Perspectivas sobre Buenos Aires: uma aproximação ao modelo morfológico

A cidade de Buenos Aires passa por um processo de revisão de sua legislação, tanto urbana quanto de edificações, devido a situações de colapso estrutural que algumas construções apresentaram nos últimos anos. A partir desta perspectiva é necessário trazer elementos que contribuam para configurar um novo status administrativo na gestão da cidade que, além da reformulação do corpo normativo, defina novos mecanismos de apresentação, revisão, aprovação, controle e registro da realidade construída. Assim, este estudo proposto pretende ser um insumo básico para a definição de novas regras.

Fazer uma revisão da legislação é imprescindível - já que a atual está desatualizada em relação a sua capacidade de regulamentação, controle e prevenção de acidentes na cidade - assim como gerar mecanismos que facilitem sua aplicação. Uma das principais causas que impedem ou desencorajam a fiscalização em termos de segurança é a existência de uma grande disparidade da realidade construída e realidade burocrática, ambas indispensáveis mas atualmente em atrito. É relevante, então, oferecer caminhos ágeis e transparentes que busquem conciliar o sistema de administração com as lógicas de produção da cidade.

Em termos gerais, com o propósito de colocar em manifesto modelos, processos, mecanismos e instrumentos que orientem e fomentem o desenvolvimento, e contribuir na tomada de decisões, proporcionando ferramentas para a problemática abordada, Buenos Aires deve gerar propostas que contribuam na configuração de um novo status administrativo na gestão da cidade, assim como de sua reprodução contínua, com mecanismos que garantam o cumprimento das propostas apresentadas.

Um novo status normativo

Os códigos de ordenamento urbano são expressão e instrumento normativo das diretrizes urbanas elaboradas para orientar o crescimento, a densificação e o desenvolvimento das cidades. Do ponto de vista da prática legislativa, é possível encontrar municípios com códigos urbanísticos fortemente estruturados e sintetizados na forma de um resumo, e outros que trabalham com um amplo menu de decretos diferentes, às vezes caóticos em questões específicas e setoriais, com regras obsoletas e com grande número de alterações e exceções.

O objetivo de um código urbano é garantir que o desenvolvimento das zonas urbanas ocorra em harmonia com as necessidades da conveniência e o bem estar da população que vive nelas. Sustenta-se em normas regulamentárias que definem toda atividade de construção, contemplando as necessidades a satisfazer os habitantes da cidade, no que diz respeito a habitar, trabalhar, recrear e circular. Trata-se de uma peça normativa necessária para a colocação em prática de tudo referente à configuração da estrutura urbana e ao controle dos usos e a ocupação do solo.

O código vigente hoje em dia na cidade de Buenos Aires apresenta sérios desalinhamentos, erros e anacronismos que impedem o desempenho e a implementação de vários projetos urbanos, implantação de tipologias de construção, a ações sobre o mercado de terras. Também está sujeito gerar compreensões equivocadas ao lidar com questões que vão além da morfologia e têm a ver com questões sócio-urbanas. Diante disso, a revisão de suas aplicações fornece um novo paradigma para o crescimento futuro, em consonância com as diretrizes do Plano Urbano Ambiental, recentemente aprovado.

Algumas características importantes

Além das diferenças significativas com Buenos Aires, tanto nos aspectos construtivos da cidade como nos aspectos históricos e culturais que têm incidido sobre a morfologia urbana, no caso de Londres (Inglaterra), por exemplo, o código urbano se adaptou às novas demandas urbanísticas. Contém estratégias de desenvolvimento espacial, identifica áreas de oportunidade dentro de sua área jurisdicional e considera os espaços abertos, promovendo um crescimento econômico forte e diversificado e favorecendo a inclusão social e a acessibilidade.

Por outro lado, a legislação urbana de São Paulo (Brasil) se apoia num novo paradigma que privilegia a cidade real, aceitando nela a presença permanente do conflito e tomando a gestão cotidiana como ponto de partida. Começa a partir da ideia de que a cidade é causada por uma multiplicidade de agentes que devem ter a sua ação concertada, gerando um pacto que corresponda ao interesse público da cidade. Pressupõe uma correção permanente para ajustes ou adaptações, que mantenha um acompanhamento da dinâmica da produção e reprodução da cidade.

Em Buenos Aires, os códigos urbanos prestam pouca atenção para a cidade existente, por considerar que esta tem deficiências corrigíveis apenas com a sua renovação quase completa. Sobre este ponto, o Plano Regulador Metropolitano de Santiago (Chile) consegue coletar a diversidade das diferentes paisagens urbanas atuais e, a partir disso, redefinir tanto os limites das zonas existentes como proteger as áreas de maior valor patrimonial.

Em Madri (Espanha), o tratamento do tecido urbano e das zonas periféricas apresenta medidas de proteção rigorosas do patrimônio histórico, a partir de obras de restauro, conservação, consolidação e reabilitação. E Xangai (China), por sua vez, aponta para um quadro normativo capaz de fornecer rápidas soluções prospectivas para as fortes pressões demográficas, principalmente causadas por migrações rurais. Esta legislação também promove o desenvolvimento de novas cidades-satélites como parte de uma estratégia de descentralização e densificação de escala metropolitana.

Estratégias normativas em debate

A partir da contribuição dos casos considerados, surgem algumas orientações estratégicas que podem alimentar o debate frente a um novo quadro legislativo para Buenos Aires:

  • Identificar áreas de oportunidade consolidadas, em transição e degradadas, e estabelecer prioridades e formas de atuação.
  • Demarcar áreas em zonas centrais onde apenas podem ser implantados conjuntos de habitação de interesse social.
  • Diferenciar áreas de interesse metropolitano e áreas intersticiais de resolução local, que podem ser regulamentadas com participação das comunidades.
  • Determinar uma capacidade construtiva básica universal e leiloar o restante entre as áreas urbanas e as condições ambientais em crescimento.
  •  Estabelecer uma unidade morfológica para diferentes áreas da cidade, independentemente da distribuição da quadra.
  •  Definir tipos de tecido e de relação entre o parcelamento do solo e da tipologia, e prever características de desenvolvimento urbano adequadas a cada situação.
  • Concretizar mecanismos de intervenção sobre a renda urbana do solo, assim como o coeficiente de aproveitamento básico.
  •  Diferenciar as tipologias de habitação padrão, de luxo e social, de modo que as de luxo possam subsidiar as habitações sociais.
  •  Obrigar a construção de habitações subsidiadas (de interesse social) ao permitir a construção de habitação de luxo ou outros empreendimentos.
  •  Desenvolver ferramentas que incentivem a requalificação dos bairros, preservando-os como referência para sua população.

Assim, o olhar voltado para o conjunto das cidades em termos de zoneamento em áreas centrais e periféricas, de tipologias e usos dominantes, de habitação e inclusão social, de patrimônio histórico e qualificação urbana, fornece contribuições interessantes para o debate frente à revisão e atualização da legislação urbana que Buenos Aires necessariamente deve enfrentar.

Por Guillermo Tella, via Plataforma Urbana. Tradução Gabriel Pedrotti, ArchDaily Brasil.


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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Perspectivas sobre Buenos Aires: uma aproximação ao modelo morfológico" 11 Dez 2013. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-159700/perspectivas-sobre-buenos-aires-uma-aproximacao-ao-modelo-morfologico> ISSN 0719-8906

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