"Modos de Atravessar" : Exposição: O asfalto e a Areia

A exposição “O Asfalto e a Areia” relaciona a produção de importantes artistas e arquitetos brasileiros na virada dos anos 1960 para os 1970, em torno da promulgação do AI-5. São eles: Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Lina Bo Bardi, Hélio Oiticica e Cildo Meireles. Os elementos do asfalto e da areia, presentes nos diversos trabalhos, encarnam a imagem metafórica das duas principais áreas coletivas no Brasil: a rua e a praia.

Sobre Modos de Atravessar

Na segunda metade dos anos 1960, quando a ditadura militar se instalou no Brasil, as obras de certos arquitetos e artistas atingiram um ponto de radicalidade máxima, tensionando as fronteiras entre a dimensão privada e o mundo público: casas de concreto, com rampas e sem janelas, concebidas como se fossem espaços urbanos; instalações artísticas feitas de tecido, pisos de areia, brita ou água, pensadas para se viver de forma subjetiva em espaço coletivo. Urbanizar a vida doméstica ou subjetivar a esfera pública? Contrapor-se aos segredos e caprichos da intimidade, procurando superar o ethos burguês, ou expor a vida privada, fazendo do lazer improdutivo uma forma agressiva de liberdade?

Por trás dessa aparente contraposição entre as obras de arquitetos e artistas pulsa também uma dialética material: o asfalto e a areia, que aludem à rua e à praia. “Por baixo do calçamento, a praia”, dizia um dos lemas situacionistas do Maio de 1968. Paulo Mendes da Rocha, contudo, usou exatamente o asfalto para construir as colinas artificiais do Pavilhão do Brasil em Osaka, figurando a seu modo aquilo que Hélio Oiticica chamou de “mundo playground”. Areia e asfalto, assim como concreto e terra, são diferentes estados da matéria contínua e indistinta, que marca muito particularmente a experiência brasileira – continuidade e indistinção que, entre outras coisas, também desenham os constantes atravessamentos entre o público e o privado no país.

Lina Bo Bardi usou os escombros do bairro do Bixiga para construir um cenário que era toda noite destruído pelos atores do Teatro Oficina em um ritual de demolição que só findava com a descoberta da terra existente por baixo das placas de piso. Oiticica recolheu entulhos de asfalto da Avenida Presidente Vargas – em referência ao samba soterrado pelo asfalto – e descreveu o impacto transformador de sua experiência no Morro da Mangueira como a sensação de voltar a pisar na terra.

Cildo Meireles exteriorizou os labirintos de Hélio, que se transformaram em uma sequência incômoda de interdições em Através. Carimbando notas de dinheiro e adesivando garrafas de Coca-Cola, o artista reflete sobre a ausência do espaço público como lugar de significação da arte no Brasil, substituído pelo circuito do consumo. Afinal, não são as casas urbanas de Artigas e Paulo expressões agônicas de um tour de force radical em um país no qual a esfera pública sempre falta?

Participantes:
Cildo Meireles, Rio de Janeiro, Brasil
Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, Brasil
Lina Bo Bardi, Roma, Itália/Brasil
Paulo Mendes da Rocha, Vitória, Brasil
Vilanova Artigas, Curitiba, Brasil
Estúdio Zut, Depoimentos de Paulo Mendes da Rocha e Zé Celso Martinez Correa (videos), São Paulo, Brasil
Fernando Frank Cabral e Eduardo de Jesus Rodrigues, Vilanova Artigas (video), São Paulo, Brasil
Flávio Império, Pequena Ilha da Sicília (video), São Paulo, Brasil
Gustavo Moura, Cildo e Casa no Butantã (videos), São Paulo, Brasil
Marcos Bonisson, Heliophonia (video), Rio de Janeiro, Brasil

Modos de Atravessar
Avenida Paulista, 1578
(Metrô Trianon-Masp – Linha Verde)


Sobre este autor
Cita: Joanna Helm. ""Modos de Atravessar" : Exposição: O asfalto e a Areia " 12 Nov 2013. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-152660/modos-de-atravessar-exposicao-o-asfalto-e-a-areia> ISSN 0719-8906

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