No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quinta temporada, Sara conversa com os arquitetos Helena Vieira e Pedro Ferreira do escritório Plano Humano Arquitectos sobre o projeto da Capela de Nossa Senhora de Fátima. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: O projecto sobre o qual vamos falar hoje é uma capela muito especial e que tem relação com actividades escutistas. E sei que tu, Pedro, és escuteiro. Pergunto-te o que é que aprendeste na tua experiência, enquanto escuteiro, que trazes para a arquitectura que fazes?
Pedro Ferreira: Eu acho que sobretudo a experiência de trabalhar com materiais naturais e com as coisas simples. A capela acabou por ser também um bocadinho o fruto se calhar dessa nossa experiência e aprendizagem dos escuteiros.
SN: Eu disse que eras só tu, mas acho que a Helena não era escuteira, ou também era?
Helena Vieira: Também era escuteira, sim!
SN: Ah, peço desculpa!
HV: Fui escuteira. Aliás, quem me apresentou o escutismo foi o Pedro.
PF: Foram os treinos de captação.
SN: E foi antes da arquitectura aparecer na vossa vida?
HV e PF: Sim, muito antes!
HV: Éramos muito jovens. Tínhamos 13 anos.
SN: E ainda estão ligados porque eu sei que estiveram ligados até bastante tarde.
PF: Sim. Quer dizer, actualmente, já não estamos no activo de há uns anos para cá, mas, de alguma forma, continuamos ligados à associação. Também temos muitas pessoas que nos são queridas e fizemos muitos projectos com os escuteiros. Sempre foi um cliente amigo muito especial e é interessante porque a Capela acabou por ser o apogeu dos projectos que fomos desenvolvendo com os escuteiros.
SN: Já tinham feito projectos com eles?
HV e PF: Já. Já Tínhamos!
PF: Tínhamos feito várias coisas. Fizemos a sede nacional do C.N.E (Corpo Nacional de Escutas). Foi um dos nossos primeiros projectos no atelier. Fizemos um campo escutista, em Ferreira do Zêzere, que também foi um dos primeiros projectos. Tem lá algumas construções em madeira...
HV: Fizemos o Centro de Escutistas de Fátima.
PF: Sim. Também. Foi a reabilitação de um edifício que, na altura, a associação comprou.
HV: Sim, portanto, depois de estarmos só com o lenço ao peito e, como se diz no escutismo, e eu sinto isso na íntegra, que é: “Uma vez escuteiro, para sempre escuteiro.”
Tivemos essa honra, uma verdadeira honra de podermos fazer projectos também para jovens que estão na associação puderem usufruir.
SN: Uma das coisas que eu sei é que esta relação e a vossa experiência com o escutismo também vos ajudou a desenhar a Capela. Helena, podes-me dizer como é que esta ligação entre o escutismo, a arquitectura e a capela se unem?
HV: A experiência, a vida escutista é, como o Pedro dizia: viver e trabalhar, muito em contacto com a natureza e em contacto com os materiais mais simples, mais naturais, que encontramos ao nosso redor e ao nosso dispor nos acampamentos também. A relação com a arquitectura e, neste caso, com o projectar a capela é...
PF: É um edifício religioso.
HV: Um edifício religioso, sim. Eu [queria dizer] um... um templo. É um templo, não é? Mas é um templo da vivência escutista e, portanto, era uma coisa que deve ser depurada, que deve servir a sua função de acolhimento, de abrigo, mas traduzindo a simplicidade e traduzindo aquilo que é a essência. E, no caso, a inspiração foi justamente a tenda canadiana: uma tenda simples, com duas águas, dois planos inclinados que procuram promover esse abrigo, esse encontro, esse recolhimento para a fé.
SN: Uma das coisas que... Eu acho que nunca partilhei isto convosco. Uma das primeiras vezes que vi fotografias do projecto, eu achei que o projecto não era em Portugal. Não sei se já vos disseram isso, mas eu sempre achei que o projecto tinha alguma coisa de africano. E vou-vos explicar porquê. Talvez por causa desta relação de muitos projectos africanos terem esta componente – por causa do clima, obviamente – onde muitos deles são ao ar livre. Existe uma relação entre interior e exterior, onde não há nenhum obstáculo. As pessoas não estão a ver o projecto enquanto estamos a ter esta conversa. Depois poderão ter oportunidade, nos artigos do Público e na ArchDaily, de ver. Mas, neste momento, não estão a ver. Mas só para vos dar uma ideia de que isto realmente tem uma relação com a paisagem muito grande. É uma capela no exterior. Portanto, a assembleia senta-se no exterior. Não existe uma cobertura. A cobertura são as estrelas, é o céu. E talvez por isso eu tenha sentido que tenha uma relação africana. Não sei se isto teve... se vocês procuraram isso.
PF: Não procurámos nada relacionado, mas é interessante.
HV: É a primeira vez que oiço essa associação. De facto, não...
PF: Mas não deixa de ser interessante que nós também começámos há uns anos a fazer projectos para África, para Angola. Também fomos absorvendo muita coisa, em Angola, e, às vezes, estas coisas podem estar de alguma forma relacionadas, ou ter aqui alguma inspiração. Lembro-me que, em Angola, nós estivemos em muitos desses espaços exteriores que são os jangos, que são coberturas muito simples feitas com o capim, com a palha, e que, basicamente, são coberturas e as pessoas fazem as festas lá debaixo. Depois há coisas mais tradicionais. Há edifícios um bocadinho mais contemporâneos que já começam a usar aqueles materiais mais... como, [por exemplo] a chapa de zinco. Mas não deixa de ser interessante essa relação. Nós, depois de termos feito a capela, estivemos em Nova Iorque para a entrega de um prémio que, na altura, era de um outro edifício. E fizemos uma visita ao Museu de História Natural. Passámos o dia inteiro lá. Delirámos com o Museu e só saímos de lá quando obrigaram as pessoas a sair. Aquilo era gigante! (risos)
SN: (risos) Time is over!
HV e PF: Sim.
PF: E acho que nem vimos metade do que se queria ver, mas lembro-me que estávamos a ver uma maquete de umas tribos de índios. [Quer dizer], já não me lembro bem, mas acho que eram umas tribos da América Central. Vimos uma maquete com várias construções e depois [vimos também] que a construção principal era um edifício em que a forma era muito semelhante à da Capela que tínhamos desenhado. E nós pensámos: “Estás a ver! Não inventámos nada!” Isto já existia há 3 ou 4 mil anos. Realmente a forma é muito simples, mas acho que quando pensámos nela foi uma coisa que foi muito imediata.
A ideia inicial até surgiu logo no próprio dia em que estávamos a fazer o telefonema. Nós temos o hábito de que quando estamos ao telefone, começamos a desenhar. E eu estava a apontar as indicações que o padre Luís Marinho, que foi quem nos encomendou a capela, nos estava a dizer. [Ele disse-nos]: “Pedro precisamos de uma capela para Idanha-a-Nova, temos lá um campo escutista, vai lá haver um acampamento nacional. É uma oportunidade de fazermos uma capela que era uma coisa muito desejada há muitos anos.” Nós já tínhamos desenhado outra para aquele campo que depois não se veio a realizar, mas que era mais fechada, era noutro sítio. [Lembro-me que] o desenho saiu nessa altura.
O desenho inicial, o esquisso está ainda neste livro. Está lá o esquisso inicial. A Capela assentava no terreno apenas num ponto. Claro que depois tivemos de chegar um bocadinho mais à terra, mas a ideia acabou por se manter na medida em que depois a cobertura dos dois planos acaba por não tocar na terra e a luz passa por baixo. Há, portanto, ali uma desmaterialização do edifício ou uma permeabilidade através da luz. E esses efeitos que nós queríamos [ter]– há alguns que pensámos e outros que não... houve outros que acabaram por surgir e ficámos muito satisfeitos com o resultado – vêm todos dessa ideia de simplicidade e de tenda, que existe desde o início.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quarta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Tomás Salgado do ateliê Risco
- Filipa Guerreiro e Tiago Correia
- Teresa Nunes da Ponte
- Pedro Campos Costa
- José Carlos Nunes de Oliveira
- Pedro Bandeira
- Correia/Ragazzi Arquitectos
- Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY
- Diogo Brito do OODA
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.