Em visita à Florianópolis para o evento Fronteiras do Pensamento, Enrique Peñalosa apresentou uma palestra sobre um tema de sua especialidade: mobilidade urbana. Questão recorrente nos últimos anos em qualquer discussão sobre planejamento urbano e cidades, o assunto é visto, por Peñalosa, não apenas como uma questão de tráfego, mas de política, democracia e dignidade humana.
Em sua visita à Florianópolis - capital com o maior IDH do Brasil, mas com profundos problemas de mobilidade urbana – o ex-prefeito de Bogotá apontou e criticou muitos dos aspectos de como a capital catarinense trata o assunto da mobilidade e, por conseqüência, seus cidadãos.
"Isso é um desrespeito à dignidade humana", disse ao mostrar a fotografia de uma rodovia de cujo poste de iluminação pendia uma bicicleta pintada inteiramente de branca – sinal de que ali havia morrido um ciclista.
Entretanto, muito além de criticar, o ex-prefeito mostrou, com base em sua experiência na capital colombiana, alternativas de como melhorar a situação da cidade, dando especial atenção aos pedestres e às calçadas, espaço por excelência das vivências urbanas.
A seguir setes estratégias para qualificar a cidade:
1 — Ciclovias
Há 15 anos foram construídos em Bogotá mais de 350 km de ciclovia protegidas. Foram feitos também 70 km de rodovias só para bicicletas. Tudo isso em três anos. Fazer essa extensão de ciclovias não é um problema econômico. É um problema político. Foi gasto muito para fazer, mas pode ser feito quase sem gastos, simplesmente colocando obstáculos físicos. Pode-se eliminar estacionamentos e fazer ciclovias protegidas. É importante que estas sejam largas e acompanhem as vias principais.
2 — Transporte público
Em Bogotá foi proposto um transporte coletivo nos moldes do sistema de Curitiba, com faixas exclusivas para ônibus e estações que mobilizam mais passageiros hora/sentido que 95% dos metrôs do mundo. O nome é Transmilênio, uma estratégia para afastar a imagem do ônibus como transporte para pessoas pobres. O ideal, no futuro, para o mundo inteiro, é se cobrar mais pelo uso do carro, em combustíveis, em pedágios ou estacionamentos. Com esses recursos pode-se oferecer um transporte público melhor e mais barato à população.
3 — Calçadas
Em praticamente todas as ruas do mundo, as calçadas são ridículas. Basta observar os carros em cima das calçadas. Se houver calçadas mais amplas, ciclovias protegidas, as cidades serão muito mais humanas. O que difere hoje as cidades avançadas das atrasadas não são as rodovias, mas a qualidade das calçadas.
4 — Crescimento da cidade
A cidade não pode crescer desordenadamente. Deve-se tratar os lugares que têm mais densidade com a construção de parques, com melhores espaços públicos. Florianópolis, por exemplo, terá, provavelmente, o triplo de área construída em 50 anos, mas temos que saber claramente onde queremos que ocorra este crescimento.
5 — Restrição a automóveis
O que foi feito nos últimos 90 anos é um desastre. Foi feito muito mais para a mobilidade dos carros do que para os humanos. E, mesmo assim, não funciona para a mobilidade dos carros. Para solucionar a mobilidade urbana de Florianópolis, e de muitas outras cidades,vejo que não há nenhuma outra solução a não ser ônibus com faixas exclusivas. Isso não solucionará os engarrafamentos. Eles só se resolvem restringindo o uso do automóvel. Como? Com uso do carro apenas em certas áreas da cidade, cobrando pedágios, com o rodízio, por exemplo.
6 — Parques à beira-mar
O ideal era que nas vias que contornam as margens d’água não circulassem carros. Seria melhor enterrar as avenidas e implantar um parque na superfície. No futuro, certamente, isso vai acontecer. Madri nos últimos anos enterrou sete quilômetros de rodovias junto a um pequeno rio para fazer um parque. Vejo que os espaços em frente ao mar, para pedestres e ciclovias, são muito aproveitados pelas pessoas. Os outdoors deveriam ser retirados, como ocorreu em São Paulo.
7 — Rodovias transformadas em avenidas
Estas grandes rodovias que atravessam as cidade são como rios venenosos. Seria muito melhor se fossem avenidas. Qual é a diferença? Avenidas têm semáforo, tem edificações aos lados, comércio. Há vida, pessoas, em torno das avenidas, o que não ocorre com as rodovias.
Estas estratégias, como disse Peñalosa, representam muito mais uma movimentação política que ações arquitetônicas e de planejamento urbano. Percebe-se que é essencial haver o interesse político em devolver o espaço da cidade às pessoas para que iniciativas como estas se materializem. O que aconteceu em Bogotá foi fruto de intensos atritos políticos, pois estas estratégias de (re)humanização interferiam, sem dúvida, nos interesses econômicos de poucos. Contudo, observando os exemplos da Colômbia, fica a esperança de que também aqui no Brasil os espaços públicos da cidade possam novamente ser o lugar das pessoas.
Referência: mobilize.org.br