O coletivo Arquitetura Bicha surgiu na pandemia, a partir do interesse em ler materiais sobre gênero e sexualidade na arquitetura. Os integrantes passaram a se reunir semanalmente para debater e investigar a bibliografia sugerida por cada um deles. Livros de teoria queer, feminismo e arquitetura foram dando ideias ao coletivo, que abriu um perfil na rede social Instagram, com o o objetivo de compartilhar as discussões.
Os encontros que começaram com uma hora de duração passaram a ter três horas. Segundo os entrevistados, as discussões “foram acendendo o fogo e a vontade de ficar junto para, também, criar uma rede afetiva de amigos.” A partir dessas leituras, então, o coletivo recebeu alguns convites para falar em universidades e a construir algumas parcerias com outros coletivos. “Tentamos entender um pouco como é essa presença LGBTQIA+ na cidade, na arquitetura e no urbanismo.”
A partir das investigações teóricas surgiu um projeto para a publicação de um livro e todos os integrantes, agora, têm pesquisas relacionadas com gênero e sexualidade dentro do grupo. Frederico Teixeira falou sobre sua pesquisa focada nas questões LGBTQ e também nas relações entre o público e o privado na herança de Burle Marx, no Sítio Santo Antônio da Bica.
Artigo Relacionado
O ornamento ainda é um crime?Um dos questionamentos feitos pelo coletivo Arquitetura Bicha é o da arquitetura da casa burguesa, pensada para a família heteronormativa. Fernanda Galloni contou que após decidir morar junto com sua namorada, surgiu o interesse em investigar a história da domesticidade, muito atrelada à história das mulheres. “Percebi que eu não me identificava com aquelas mulheres; isso porque a história das mulheres dentro e fora da arquitetura é sempre muito atrelada à história dos espaços domésticos e ao papel das mulheres como esposas e mães.” A pergunta central da pesquisa gerou o nome do seu estudo, “Casas dissidentes”. Fernanda Galloni acabou descobrindo diversos projetos de residências transgressoras, como uma casa concebido no final do século XIX, nos EUA, onde a cozinha era pensada para ser ocupada coletivamente.
A proposta era um casa sem cozinha; uma pequena sala e quartos sem corredor ligados por um pátio aberto. Então, a ideia era que essas casas não tivessem muito contato com a cidade, pra não gerar trânsito. A roupa e a louça seriam lavadas por profissionais da cidade e, teoricamente, seriam entregues por uma espécie de carrinho subterrâneo. As mulheres não ficariam presas às tarefas domésticas.
A perspectiva da diferença radicalizada é o conceito que o grupo tomou emprestado da teoria queer para pensar na arquitetura fora da norma, fora do padrão; para refletir sobre tudo o que é indefinido e não normativo na arquitetura e nas cidades. As questões envolvendo público e privado e o urbanismo também foram tema da conversa, em especial a sociabilidades dos grupos LGBTQIA+. Por não se sentirem seguros no espaço público, com medo da violência, esses grupos quase sempre recorreram aos espaços privados.
Historicamente os encontros de sociabilidade dos homens gays acontecem dentro das boates, da saunas, dos bares.
A cor e o ornamento na arquitetura, a herança dos modernistas e a aceitação da diferença a partir de novos paradigmas que não sejam o medo e a repulsa, também foram tópicos da conversa. O coletivo Arquitetura Bicha finalizou o encontro indicando leituras, filmes e séries para quem deseja se aprofundar no tema, que mostra caminhos potentes para a pesquisa, a reflexão e a construção de cidades mais diversas.