Tempos se entrelaçam na exposição “Taib: uma história do teatro” realizada pelo coletivo Goma Oficina na Casa do Povo

Uma aparente fragilidade mobiliza a forma de ocupação do cenário construído para a exposição Taib: uma história do teatro, sobre o Teatro de Arte Israelita Brasileiro, fundado em 1960 e construído no subsolo da Casa do Povo, centro cultural no Bom Retiro, em São Paulo. Com expografia do coletivo Goma Oficina — Associação transdisciplinar de design, arquitetura e arte — o teatro é encenado no primeiro andar, de forma a apresentar a potente história de sobrevivência e re-existência da poesia dos povos judeus a despeito da perseguição e violência sofrida pelo governo nazista até o fim da Segunda Guerra Mundial.

Ao chegar, percebo o espaço ocupado por bancos de teatro de couro vermelho e cortinas de mesma cor suspensas por cordas, roldanas e grampos que abraçam e se adaptam à estrutura existente da própria casa. Neste grande salão existente uma metalinguagem se instaura: o teatro que se encena a si mesmo, logo ele que sempre foi suporte da encenação. Uma vez que ele se auto representa, com que linguagem fala? Com que corpo se veste e performa? O Teatro, por sua vez, ao mesmo tempo que de aparente fragilidade — suas estruturas sociais, psíquicas e políticas foram severamente abaladas na Shoá, nome dado ao genocídio sofrido pelos judeus no século XX — se instaura neste novo local como potência atemporal das vidas que a arte de esquerda, aberta, comunitária e fundamentalmente coletiva permite experimentar.

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Exposição "Taib: uma história do teatro" na Casa do Povo, por Goma Oficina. Image © Lauro Rocha
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Exposição "Taib: uma história do teatro" na Casa do Povo, por Goma Oficina. Image © Lauro Rocha

O Taib que fica se permite ser imaginado pelas estruturas abertas da Casa do Povo, com arquitetura de Ernest Carvalho Mange, de 1920, subsolo projetado por Jorge Wilheim para abrigar o teatro em 1960, e expografia do Goma Oficina em 2023. Espaços se confundem temporalmente e espacialmente uma vez que a expografia do teatro permeia e cruza dois espaços existentes: o grande salão de ativação coletiva — com registros de encontros e outras ocupações, e a biblioteca —e o acervo com registros históricos cujas múltiplas narrativas ainda possibilitam recontarem novas histórias, construindo no imaginário o espaço original do Teatro no subsolo, inacessível na exposição.


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Teatro da Casa do Povo. Image © Lauro Rocha

O suporte material para este cenário surge pela força da triangulação das cordas que enlaçam a estrutura do espaço e sustentam uma sequência de barras de alumínio cruzadas ortogonalmente: um gride içado por uma espécie de treliça móvel, como os próprios dispositivos cênicos do teatro. Na camada seguinte, trilhos em curva presos ao gride permitem dar ao espaço a fluidez que se percebe das cortinas de diversos tons de vermelho e texturas plainando sobre o chão-palimpsesto de tacos e tábuas de madeira com diversos tempos de alteração. O cenário teve ainda a contribuição de um grupo de mulheres costureiras e imigrantes latino-americanas para unir as cortinas, trabalhando no mesmo espaço compartilhado com a exposição. Ao redor, as poltronas vermelhas de couro originais do Taib habitam livremente o espaço, surpreendendo a cada visita uma diferente disposição, criando dúvidas e dando pistas, pouco a pouco, da visibilização destes vários tempos. 

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Exposição "Taib: uma história do teatro" na Casa do Povo, por Goma Oficina. Image © Lauro Rocha

Fruto do reuso de materiais de outras exposições, estruturas menores e internas ao cerco acortinado remetem a cabos de vassoura interligados por joelhos metálicos — um corpo estruturado, reticulado, que se mostra e apresenta o estudo de arquivo daquele teatro da década de 1960. São textos, vídeos, fotos e sons que se misturam ao próprio espaço que fala de si, a exemplo de fotografias em preto e branco da construção do teatro — ou seria o prenúncio das ruínas que ele se tornou? Outras encenações do grupo incluem Um sonho de Goldfadn, com uma pequena fotografia do cenário de casas de estética expressionista encenado no Teatro Municipal de São Paulo, em 1948, ou Fábrica, peça que retratou a luta operária frente as condições de trabalho de ceramistas, em 1979 na mesma cidade. No acervo ainda é possível ver fotografias e pôsteres de divulgação do Coro Scheiffer, evidenciando a diversidade etária e de gênero incomum à época.

Dando o devido tempo para o dispositivo expositivo se revelar, percebo que a luz do espaço muda, sutilmente, no interstício do crepúsculo: uma matiz alaranjada toma de surpresa o espaço conforme a luz cai. Refletores de luz laranja se tornam aparentes iluminando as estruturas do espaço, acalentando aquelas histórias para os tempos atuais.

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Exposição "Taib: uma história do teatro" na Casa do Povo, por Goma Oficina. Image © Lauro Rocha

A expografia revela então uma autorreflexão a partir de algo ao mesmo tempo estranho e familiar, e que me motiva a escrever este texto. Porque não só de aparências se faz uma apresentação, mas de deslocamentos — espaciais, temporais, narrativos, permitindo uma viagem no tempo e um estado de dúvida, de estranheza quanto ao que se vê e experiencia. Afinal, o que faz parte ou não da exposição? Em que tempo — presente, futuro, passado estamos? Os espaços vazios, existentes para ativação ou descanso, são lacunas imprescindíveis para simular a realidade e a partir dela permitir outras reflexões, outros desdobramentos. Talvez aí a curva, o desvio da expografia (e por quê não do teatro) — simular tão fortemente a ficção da realidade, tornar-se a realidade em si, real como a anterior, ampliando a curiosidade pelo local, permitindo a presença de outros públicos encenar, recontar, transformar e prestigiar este espaço vivo da arte para os tempos atuais: um tempo prenhe de outros tempos. 

A exposição “TAIB: uma história do teatro” foi realizada por Goma Oficina, concebida por Casa do Povo e teve curadoria coletiva por Casa do Povo, Christian Salmeron (Goma Oficina), Maria Livia Goes e Nina Hotimsky. O projeto expográfico foi realizado por Christian Salmeron, Maria Cau Levy, Vitor Pena e Gabriela Toral (Goma Oficina), com produção de Lauro Rocha e Paula Marujo (Goma Oficina). A ficha técnica completa pode ser acessada no site da Casa do Povo.

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Fachada da Casa do Povo. Image © Lauro Rocha

Exposição TAIB, uma história do teatro
Endereço: Casa do Povo. Rua Três Rios, 252 - Bom Retiro. São Paulo
Visitação: 15 de junho a 19 de agosto. Terça a sábado, das 11h às 19h
Evento de encerramento: 19 de agosto, às 16h. Lançamento e distribuição do livro TAIB e conversa de encerramento com os organizadores da exposição e do livro. 

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Sobre este autor
Cita: Mariana Meneguetti. "Tempos se entrelaçam na exposição “Taib: uma história do teatro” realizada pelo coletivo Goma Oficina na Casa do Povo" 15 Ago 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1005398/tempos-se-entrelacam-na-exposicao-taib-uma-historia-do-teatro-realizada-pelo-coletivo-goma-oficina> ISSN 0719-8906

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