Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) realizou, no último dia 14 de dezembro, no Rio de Janeiro, um evento de lançamento da campanha “Niemeyer Sim! Brasília By Cingapura Não!” para mobilizar a sociedade brasileira contra o contrato firmado, sem licitação, pelo Governo do Distrito Federal com uma empresa de Cingapura para planejar Brasília pelos próximos 50 anos.
O manifesto foi apresentado pelo presidente do IAB, Sérgio Magalhães, que destacou a indignação da classe de arquitetos e urbanistas do Brasil contra o planejamento de uma cidade como Brasília por uma empresa que desconhece a cultura nacional.
Para o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Mauricio Azedo, o contrato remete ao colonialismo e prejudica a cultura brasileira. “Esse projeto de sabor colonial reduz a expressão cultural do Brasil em favor de uma empresa cujos méritos precisariam ser justificados para que ela fosse beneficiada com a obtenção do contrato deste porte”, afirmou Mauricio Azedo.
A dispensa de licitação também despertou críticas. O pró-reitor da UFRJ, Pablo Benetti, se declarou indignado em nome da universidade, afirmando a reconhecida capacidade dos profissionais brasileiros, desconsiderada pelo Governo do DF. “Indignação com o procedimento de contratação sem concurso público ou qualquer outro meio de transparência e com o desprezo à nossa arquitetura e engenharia, no sentido de desconhecer a capacidade e a importância que essas formações têm dado para o desenvolvimento nacional”, criticou o pró-reitor.
Segundo João Suplicy, presidente da Federação Pan-Americana de Associações de Arquitetos (FPAA) – entidade representativa de 32 países das três Américas – a realização do projeto por uma empresa de Cingapura é considerada uma invasão cultural. “É inconcebível imaginar que um patrimônio da humanidade como Brasília sofrerá uma invasão de Cingapura. Uma invasão à cultura brasileira com todo esse histórico de arquitetura certamente será muito nociva”, disse.
Para o presidente da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE), Mauro Viegas, a presença de estrangeiros em um projeto deste porte não é o problema, mas sim a condução do plano liderado totalmente por outro país e não por profissionais brasileiros.
O movimento “Niemeyer sim! Brasília By Cingapura Não!” já está tendo também repercussão no campo político. Segundo o presidente do IAB-DF, Paulo Henrique Paranhos, a maior parte do senado já está apoiando a causa e movimentando ações para que a presidência da República intervenha pela interrupção do contrato, mas o encontro desta sexta-feira com representantes de outras entidades fortaleceu ainda mais o manifesto.
“Temos enviado mensagens até a presidência da República, mas com esse grupo nós podemos bater na porta do Palácio do Planalto e pedir uma decisão mais enérgica porque Brasília é um patrimônio cultural da humanidade e o governo federal não pode virar as costas para esse problema”, exaltou o presidente do IAB-DF.
Já o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU), Haroldo Pinheiro, classificou a contratação um caso vergonhoso. “O CAU está preparando uma ação contra esse evento que nos envergonha”, declarou. “Já recebemos delegações de países do Oriente que vieram se informar como a engenharia e arquitetura nacional tinham conseguido em três anos e meio projetar e inaugurar uma capital da República no meio do nada. Agora, dez anos depois, uma parte desse mesmo grupo é contratada como especialista para tratar de uma cidade única no mundo, que foi projetada, realizada e tombada em favor da memória da humanidade”, disse o presidente do CAU.
O manifesto do IAB também levantou discussão sobre o aspecto social do projeto. Segundo a socióloga e professora da PUC-Rio, Maria Alice Rezende de Carvalho, o Governo do DF está desconsiderando a população local. “Estamos aqui fazendo a defesa da democracia e da capacidade de participação da sociedade em seus próprios destinos. A população deve se manifestar porque democraticamente esperamos poder falar sobre como queremos viver nos próximos 50 anos”, afirmou a socióloga.
O Governo do DF assinou o acordo no dia 3 de outubro com o grupo asiático Jurong. Com valor estimado em US$ 4,25 milhões, o contrato prevê a elaboração de um projeto para o desenvolvimento da capital até 2060, denominado “Plano Brasília 2060”.
O IAB considera o contrato um crime de lesa-cultura. Com a campanha “Niemeyer sim! Brasília By Cingapura Não!” pretende ganhar mais força para levar ao Congresso Nacional o manifesto da sociedade contra esta intervenção estrangeira na cidade símbolo da arquitetura brasileira e do legado de Oscar Niemeyer.