No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quinta temporada, Sara conversa com a arquiteta Fátima Fernandes, do escritório Cannatà & Fernandes, sobre a ESAP - Escola Superior Artística do Porto. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: Vou começar este podcast partilhando com os ouvintes que estudei na ESAP - Escola Superior Artística do Porto. A Fátima Fernandes foi minha professora e o sítio onde estagiei Arquitectura foi no atelier Cannatà & Fernandes, por isso este episódio tem um sabor especial. É quase como voltar também às origens. Como vos disse, estudei na Escola Superior Artística do Porto, mas ela entretanto mudou de lugar. E, se calhar, começava por aí: porque é que ela mudou de lugar? E o que fez com que vocês tivessem de construir uma nova escola e num novo sítio?
Fátima Fernandes: Nós estávamos no centro da cidade numa zona que mudou na última década de forma drástica. [Foi] um território muito interessante num determinado período. A escola tinha [vários edifícios] e a Arquitectura estava sobretudo no Largo de São Domingos. Tínhamos depois um conjunto de outros edifícios: um em Belomonte, [na Rua de Belomonte], que era um palácio, um palacete muito interessante que tinha uma relação com o rio incrível. E depois tínhamos outro lá em baixo, na zona da ribeira, onde tínhamos a parte administrativa. A escola vivia não apenas dos edifícios, mas também dos espaços que conectavam da praça, do Largo de São Domingos, da rua...
SN: Sim, expandia-se para esse espaço.
FF: Esse território exterior era tão ou mais importante que o próprio edifício no âmbito pedagógico, não só no curso de Arquitectura, mas também em todos os outros cursos.
Com a transformação da cidade e com a presença de um nível de visitantes turísticos, sobretudo naquela zona, esses lugares ficaram menos confortáveis para nós. Não tínhamos, digamos assim, também nos edifícios condições acústicas e de investimento para continuar a manutenção daquele edifício, portanto houve uma espécie de desconforto na presença. Não é que não éramos amados. Nós próprios também já não nos sentíamos tão confortáveis e íamos ao restaurante, onde antigamente (éramos num certo sentido...) continuávamos a discussão com os alunos com tempo. A partir de uma certa altura, por exemplo, estar no restaurante já era muito complicado. Já estávamos a correr. Não éramos postos de fora, mas já não estávamos tão confortáveis no tempo de que nós precisávamos para essa relação com a urbanidade. Ao mesmo tempo, os edifícios precisavam de obras, mas depois já começavam a precisar quase de vidros duplos porque o barulho na rua era constante. Havia imensa música.
SN: Não eram só as pessoas a passar.
FF: Não eram as pessoas. Eram as actividades lúdicas que os restaurantes organizavam e, portanto, havia uma outra actividade que não era que fosse incompatível, mas já não era confortável. Ou seja, nós tínhamos de fazer grandes investimentos nos edifícios e, ao mesmo tempo, tínhamos a escola também a crescer. Os edifícios, no centro histórico, têm uma escala e uma proporção e, portanto, nós estávamos também a sentir que, entre os diferentes cursos, já não havia uma dinâmica de espaços, interiores aos edifícios, que permitisse as actividades conjuntas. E, portanto, a direcção da CESAP pensou, e bem, que seria o momento para uma deslocação não para fora da cidade porque esta escola tem...
SN: Raízes no Porto...
FF: Esta matriz muito forte da relação com a população. As questões da Sociologia ainda são muito importantes, não é? A Antropologia também. A cidade é quase o maior livro não só para os arquitectos, mas também para os artistas.
SN: Sim porque esta escola não é só de Arquitectura. Tem outros cursos. Para os ouvintes que não conhecem, quais são os outros cursos?
FF: Temos Design, Fotografia, Cinema, Artes Plásticas e Teatro. Todas estas áreas têm autonomia, mas também são muito interligadas às disciplinas que se cruzam. E [existe] a relação com o quotidiano da cidade, com a função, num certo sentido, da escola... A relação com a actividade da cidade é fundamental para uma escola de artes como a nossa. A direcção da escola considerou que era o momento. Pensou: “É o momento para fazermos isto.” [A escola], não saindo da cidade, estando na cidade, sempre no coração da cidade, [continua a estar] numa zona que é neste momento muito interessante porque é muito mais espaçosa em termos de actividades. A vida quotidiana continua a acontecer aqui. Esta deslocação para a proximidade da Praça de Velásquez nesta relação também com a Avenida de Fernão Magalhães... E também por outro lado aqui com a Escola Artística de Soares dos Reis cria uma espécie de... e também depois muitas acções paralelas que a Câmara Municipal do Porto desenvolve já, digamos assim, nesta zona de Campanhã.
SN: O grande investimento da Câmara do Porto tem sido Campanhã.
FF: É um sítio que é muito interessante.
SN: E que está em desenvolvimento.
FF: E onde nos sentimos como se repropuséssemos de novo aqui o que tínhamos no Largo de São Domingos. E, num certo sentido, foi esse ambiente de articulação urbana com a escola. Os edifícios da escola viviam esta espécie de abraço dos espaços públicos...
SN: Das praças...
FF: Que vai fazer, digamos assim, a base do projecto que nós vamos desenvolver. A escola compra uma fábrica abandonada, que estava a funcionar quase como depósito de automóveis. Havia aqui uma oficina de automóveis. Tinha sido fábrica, mas já não era fábrica.
SN: Era fábrica de quê?
FF: No passado, foi uma fábrica de curtumes, mas há décadas que deixou de funcionar e passou a ser um armazém, mas depois tinha aqui uma oficina. Não tinha uma função que...
Ou seja, a estrutura do edifício já não tinha a ver com aquilo que estava aqui a acontecer. Quando compra este... A escola também tem um edifício que se abre sobre a Avenida [de Fernão Magalhães] e depois tem uma espécie de espaço intersticial que está frontal à Escola Artística de Soares dos Reis, que é um espaço bastante interessante. Este edifício, este conjunto de edifícios e de espaços exteriores, rapidamente se assemelha ou nos permite pensar numa tipologia espacial que repropõe de novo aquilo que nós tínhamos, digamos assim, na escola original, no centro da cidade, no Largo de São Domingos. Há que referir, e é importante, que o projecto é de três professores da escola: sou eu, a Fátima Fernandes, o arquitecto Michele Cannatà e o arquitecto João Carreira.
SN: Foram os próprios professores que puseram “mãos à obra”, no fundo, não é?
FF: Nós fomos convidados pela direcção. Num certo sentido, ficámos um bocado preocupados.
SN: É muita responsabilidade.
FF: É muita responsabilidade, mas acho que foi um percurso muito bom. Houve também uma grande colaboração de todos.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quarta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Tomás Salgado do ateliê Risco
- Filipa Guerreiro e Tiago Correia
- Teresa Nunes da Ponte
- Pedro Campos Costa
- José Carlos Nunes de Oliveira
- Pedro Bandeira
- Correia/Ragazzi Arquitectos
- Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY
- Diogo Brito do OODA
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.