Laurent Troost é um arquiteto belga com uma rica trajetória em projetos realizados na Holanda, Espanha e Dubai, decidiu mudar-se para o Brasil em 2008, estabelecendo-se na cidade de Manaus. Nessa região repleta de desafios e inspirações, Troost desenvolveu uma prática arquitetônica única ao unir suas experiências na concepção de prédios de luxo no exterior com edificações no coração da Amazônia. Seu trabalho conquistou reconhecimento internacional e foi agraciado com várias premiações. Em 4 de setembro, esteve em Florianópolis para uma palestra no NCD Summit, onde pudemos conversar sobre sua obra e suas opiniões sobre a arquitetura e a sustentabilidade.
Eduardo Souza (ArchDaily): Como um europeu que chegou ao Brasil para trabalhar com arquitetura, quais foram os principais desafios e aprendizados?
Laurent Troost: Uma das primeiras coisas é que não pude começar a fazer arquitetura assim que cheguei por conta de todo o processo de revalidação de diploma. Isso demorou certo tempo e, enquanto isso, analisei e observei a arquitetura local, bem como frequentei muito a academia para aprender sobre a história da arquitetura brasileira de Manaus e depois em São Paulo. Foram cinco anos para a revalidação. Então, eu gosto de sempre de dizer, especialmente quando palestro no CAU, que eu pratiquei ilegalmente a arquitetura durante este tempo, porque eu não poderia ficar sem trabalhar. Mas, claro, neste período foi mais devagar e eu pude pesquisar muito e me impregnar da cultura brasileira.
Acho que o maior aprendizado que tive foi em relação ao custo dos projetos. Saí de um lugar onde trabalhava com orçamentos de até 10 mil euros o metro quadrado e, numa das primeiras obras que fiz em Manaus, tive 90 reais o metro quadrado de limite. Então, imagine tudo tem que ser repensado, a forma de raciocinar e de pensar só no essencial realmente.
Ainda mais em Manaus, por ser quase uma ilha em que não há tantos materiais e fornecedores de fora que chegam, tem-se que trabalhar uma arquitetura da escassez, da essência. Eu acho que esses são os dois dos aspectos mais importantes da chegada, de descobrir novos modos de projetar e de viver.
ES: E neste desafio citado de logística que é a cidade de Manaus e a Amazônia, como isso influencia na especificação de materiais e nas soluções?
LT: Graças ao polo industrial, há muitos galpões sendo construídos com estruturas metálicas, bem como uma quantidade enorme de balsas. Manaus é dos lugares com mais estaleiros no Brasil, então conta com uma mão de obra muito qualificada com a construção do aço. Isso é muito bom porque, além da mão de obra, há grandes fornecedores de aço locais e acabamos por construir muito com este material em nossas obras. Mas, em relação às limitações, torna-se complicado, por exemplo, tentar seguir tendências de marcas, produtos e materiais como vemos nos projetos de São Paulo ou do sul. Para nós, isso fica muito mais caro e mais demorado, e é muito raro trabalharmos com esse tipo de artifícios. Então, a arquitetura precisa se limitar à essência da estrutura, da organização do programa, e não tanto aos acabamentos, revestimentos. Isso porque, muitas vezes por conta do prazo ou do custo, o cliente acaba por cortar essas coisas.
Eu acabei esquecendo de mencionar mas é óbvio que o clima, quando você chega da Europa na Amazônia, é um choque. Basicamente, você está em um lugar onde o sol está seis meses ao norte e seis meses ao sul, e isso é uma coisa muito doida isso, sabe? Não é simplesmente inverter o teu raciocínio, são outros parâmetros!
Basicamente, foi um grande reaprendizado. Um dos primeiros projetos que começou a ter uma certa projeção que desenvolvi em Manaus é uma residência chamada Casa Campinarana. Ali trabalhamos toda a estrutura superior metálica, revestida em aço corten. A gente optou por não fazer painéis encaixados e parafusados, mas especificamos uma junta entre os painéis que é uma solda contínua, para evitar que a água penetrasse. Essa solda contínua é muito utilizada para cascos de navios. Ou seja, aproveitamos a qualificação da mão de obra dos estaleiros para fazer uma casa. Essa é a questão de aproveitar realmente o conhecimento local, de uma situação com aço, toda a questão dos estaleiros, para fazer uma solda contínua impecável. Hoje essa casa tem uns seis ou sete anos e não tem uma infiltração. Então essas são essas especificidades de se adaptar a situações da escassez. Sempre trabalhar com o que se tem e com o saber fazer local.
ES: Que práticas sustentáveis você costuma incorporar nos seus projetos, e como isso é recebido pelos clientes? Além disso, como avalia o papel dos arquitetos na mitigação dos impactos ambientais da indústria da construção?
LT: Como falei, a gente gosta de trabalhar com aço, só que infelizmente ultimamente isso está tão caro que tem inviabilizado muitas obras de particulares. Trazer a estrutura metálica para compensar todo esse aspecto em obras de maior porte também é muito difícil, porque as incorporadoras e as construtoras preferem trabalhar com concreto, que já dominam, mesmo que este seja pré-fabricado. Até agora não conseguimos emplacar nenhum projeto de grande escala com aço. Mas nas escalas mais residenciais sempre nos preocupamos muito com isso. Antes da pandemia, quando o aço estava razoável em termos de preço, costumávamos descolar a estrutura do chão com concreto e assim que chegávamos a uns oitenta centímetros, 1 metro de altura, já transformávamos pra um outro modelo construtivo, seja o aço ou a madeira. Se bem que usar madeira é muito complicado em Manaus, visto de forma muito pejorativa, sendo, inclusive proibida na maioria dos condomínios, por exemplo. Então é uma visão muito arcaica que está mudando aos poucos e temos conseguido emplacar alguns projetos com madeira.
Além disso, trabalhamos muito com tijolos. Na orla oposta do Rio Negro em frente a Manaus, temos muita olarias. Então há uma produção extensa de tijolos e sempre tentamos trazer isso como material local próximo, que em geral não fica nem a 10 km de qualquer obra de Manaus, com muita facilidade de se utilizar.
Mas, sobre a questão da sustentabilidade da indústria da construção, acho que é imprescindível considerar o impacto do uso da cidade e das edificações. Em todos os projetos a gente sempre tenta estudar os ventos ou a ausência deles e criar ventilação quando é possível para sempre tentar diminuir a necessidade do uso do ar condicionado. Sempre trabalhamos muito a questão da implantação, do impacto do sol através de brises, de peles duplas, de implantações inteligentes localizando as funções úmidas de banheiro e outros onde tem mais sol.
Fazemos a organização do programa para captar os ventos e depois trabalhar esse sombreamento de várias formas, que pode ser um elemento desenhado, ou a própria forma do edifício que se auto sombreia com telhado ajardinados, bem como irrigações nos telhados.
Isso sempre é uma preocupação e a gente tem recebido bons retornos em relação a contas de luz muito mais baixas. Chegamos até fazer quantificar isso na Casa Campinarama, com um programa, e vimos que o consumo de energia era 84 por cento abaixo do que a média de uma casa na Amazônia. Isso, quando essa diferença é trazida em reais, é uma coisa muito interessante, né? E este é o argumento que usamos pra convencer os clientes, seja para nos contratar ou de aceitar uma implantação porque ela foi pensada tendo em vista tudo isso. E tem funcionado bem, o pessoal tem aceitado cada vez mais.
Também trabalhamos muito com filtros naturais de vegetação e, atualmente temos começando a conseguir implantar essas soluções mais bioclimáticas em grandes escalas. Utilizamos vários tipos de soluções. Por exemplo, trabalhamos com um sistema de irrigação de coberturas que funciona com uma automação vinculada à temperatura ou à umidade do ar, mas que também pode ser manual. Há projetos em que deixamos apenas uma torneira ao lado e quando o pessoal tá achando que está quente demais, só aciona rapidamente. A gente tem esse sistema que não é de alta tecnologia, mas é como uma torneira ou um aspersor comum de jardim. Uma coisa muito barata, que traz um conforto ambiental interessante. E além do resfriamento próprio da cobertura em geral a gente gosta de trabalhar sem calhas. Essa água cai e o som dela batendo no chão tem um aspecto psicológico muito importante, que já traz um refresco por si só. Isso é um pouco do que usamos, em termos de sustentabilidade passiva, mas isso é mais do dia a dia, não é tanto da construção propriamente dita, ou da especificação dos materiais ou soluções, por exemplos. No fim, isso é bastante importante, e, no longo prazo, pode ter um impacto positivo que geralmente não consideramos.