O Estado Nacional Argentino anunciou há algumas semanas a sanção do Decreto 902/2012, denominado Programa de Crédito Argentino do Bicentenário para a habitação unifamiliar (Pro-Cre-Ar). Entre suas principais contribuições estão incluídos créditos a taxas de interesse inéditas, mas a contribuição mais interessante é a disposição de terra pública a preços razoáveis. O anúncio indica que “O Estado aportará 1700 hectares de terras fiscais em todo o país, portanto, terá um aproveitamento inteligente de terrenos valiosos do Estado”. O problema da disponibilidade de terras está resolvido, ainda que seja distinto de dizer que está determinada a disponibilidade de solo urbano. O governo facilita o crédito e a terra, mas e a urbanização? Com quais critérios será realizada?
Na atualidade, a maior parte das terras públicas, ao menos a pertencente ao Organismo Nacional de Administração de Bens (ONABE), e ao Ministério da Defesa – este último com os prédios de maior área – se mantém ociosa e subutilizada. No caso dos terrenos militares, historicamente, sua localização era estabelecida de acordo aos requerimentos necessários para a implantação de atividades relacionadas ao treinamento bélico. Posteriormente, os mesmos se viram cercados pelo crescimento da cidade, atuando como enormes barreiras urbanas.
A subutilização destas grandes extensões de terra significa, por um lado, subestimar o princípio fundamental de que “o solo é um produto escasso” e que regula a configuração do território; mas por outro lado, representa uma oportunidade, já que ao tratar de frações da terra estatal inseridas em áreas urbanas, são ótimas para sua utilização como função social.
É por isso que o “Pro-Cre-Ar”, além dos alcances transcendentais que implica em matéria habitacional, introduz seu avanço mais significativo na utilização de terrenos ociosos, mas também, estratégicos para outorga-lhes um uso melhor, de acordo com as necessidades da cidade atual.
O potencial destes terrenos é enorme, não somente porque possuem a vantagem de ser uma terra potencialmente urbana, mas também por serem privilegiadas por sua grande extensão, localização próxima a centros urbanos importantes e diversas infraestruturas. Além de consistir em terras públicas, a intervenção nestes locais não se encontra submetida à regras da especulação imobiliária – onde historicamente o Estado compra o solo do mercado no valor que o mesmo se encarregou de produzir.
É correto dizer que são necessárias outras medidas fundamentais em matéria de política dos solos e financiamento de cidades que facilitem não somente a criação do solo a partir da recuperação de mais-valias, como também o aproveitamento de hectares de áreas construídas do cenário edilício atual. Para ele, é vital que províncias e municípios tomem um papel ativo naquelas questões que são de seu poder, tais como os códigos de Planejamento Urbano ou de zoneamento das cidades, para que uma Lei Nacional como parte do ordenamento territorial como a que planejam Habitar Argentina e COFEPLAN tornem-se altamente relevantes.
O tratamento dos terrenos e áreas ociosas estatais na Argentina foi de um ponto de vista histórico, o correlato do paradigma da época. Durante o séc. XIX, o lugar dos “espaços livres” era o de atuar como elemento facilitador dos objetivos do higienismo positivista, no qual se desejava alcançar um espaço urbano amplo e aberto, permeado por áreas livres. Em Buenos Aires, durante os anos 30, Forestier pensava estes grandes espaços como possíveis componentes de um sistema de áreas verdes, e logo com o Concurso das 20 Ideias, desenvolvido num tempo de dissolução dos fundamentos do urbanismo pós a segunda guerra mundial, o modelo foi o da “Recuperação da Cidade Existente” a partir da utilização de ações obsoletas.
Hoje, apesar do papel ativo do Estado em grandes áreas e de crescimento econômico sustentável produzido nos últimos anos, a situação de emergência habitacional, tratada como “problemas de habitação” sugere a reflexão sobre estes espaços no marco de um sistema muito maior e mais complexo: a cidade.
A mera existência de terra inserida em áreas urbanas não é condição suficiente para implementar soluções adequadas no campo socio-habitacional, é necessário urbanizar a estes espaços de acordo com requerimentos que garantam o direito à cidade e que não repitam as pautas “guetificantes” de outras soluções de habitação. Também é possível pensar em Grandes Intervenções Urbanas (GIU), urbanizações consorciadas ou outras atuações urbanísticas que possam dar sustento, assim como um marco de referência às formas que foram colocadas em nossas habitações. Para o caso do Pro-Cre-Ar, as vantagens das GIU solucionam uma multiplicidade de escalas, tempos, atores e interesses, de referências sociais, e de disciplinas. Portanto, possuem um caráter complexo, tanto institucional como de financiamento, interdependente de seus componentes.
No âmbito mundial existe uma grande quantidade de antecedentes de reconversão de prédios militares orientados a cumprir com uma função social: em Barcelona e Madrid se encontram a maior quantidade de casos, no Panamá foi projetada “La Ciudad Del Saber”, em Paraná, Argentina, foram convertidos cerca de 400 hectares de terras da Defesa – os 100 hectares mais próximos do rio foram destinados à reserva natural, destinada à recreação; e os 300 hectares restantes foram destinados aos usos residencial e associados, o que compreende também a instalação de escritórios públicos e de equipamento social como uma escola secundária, duas faculdades da Uader e um novo hospital -, e em Buenos Aires criou-se no ex-Batalhão 601 de Malvinas Argentinas, uma nova centralidade, a “Nueva Ciudad Malvinas”.
Buenos Aires é uma das províncias que possui a maior parte de sua terra pública bem localizada, se incluir o Campo de Mayo, existem cerca de 6000 hectares de terra militar subutilizada. A Base Aérea de Morón apresenta pequenas intervenções urbanas em todo o seu perímetro, além da criação de uma reserva natural urbana. Portanto, torna-se necessário estudar onde serão localizadas as novas habitações previstas e seus eixos viários, se é que o município pretende seguir conservando a pista de aterrissagem, o mesmo ocorre com a Base Aérea de Moreno.
As vantagens do Pro-Cre-Ar e seu “círculo virtuoso” se potencializam caso sejam introduzidos os critérios a partir dos quais planearam os usos, câmbios alternativos, tramas, infraestruturas e espaços verdes, além das habitações. Estes novos usos deveriam contemplar não somente as características intrínsecas de cada prédio, mas também as formas nas que apresentam seus remates e entorno imediato. Baseado nisso, será possível planejar etapas de atuação com o objetivo de conectividade, provisão de espaços verdes públicos (incluídas as reservas naturais urbanas) e equipamentos coletivos que, desde um ponto de vista físico e funcional, permitam superar as barreiras urbanas que representam os terrenos.
Se estas condições não forem consideradas, ou seja, a situação na qual se inserem com respeito ao resto da cidade e a suas áreas de centralidade, seguiremos pensando em soluções isoladas no marco de um território que já se encontra fragmentado física e socialmente, e não criando uma cidade.
Por Laila Robledo, Lic. em Urbanismo. Buenos Aires. Argentina