Hoje nossa dica de Cinema e Arquitetura é o filme Fahrenheit 451, de 1966 dirigido pelo cineasta francês François Truffaut. Entretanto, gostaríamos de homenagear ao escritor, ensaísta, poeta e roteirista, vencedor do prêmio Pulitzer, Ray Bradbury, que faleceu na semana passada aos 91 anos de idade, deixando para trás um legado de best-sellers de ficção científica, incluindo a do nosso filme de hoje e o livro Crônicas Marcianas “The Martian Chronicles”, que transcende gênero e fala sobre nossas reais experiências humanas, entre outros.
Falar do escritor Ray Bradbury, tem tudo a ver com arquitetura. Provavelmente poucos conheçam sua paixão pelo pensamento urbano e o processo de revitalização das cidades americanas. Em 1993, Bradbury escreveu um livro de ensaios intitulado: ” Yestermorrow: Obvious Answers to Impossible Futures, com um pertinente capítulo sobre Planejamento Urbano. Posteriormente, escreveu um artigo intitulado “A Estética da perdição”, elogiando cidades europeias, um texto interessantíssimo, onde Bradbury comenta suas inquietudes: “Quando eu penso sobre os problemas urbanos eu me pergunto: O que é uma cidade? Qual é o mistério da cidade? O que é uma cidade realmente boa? “.
Todas excelentes perguntas. E a resposta?
Bem, a comida.
Bradbury era um engajado defensor das cidades movimentadas (repleta de restaurantes e cafés), onde as pessoas podem sair para comer, socializar, e desfrutar de seu entorno – sem a necessidade de um carro. Em uma entrevista à Rob Couteau, Bradbury fez a seguinte colocação:
“…devolver os pés as pessoas, para devolver-lhes sua liberdade, este deve ser o trabalho das cidades, exceto quando extrapola a sua capacidade de dar abasto, e é aí onde nós, escritores de ficção científica estaremos. [...] Restaurantes são o segredo das cidades. As pessoas querem comer. [...] As pessoas acham que saem para fazer compras, mas, em realidade, elas saem para comer. E uma vez que fazem isso, toda sua alma é purificada. As alterações de ambiente. Por exemplo, andando ao redor de Paris, caramba, você dobra qualquer esquina, e lá há sete restaurantes esperando por você. E pequenas lojas. E milhões de pessoas na rua todas as noites.Comer. ”
Ao fim, na entrevista à Coutreau, Bradbury admite que o seu amor pelas cidades é, na verdade intrinsecamente ligado ao seu amor pela ficção científica:
“Nós amamos ficção científica porque é arquitetônica. Todos os grandes filmes de ficção científica dos últimos vinte anos são arquitetônicos. 2001, quando você vê o foguete voando é uma cidade, é uma cidade grande lá em cima. E, em Contatos Imediatos do Terceiro Grau, quando a nave-mãe desce, não é um navio, é uma cidade. É tão lindo.”
Para Bradbury, Arquitetura em si é uma espécie de ficção científica, que ele descreveu como “a arte do possível, não a arte do impossível.” Ao recordarmos seu legado, devemos recordar suas palavras, e sua infinita imaginação, e quem sabe torna-las realidade em nossas futuras cidades.
Sobre o filme
Fahrenheit 451 é o título de livro de Ray Bradbury na linha de 1984 de George Orwell, e inspirou o diretor François Truffaut a rodar um filme homônimo, único filme seu em inglês.
A historia se passa em um futuro não muito distante, onde uma sociedade totalitária é controlada pela “Família”. As pessoas que vivem nessa sociedade são educadas a desempenharem certas funções sociais, sem se questionar muito sobre o que estão de fato realizando. O sucesso deste estado de obediência e paz social deve-se, especialmente, ao cuidado com a educação. Nas escolas, as crianças aprendem a não-ler e que livros são para se queimar.
Assim, somos apresentados ao dócil Montag (Oskar Werner), um bombeiro que, ao contrário do que o nome de sua profissão possa sugerir, não tem a tarefa de apagar incêndios (uma vez que as casas são todas à prova de fogo, ou ao menos é isso que a “famíla” diz). Os fireman são responsáveis por atear fogo nos livros, e perseguir, prender e executar as pessoas encontradas junto aos livros.
Tudo vai bem com Montag. Ele queima livros, faz seu trabalho, e se sente feliz e normal. Está prestes a ser promovido a capitão. Sua bela esposa vive tranquila e feliz em seu lar, sempre envolvida em seus programas de TV . Entretanto, Montag começa a se inquietar quando é questionado por uma jovem da resistência se ele alguma vez havia lido um dos milhões de livros que queimou.
Montag então começa a ler. E compreende porque a Família sempre havia alertado sobre a periculosidade dos livros: eles propiciam o pensar por si mesmo. E quando você começa questionar as coisas, deixa de ser feliz. Por quê? A sociedade revela-se para Montag como algo horrível.
Ele se dá conta de que é dominado, e que não é um membro da Família, como esta pretendia. Entende que ser um parente desta coisa é algo abominável, e que a felicidade e a paz não são tão felizes e pacíficas como se imaginava. Decide então colaborar com a resistência, e prepara uma estratégia para tentar derrubar a Família e livrar o povo de suas viseiras. No entanto, não vemos no filme o desfecho deste contra-golpe.
— O que faz nas horas de folga, Montag?
— Muita coisa… corto a grama…
— E se fosse proibido?
— Ficaria olhando crescer, senhor.
— Você tem futuro.
Veja o trailer do filme: