No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quinta temporada, Sara conversa com os arquitetos Luís Tavares Pereira e Guiomar Rosa sobre a Casa na Montanha, no Gerês. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: Entre os meus 18 e os 25 anos houve períodos em que fazia pelo menos uma vez por mês trilhos no Gerês e pernoitei algumas vezes nas casas dos guardas [florestais], que agora foram transformadas em alojamento rural. E para mim que vivo na cidade do Porto – como é o vosso caso também – o Gerês sempre foi a possibilidade de refúgio, contacto com a natureza, com o verde, com as cascatas, a floresta, os rios e com os afloramentos rochosos que também são muito característicos do Gerês. Pergunto se antes de começarem a fazer este projecto visitavam frequentemente o Gerês e se essas memórias foram importantes para desenhar a casa. Começava por ti, Guiomar.
Guiomar Rosa: Na verdade, apesar de gostar imenso do Gerês, da paisagem do Gerês, sobretudo no Outono, quando começam todas as folhas [a cair] e começam aqueles tons...
SN: Os amarelos, os vermelhos...
GR: Os vermelhos, amarelos e ainda com os verdes, que é de cortar a respiração, mas na verdade eu não ia muito ao Gerês. Fui, algumas vezes, passar os fins-de-semana, passear durante o dia, cheguei até como mais nova ir ter com os meus pais, mas não era um sítio onde eu fosse frequentemente, até porque não conduzo. Como não conduzo, não tenho carro. E não dá para ir de carreira ou camioneta para lá. É um bocado complicado.
SN: Mas ia adorar fazer os trilhos comigo!
GR: Ah, sim! Adoro caminhar, escalar. Agora já é um bocadinho mais difícil. Tenho umas dores aqui na anca, mas na verdade é que, de facto, [existem] essas memórias dos musgos que vão mudando de cor e chegam até a ser dourados nalgumas épocas do ano, quando começam a secar. Não sei se, de facto, quando estivemos a fazer o projecto essas memórias [influenciaram]... Talvez tenham vindo inconscientemente essas memórias, [mas] não foram cruciais para o desenvolvimento do projecto porque estava lá tudo isto. Não precisávamos...
SN: Não precisavam das memórias.
GR: Estava lá tudo isso, mas obviamente que vieram ao de cima, não é? Quando se estava a fazer o projecto...
SN: E tu, Luís?
Luís Tavares Pereira: Eu acho que isso, de facto, é fundamental. Quer dizer, para mim, o Gerês assemelha-se muito à experiência da serra de Sintra. Eu cresci em Lisboa e só vim para o Porto estudar...
SN: Ah, tinhas um refúgio diferente! (risos)
LTV: Exacto. E passava, de facto, muito tempo da minha juventude em Sintra, quer em festas de aniversário, quer em acampamentos com amigos. Íamos para a serra, propriamente dita, e a condição húmida que a serra de Sintra tem – por causa de ser uma barreira climatérica ali na zona de Cascais – cria um ambiente luxuriante muito verde, onde o granito também é uma referência fundamental e foi sempre uma coisa que me aproximou do Porto. Quer dizer, quando cheguei ao Porto e vi os muros de granito, o musgo, a humidade a escorrer das paredes: isso era uma coisa que, para mim, me era muito familiar, mas a partir da experiência de Sintra.
SN: Que engraçado!
LTV: Exactamente! E quando tu tens um desafio de construir um projecto no meio de um espaço completamente natural... Os nossos clientes andaram muito tempo à procura de um terreno com estas características, onde se pudesse construir. E este estava precisamente no limite da reserva ecológica onde se podia construir. Tinha um acesso péssimo, o que lhe conferia também um isolamento e um resguardo particular. E, portanto, o desafio era um pouco como construir, mantendo esta...
SN: Sim. Como é que se constrói não destruindo esta natureza, não é? Porque os clientes escolheram exactamente esta localização, acho eu, para estar perto da natureza e porque têm um enorme respeito por ela. Vocês, como arquitectos, que [sabem que] construir implica muitas vezes destruir... Como é que se constrói nesse contexto? O que é que vocês fizeram, em termos de arquitectura, para permitir que se pudesse preservar ao máximo?
LTV: A primeira questão é, precisamente, preservar o contacto com o terreno. Nós assistimos com pena... [Existem] muitas situações em que as pessoas têm realmente um terreno inclinado, portanto está aqui não só a condição natural e verdejante das peças que ocupavam o terreno, mas também há a questão do plano, o plano onde a construção se insere. Aqui é fundamental porque o plano é extremamente inclinado. É um plano quase a 45 graus.
SN: Então vocês tiveram de vencer aqui a gravidade também. (risos)
LTV: Sim. (risos) Nós tivemos de partir dos caminhos que existiam, que são os caminhos que vão seguindo as curvas de nível. [Tivemos de ir] procurando e descendo suavemente e encontrar um ponto estratégico no terreno. Ou seja, o ponto mais acima do terreno praticamente junto à chegada, onde havia um pequeno alargamento, onde o caminho se dividia em dois. E a partir daí, aproveitando um bocadinho as curvas de nível, fazer uma ligeira subida para afastar desse espaço aberto que já existia e para posicionar a casa num ponto estratégico, acima da vegetação, digamos assim.
A casa é construída sobre pilotis, que a elevam do terreno. Ela toca ligeiramente na parte traseira, mas mesmo o acesso é feito através de uma pequena ponte e depois tem a ver também com o desenvolvimento do programa interior. [Existe] sempre a ideia da elevação da casa do terreno de modo a que o contacto com o terreno seja mínimo. Ao invés de criar um grande aterro, onde se cria uma grande plataforma, em que a casa pousa depois de uma forma normal, aqui a casa mantém o terreno praticamente intacto e é assente num conjunto de pilotis que não só minimizam o contacto com o terreno, como também a elevam acima das árvores de modo a que a nossa vista a partir da casa, a partir da zona pública seja sobre as árvores para a paisagem. E precisamente do outro lado do rio, onde nós estamos, é que é o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG).
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quarta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Tomás Salgado do ateliê Risco
- Filipa Guerreiro e Tiago Correia
- Teresa Nunes da Ponte
- Pedro Campos Costa
- José Carlos Nunes de Oliveira
- Pedro Bandeira
- Correia/Ragazzi Arquitectos
- Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY
- Diogo Brito do OODA
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.