Shoppings centers como locais de confronto: os rolezinhos

Este artigo foi escrito por Paula Ramón e Taylor Barnes e publicado originalmente no The New York Times com o título “Brazil’s Latest Clash With Its Urban Youth Takes Place at the Mall”

As imagens foram têm sido tão agressivas às elites brasileiras que a Presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião com os principais assessores para elaborar uma resposta, enquanto que os proprietários de alguns shoppings centers obtiveram liminares judiciais para fechar suas portas: milhares de adolescentes e jovens, majoritariamente de periferias urbanas e organizados através de redes sociais, em passeios estridentes por alguns shoppings.

Chamados de “rolezinhos”, os turbulentos encontros podem ter passado a linha de simples flash mobs, tocando em questões ligadas ao espaço público e direitos em uma sociedade na qual os padrões de vida dos mais pobres de certa forma melhoraram e onde as classes sociais estão em constante fluxo.

“Por que não nos deixam entrar nos shoppings?” questiona Plínio Diniz, 17, um estudante do ensino médio que participou de um rolezinho este mês no Shopping Metrô Itaquera, onde policiais usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar a multidão de 3 mil jovens. “Temos o direito de nos divertir, mas a polícia foi longe demais.”

Desencorajadas pelos protestos de rua que agitaram muitas cidades ano passado, as autoridades estão sendo cuidadosas em avaliar os meios de reagir aos encontros, que começaram a aumentar em tamanho e intensidade desde dezembro do ano passado. Conscientes de que os protestos se multiplicaram após a dura resposta policial em junho passado, as autoridades federais advertiram a não usar força para expulsar os jovens dos shoppings.

© Yasuyoshi Chiba / Agence France-Presse — Getty Images

“Não acho que a repressão seja o melhor caminho a se seguir, pois tudo feito por esse caminho é como jogar gasolina no fogo,” comentou Gilberto carvalho, Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência.  

Com medo de, digamos, vandalismo e furtos, a polícia, entretanto, relatou um número muito pequeno de apreensões relacionadas aos rolezinhos. Contudo, as forças policiais do estado de São Paulo não parecem estar em clima de descanso, e, inclusive, alguns shoppings de alto padrão obtiveram liminares judiciais permitindo que seus seguranças barrem os participantes dos encontros.

Por envolver um grande número de jovens negros, estes movimentos levantam o assunto da discriminação racial, bem como persistente questão dos shoppings centers serem espaços tão cobiçados de interação social em São Paulo e em outras cidades brasileiras, onde parques são muito escassos e desconectados dos centros urbanos. “Crianças de classes mais pobres têm sido segregadas dos espaços públicos, e agora estão desafiando as regras não escritas”, disse Pablo Ortellado, professor de políticas públicas da Universidade de São Paulo.

Situando os rolezinhos no contexto das mudanças econômicas pelas quais passa a sociedade brasileira, Ortellado aponta que a melhoria dos padrões de vida dos pobres na última década tem abalado as classes mais altas. Um exemplo são os aeroportos sendo freqüentados por viajantes que estão voando pela primeira vez.

“Agora, a presença destes adolescentes em shoppings está chocando alguns porque está sendo feita de maneira organizada e não difusa ” disse.

Os Rolezinhos são geralmente organizados através do Facebook, com cerca de 20 planejados para as próximas semanas em diversas cidades, e frequentemente envolvem subir e descer as escadas rolantes, além de muito barulho, flerte e músicas de funk. Para muitos participantes, embora tenham vindo de áreas urbanas relativamente pobres, os eventos são também uma oportunidade de exibir roupas de marcas caras.

Num ensaio amplamente divulgado sobre os rolezinhos, Leandro Beguoci, editor chefe da F451 Digiral, uma star-up de mídia, alertou contra atribuir um caráter excessivamente politizado aos encontros, apontando que os maiores eventos não aconteceram em regiões de luxo, mas em shoppings relativamente novos em locais menos prósperos de São Paulo.

© Fabio Motta/Estadão

“São crianças de classe C, para quem o consumismo é maravilhoso”, disse Meguoci, referindo-se à classe média brasileira em expansão. “O que eles mais ouvem não são músicas de rap contra o sistema, mas de funk ostentação”, um estilo musical em que os músicos usam grossas correntes de ouro, esbanjam Champagne e dirigem Lamborghinis em seus vídeos.

Outros argumentam que os rolezinhos, embora não explicitamente politizados, abrem caminho para novos meios de protesto nos shoppings. Centenas de participantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, um grupo que promove a ocupação de edifícios abandonados, tentaram organizar seus próprios rolezinhos, mas foram impedidos de entrar nos shoppings pelos seguranças privados.

“Estamos revoltados com a postura preconceituosa de alguns shoppings”, disso Jussara Basso, líder do grupo, do qual alguns membros levantavam cartões de crédito e dinheiro quando foram impedidos de entrar nos shoppings. “Está claro que alguns estabelecimentos não querem clientes pobres e negros”.

© Fabio Motta/Estadão

Tendo em vista que os rolezinhos podem se intensificar e se espalhar por demais cidades, os encontros estão expondo outros sentimentos entre alguns das áreas mais ricas. No rio de Janeiro, em que um rolezinho foi planejado em um shopping do Leblon, a região de orla mais exclusiva da cidade, um juiz impediu o evento, argumentando que seus participantes causariam “perturbação da ordem pública”. O referido shopping, por sua vez, fechou as portas no dia do evento.

Mesmo assim, cerca de cem participantes apareceram em frente ao shopping no Leblon. Gizele Martins, que escreve para um jornal comunitário no Complexo da Maré, uma área de favelas do Rio, disse que fazer isso é “um ato político, para mostrar à sociedade que nós pertencemos a ela, que não estamos em suas margens”.

© Fabio Motta/Estadão

Embora o rolezinho tivesse uma atmosfera de festa, com alguns de seus participantes bebendo cerveja na rua, Gizele e outros foram recebidas com portas fechadas no shopping e insultos de transeuntes que estavam furiosos pelo shopping estar fechado.

Indo além para mostrar o alarde nas elites, Rodrigo Constantino, colunista de da revista Veja, atacou com uma linguagem degradante o que ele chamou de “esquerda caviar” que defende os rolezinhos. “Uma turba de bárbaros invadindo uma propriedade privada para fazer baderna não é protesto ou “rolezinho”, mas invasão, arrastão, delinquência.”, escreveu.

Alguns dos adolescentes que participam dos rolezinhos nos shoppings disseram estar surpresos por seus encontros esbarrarem em tanta resistência. “Só queremos nos divertir”, disse Letícia Gomes, que participou de um rolezinho em São Paulo este mês, quando a polícia apreendeu alguns dos presentes. “Para mim, não é algo político. Eu só vou pra encontrar pessoas.”

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Shoppings centers como locais de confronto: os rolezinhos" 01 Fev 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-173214/shoppings-centers-como-locais-de-confronto-os-rolezinhos> ISSN 0719-8906

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