O urbanista francês Alain Bertaud é conhecido por seu trabalho na análise e no planejamento de sistemas urbanos. É autor de vários livros, incluindo Ordem sem Design: Como os Mercados Moldam as Cidades, cuja versão em português será lançada no dia 11 de abril, em um evento que será realizado a partir das 9h, no Insper. Bertaud vai participar de um painel para discutir os temas abordados em sua obra e outros aspectos relacionados a aglomerados urbanos.
Atualmente, Bertaud é senior fellow no Marron Institute of Urban Management da New York University (NYU). Às vésperas da viagem para o Brasil, o urbanista antecipou alguns pontos que deve explorar em seu bate-papo no Insper. Segundo ele, para melhorar a qualidade de vida nas cidades, é crucial criar indicadores para mensurar o problema a ser resolvido.
No último capítulo de seu livro, Bertaud dá detalhes sobre quatro tipos de indicadores que considera indispensáveis na gestão de projetos de investimento em uma cidade. São eles: insumo, produto, resultado e impacto.
Caso um indicador de impacto mostre que os benefícios previstos não estão sendo atingidos, a estratégia deve ser abandonada e outra deve ser testada. “Com demasiada frequência, estratégias ou políticas de planejamento fracassadas continuam a ser aplicadas, apesar de seu fracasso”, disse Bertaud. “No planejamento urbano, não há nada de errado em tentar uma abordagem que eventualmente falhe; o que é errado é continuar implementando-a quando todos os dados mostram que ela falhou.”
Veja mais na entrevista a seguir, que foi concedida por e-mail a Victor Carvalho Pinto, coordenador do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. A pesquisadora Safira De La Sala colaborou com a tradução do texto.
Victor Carvalho Pinto: Em sua opinião, quais são as principais questões que devemos analisar para melhorar a qualidade de vida em nossas cidades, particularmente no Brasil?
Alain Bertaud: Em todas as cidades modernas, a mobilidade urbana e o acesso à moradia são as questões mais prementes do século 21. Para avançar na solução dessas questões, é crucial criar indicadores quantitativos para mensurar o problema a ser resolvido.
Por exemplo, a distribuição do tempo gasto no deslocamento para o trabalho dentro da área metropolitana e por trabalhadores em bairros específicos seria um indicador importante para a mobilidade.
Um indicador adicional seria o tempo de locomoção por meio de transporte. Para a acessibilidade da moradia, relação aluguel/renda e relação preço/renda para diferentes grupos de renda, e/ou por tipo de emprego. Para isso, são indispensáveis bons mapas de preços dos terrenos no mercado e o monitoramento dos preços de construção.
No mais, cada cidade pode ter problemas mais específicos, como poluição, enchentes, qualidade da água, coleta e disposição de lixo, criminalidade etc. Para toda e cada uma dessas questões, os planejadores devem desenvolver indicadores quantitativos e apontar os valores esperados após a implementação da estratégia.
VCP: A informalidade é um forte indutor da urbanização brasileira. Como devemos abordá-la?
AB: Padrões de desenvolvimento urbano inacessíveis para um segmento populacional causam o crescimento da habitação informal. Os padrões mínimos autorizados por leis são muitas vezes inacessíveis para uma grande parte da população. Quando uma alta porcentagem do estoque habitacional de uma cidade é informal, o município deve considerar três abordagens fundamentais:
1. Como melhorar as áreas informais existentes para que os serviços urbanos essenciais (não os padrões habitacionais) sejam mais similares a outras partes da cidade?
2. Como aumentar a renda das famílias em áreas informais por meio do acesso a empregos disponíveis na região metropolitana, melhorando o transporte.
3. Como oferecer uma alternativa de moradia formal às famílias que de outra forma seriam forçadas a densificar as áreas informais existentes ou ocupar novas áreas.
Para desenvolver essas três abordagens, é necessário ter um bom conhecimento dos mercados formais e informais de habitação. Por exemplo, quais são os preços de aluguel e compra das diferentes unidades habitacionais nos mercados formais e informais?
Também é necessário um bom conhecimento da distribuição da renda em ambos os mercados. Os planejadores também devem monitorar cuidadosamente o número de novas unidades habitacionais construídas anualmente em ambos os mercados.
Um fator crítico para lidar com a habitação informal é considerar uma unidade habitacional não apenas como um abrigo, mas como o ponto de partida para uma viagem diária de ida e volta a um local de trabalho. A informalidade também poderia ser abordada aumentando a velocidade do transporte dos assentamentos informais para todo o mercado de trabalho na área metropolitana.
VCP: A Constituição Federal Brasileira exige que todas as cidades com mais de 20.000 habitantes aprovem um plano diretor. Muitas cidades também aprovam leis de zoneamento, códigos de obras e outros regulamentos e planos urbanos. Qual é a sua opinião sobre essas regulações?
AB: Os planos diretores feitos a cada dez anos não são muito úteis. Uma cidade deve desenvolver uma equipe central de gestão urbana que mantenha e monitore um banco de dados municipal de grande porte atualizado trimestralmente.
Esta base de dados incluiria o crescimento populacional, distribuição de renda das famílias, aluguéis, preços de terrenos, número de unidades habitacionais construídas nos setores formal e informal, área urbanizada, distribuição de custo e tempo de viagens de ida e volta etc.
Os regulamentos atuais (leis de zoneamento, parcelamento e códigos de obra) devem ser auditados e avaliados em função de sua acessibilidade econômica por diferentes grupos de renda definidos no banco de dados municipal.
Mudanças nas leis de zoneamento e outros regulamentos que se revelem inacessíveis ou deficientes devem ser feitas imediatamente, para permitir que todos as famílias encontrem uma casa formal que possam pagar e situada a menos de uma hora de deslocamento para até 90% dos empregos disponíveis na cidade.
Muitos regulamentos de uso do solo são introduzidos sem considerar o preço ou o aluguel resultante dessas normas. Os planos diretores devem promover a extensão da infraestrutura primária, aumentando a oferta de terrenos urbanizáveis antes do crescimento populacional.
VCP: A interdisciplinaridade é um conceito importante para nós do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. Na sua opinião, como o urbanismo, a tecnologia, o direito e a economia podem ser mais bem integrados ao planejamento e à gestão urbana?
AB: A equipe municipal permanente de planejamento deve ser composta por indivíduos que tenham essas habilidades. Os gestores devem tomar a decisão final após todos os profissionais terem dado sua contribuição. Eu também incluiria um avaliador de tributos imobiliários na equipe de revisão e auditoria dos regulamentos urbanísticos.
VCP: Em uma cidade há muitos órgãos públicos envolvidos, cada um com seu próprio mandato e objetivos. Como o planejamento pode coordenar essas políticas setoriais para alcançar um resultado coerente para o desenvolvimento urbano?
AB: Os planejadores não devem substituir as agências setoriais da cidade que fornecem serviços técnicos como água, esgoto, drenagem, transporte etc. Entretanto, os planejadores devem criar e manter uma base de dados geográficos para a distribuição espacial da população por grupos de renda.
O desenho de grandes projetos de engenharia feitos pelas agências setoriais deve usar a mesma base de dados geográficos que será usado para testar o impacto de grandes projetos de infraestrutura em vários grupos socioeconômicos.
A secretaria de planejamento também deveria desenvolver indicadores de projeto que mostrem quanto dinheiro é gasto, por exemplo, em transporte e quem se beneficia ou não. No último capítulo do meu livro, escrevo extensivamente sobre os quatro tipos de indicadores que são indispensáveis para a gestão de projetos de investimento em uma cidade: insumo, produto, resultado e impacto.
Se uma estratégia não atingir os benefícios previstos por um indicador de impacto, deve ser abandonada, e uma nova estratégia deve ser testada. Com demasiada frequência, estratégias ou políticas de planejamento fracassadas continuam a ser aplicadas, apesar de seu fracasso.
No planejamento urbano, não há nada de errado em tentar uma abordagem que eventualmente falhe; o que é errado é continuar implementando-a quando todos os dados mostram que ela falhou.
Medir os resultados e o impacto em relação aos objetivos alvo é a essência de um bom planejamento urbano.
Via Caos Planejado.