e melhores ferramentas para lidar com seus problemas, enquanto as autoridades tomam as iniciativas para resolver os problemas mais profundos. Algo que pouco se vê.
Entretanto, a economia chilena continua a crescer e os transportes públicos não são uma solução real, em tempo e qualidade, fazendo com que seus cidadãos prefiram ao automóvel.
Por Fernando Reyes Torres, co-fundador e Ximena Chávez, jornalista do Ridematch.me. Via Plataforma Urbana. Tradução Maria Julia Martins, ArchDaily Brasil.