No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quinta temporada, Sara conversa com os arquitetos Paula del Rio e João Branco, do escritório Branco del Río, Arquitectos, sobre habitação coletiva. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: O problema da habitação tem sido muito discutido em Portugal. O Governo fez uma proposta e uma série de medidas recentemente. Independentemente de concordar ou achar que vão funcionar ou não, todas elas parecem-me muito pouco ambiciosas. A ambição devia ser querermos ter o país com a melhor habitação que existe na Europa. Acho eu… pelo menos, isso devia ser o mínimo da ambição. E por isso pergunto-vos se vocês imaginam soluções que pudessem fazer com que tivéssemos melhor habitação na Europa e, quem sabe, no mundo, João.
João Branco: Eu acho que sim. Pelo menos, devemos tentar. Parece-nos que a melhor forma encontrada até agora é esta dos Concurso Público de Concepção [que se encontram] abertos. É aquela que dá a possibilidade, pelo menos, aos arquitectos de fazerem o melhor que sabem. A partir daí já deixa de estar nas nossas mãos.
SN: E vocês têm feito muitos concursos? Há uma coisa curiosa que ouvi num debate recentemente em que a Filipa Roseta dizia que se queríamos modelos novos e se queríamos pensar em novas formas de habitar e que fossem inovadoras na habitação os jovens deveriam fazer parte desse processo. Não sei se concordam com a afirmação da Filipa, mas a verdade é que muitos concursos do IHRU — aos quais também vocês concorreram — têm sido ganhos por jovens arquitectos. O que vos tem levado a participar nestes concursos?
Paula del Rio: Nós fizemos o primeiro concurso sem saber que isto fazia parte de um projecto maior. Fizemos porque tínhamos imensa vontade e curiosidade de fazer habitação colectiva. Não tínhamos ainda oportunidade aqui no escritório. A conversa, entretanto, deu muitas voltas. Já sabemos muito mais…
SN: Sim, já fizeram um ou outro mais, não é?
PR: Sim, já fizemos mais…
SN: Estamos a falar de quantos? Vocês já, pelo menos, fizeram cinco?
PR: Nós fizemos cinco.
SN: Ok, acertei.
PR: Ganhámos dois, ficámos em segundo lugar em dois e ficámos muito mal no último.
SN: É uma boa percentagem para aquela que vocês concorreram.
PR: Sim.
JB: Eu diria que a principal razão que nos levou a concorrer foi a possibilidade de ter acesso a este tipo de encomenda que é muito difícil para jovens arquitectos. Diria que essa foi a razão que nos levou, a nós e a muitos outros jovens, a concorrer.
SN: E o que é que vos alicia neste tipo de encomenda?
PR: É espectacular. O programa, a reflexão sobre o que é que deve ou pode ser a habitação pública, o tamanho… A escala da encomenda, de repente, para nós é maior do que o que tínhamos feito. O acesso ao cliente público de uma forma democrática… Quer dizer, do nosso lado e a quantidade enorme de gabinetes muito jovens que concorreram e ganharam… a oportunidade é espectacular!
JB: Os honorários.
PR: Os honorários também são bem muito bem pagos em relação ao sector privado. Agora aquilo que dizias da Helena Roseta, a questão da habitação pública, a discussão tem de ser aberta (aberta aos jovens), mas tem de ser feita dentro da administração. É uma questão política. Nós, como concorrentes, cabe-nos entender muito bem quais são os limites que a política está a deixar.
SN: Em que sentido?
PR: Em todos. Como é que eu vejo isto? Como é que eu vejo os programas do IHRU? Portugal não faz habitação pública durante muitos anos.
SN: Há mais de 20 anos.
PR: Há mais de 20 anos. O Estado acho que há quase 40 anos. As autarquias fizeram mais. E agora que volta a fazer acho que é muito difícil – sem tempo e sem investigação profunda – criar todos os mecanismos que são necessários…
SN: Para implementar estes projectos.
PR: Para pôr a conversa em dia... Então muitos dos mecanismos, a legislação e a própria máquina do Estado, enquanto promotor, está enferrujada. Eu gostava que isto fosse… É verdade.
SN: Sim.
PR: Eu gostava de pensar… nós gostávamos (falámos muito sobre isto)… é um processo evolutivo.
SN: Isto também está a abrir portas, não é? Para que a máquina seja oleada.
PR: É sempre um processo. Qualquer implementação de uma política (especialmente em habitação pública) é sempre um processo, uma coisa de tentativa-erro, de investigação, de proposta para perceber se funcionou ou não funcionou… e que se vai alimentado até se fazer melhor. E acho que isso precisa de tempo — que é o que normalmente não há — porque são sempre coisas muito urgentes.
SN: Sim, até porque o problema é urgente, não é? E estes projectos de certa forma… a arquitectura muitas vezes chega atrasada porque são processos normalmente demorados. Aliás, tivemos convidados neste podcast cujas obras demoraram mais de dez anos, ou 15 anos até que pudessem abrir as portas ao público. E, tal como falava no início, o problema da habitação é um problema já de hoje que urge resolver. Como é que vocês acham que poderíamos melhorar ou acelerar – se é que há alguma coisa que se possa acelerar – nestes processos? Não perdendo a qualidade dos projectos, [e tendo em conta] a vossa experiência nestes concursos?
JB: Nós, como arquitectos a responder a concursos, achamos que o Concurso Público de Concepção é o que dá mais garantias de qualidade e é a forma mais democrática de dar acesso ao trabalho a todos nós. E nós temos de cumprir prazos. O Estado devia cumprir e não consegue cumprir como se compromete. Isso é um problema. O IHRU não tinha capacidade há um ano ou há dois quando começou este programa de responder a todos os concursos que tem lançado. Tem contratado muita gente. Cada vez tem mais capacidade de resposta, mas cada vez é mais urgente, portanto não sei se vão chegar a tempo e se o sacrifício não vai ser a qualidade, portanto não te sei muito bem responder, mas isto começou tudo um bocado… não digo em cima do joelho… mas sem capacidade para dar resposta por parte da entidade contratante, o dono de obra. Agora que já têm mais capacidade de resposta, eventualmente, já não há tanto tempo para continuar a fazer os concursos e a levar os projectos como tem sido feito até agora.
SN: Mas, pelo menos, já estão optimistas de que, pelos vistos, as coisas têm ao longo do tempo evoluído no sentido de cada vez dar melhor resposta. Vocês venceram dois concursos: o concurso de Habitação Colectiva em Alcaniça, em Almada, e o concurso de Habitação Colectiva na Avenida João Campos, em Setúbal. O que é que o júri considerou nas vossas propostas como merecedoras do prémio? O prémio neste caso é serem construídas.
PR: No de Alcaniça, que foi o primeiro que ganhámos, sai melhor. O que nos disseram e foi espectacular é que isto é uma coisa muito pontual. Nós entregámos o concurso de Alcaniça em Março de 2020, um dia ou dois antes de ficarmos todos confinados.
SN: Ok.
PR: E a pandemia, eventualmente, mudou a forma como as pessoas entendem as casas. Agora parece-nos muito normal, mas houve uma reflexão sobre as casas e nós propusemos um projecto que apostava muito em fazer varandas.
SN: Ok, sim. Foi uma coisa, claramente, que se falou muito na pandemia.
PR: E na pandemia houve uma sensibilização para isto: para a relação que as casas têm com o espaço exterior. Mesmo sendo feito em pré-pandemia, não é fácil fazer com custos controlados boas varandas. É preciso um projecto muito calculado.
SN: Porquê?
PR: Porque os custos controlados limitam a área e a varanda consome área. Quer dizer, para fazer boas varandas tens de optimizar muito o espaço interior. Sem fazer nada mais pequeno, espaço especialmente…
SN: Sem comprometer o resto.
PR: Sem comprometer o resto (as comunicações interiores). Os custos controlados é um sistema que tem o máximo e tu tens de encaixar as peças para conseguir…
SN: Fazer o melhor puzzle…
PR: Fazer o melhor puzzle… O puzzle mais favorável, exactamente. Se fazes varanda, do outro sítio estás a tirar e ganhámos o concurso em Alcaniça com esse equilíbrio.
SN: E em Setúbal? Eu sei que também houve uma valorização da relação que vocês fizeram com o espaço público. Foi uma das valorizações…
JB: Sim. É uma coisa que tentamos fazer sempre. Tu disseste João Campos, é Joaquim Campos.
SN: Ah! Enganei-me aqui. Ah, Avenida Joaquim Campos, é isso.
JB: É isso mesmo.
SN: De repente achei que me tinha enganado era no teu nome! Estava mais preocupada...
JB: Não!
SN e JB: (risos)
JB: Este é um terreno que está vazio entre dois bairros sociais construídos nos anos 90 já consolidados. Havia o desejo do IHRU de colmatar e relacionar os dois bairros e fazer cidade entre eles. É o que nós tentamos fazer. Tentamos fazer sempre nestes projectos que temos feito porque eles têm sido os terrenos que o IHRU tem utilizado para estes concursos... são vazios deixados em loteamentos em que foram feitos bairros sociais dos anos 90...
PR: Na verdade, 70...
JB: 70?
PR: Sim, os Planos Integrados são de 70 e são implementados nos anos 80.
JB: E, pelos vistos, fizemos bem a ligação entre as zonas já consolidadas. Há um parque também pelo meio. O concurso é grande. Tem um parque, tem uma rua, tem uma série de edifícios e o IHRU achou bem a proposta.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quarta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Tomás Salgado do ateliê Risco
- Filipa Guerreiro e Tiago Correia
- Teresa Nunes da Ponte
- Pedro Campos Costa
- José Carlos Nunes de Oliveira
- Pedro Bandeira
- Correia/Ragazzi Arquitectos
- Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY
- Diogo Brito do OODA
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.