Lições climáticas das vilas flutuantes do Camboja

Este artigo foi originalmente publicado em Common Edge.

O Lago Tonle Sap é uma parte do sistema hídrico interno do Camboja que está conectado às florestas alagadas que purificam a água e protegem as comunidades de tempestades, um benefício importante, uma vez que as alterações climáticas tornam as condições meteorológicas extremas mais frequentes. Todo ano, de junho a novembro, o delta do Mekong invade o lago Tonle Sap, criando variações de até 10 metros na profundidade da água. Isso resulta no alagamento de edifícios em terra durante a estação chuvosa, que são então reformados e ocupados novamente após a recuada da água.

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Os 2.000 moradores da vila de Mechrey resolveram o problema de uma maneira diferente: criando uma vila flutuante que pode se deslocar de um lugar para outro. Cada pessoa, jovem e idosa, desempenha um papel nas demandas diárias e sazonais desta vida comunitária nômade. Como planejadores, muitas vezes nos concentramos nos domínios físicos e econômicos mais concretos da adaptação climática, mas há muito a aprender a partir do lado mais suave e elusivo do planejamento centrado na comunidade, onde as características culturais, sociais, educacionais e organizacionais da vida comunitária criam uma espécie de resiliência intrínseca.

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MORADIA 

A vila inteira é composta por construções que flutuam em jangadas de bambu ou tambores de metal, cada uma delas artesanalmente criada com seu próprio layout, estilo e cores distintas. Há poucas janelas e portas para abrir, já que a maioria do sono ocorre em redes, e todos os aspectos da vida pessoal e social, exceto por uma eventual manta pendurada, são expostos para a interação comunitária.

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EDUCAÇÃO

Como o ensino formal do jardim de infância ao 8º ano ocorre em uma fileira de prédios escolares flutuantes, fica evidente que a aprendizagem é um elemento muito mais visceral e integrado na vida comunitária. Uma das minhas observações favoritas veio ao olhar as crianças, que não parecem ser tratadas com o mesmo nível de exclusão que em outras culturas. Em vez disso, crianças de todas as idades parecem ser convidadas, e talvez até esperadas, para ajudar nas tarefas dos adultos, como pilotar barcos, onde parecem aprender enquanto participam. Eu observei com alguma apreensão quando um menino pequeno, cuja única forma de transporte era uma grande panela de metal, remava alegremente com as mãos nuas através das águas infestadas de cobras. Minha primeira reação foi a falsa suposição de que ninguém estava cuidando dessa criança, mas logo percebi que o que acontecia era provavelmente o oposto — na verdade, todos estavam cuidando dele.

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Aqui está um vídeo de sua jornada em um tubo: Menino do Camboja

TRANSPORTE

Existe apenas uma maneira de se locomover em Mechrey: de barco. Cada embarcação é equipada com um pequeno motor a gasolina e um sistema de hélice alongada projetado para funcionar com segurança e eficiência em várias profundidades.

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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 

A comunidade trabalha e sobrevive junta: nos bons momentos, com um cardápio de frutos do mar, e nos momentos difíceis, com proteína adicional proveniente do consumo de grilos, cobras, caracóis, escorpiões, centopeias, tarântulas e até casulos de borboletas. Alimentos adicionais são produzidos em fazendas flutuantes. A colheita, que em tempos abundantes também é vendida para gerar renda adicional, inclui itens como camarões, crocodilos e bagres. Vegetais também são cultivados e colhidos em estufas flutuantes.

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O PORTO

Outros suprimentos, como gasolina e blocos de gelo para refrigeração, são comprados em uma vila próxima em terra, transportados por tuk-tuk até um porto improvisado, onde são então transportados por barco por 2 quilômetros até a vila flutuante. Também localizado no porto, há um mercado improvisado de produtos do mar, onde os produtos das ilhas flutuantes são trocados por moeda cambojana.

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CULTURA

Um dos componentes mais cativantes da vida comunitária em Mechrey é a sua rica identidade cultural. Os únicos edifícios em terra na vila são uma pagoda budista e um crematório localizados em pequenas ilhas artificiais. Outras instalações culturais incluem uma igreja cristã flutuante e uma embarcação de refeições coreanas. E embora todas as crenças culturais e religiosas sejam reconhecidas e respeitadas, a dominante é o Budismo Teravada Cambojano, com suas visões divergentes de Buda, Dharma e Sangha. Aqui, os princípios centrais da cultura comunitária são representados pelos quatro rostos moderadores do Buda sorridente: Karuna (compaixão), Upekkha (equanimidade), Mudita (alegria com os outros) e Metta (bondade amorosa). Duas das poses de Buda mais populares no país são a do Buda pacífico "sem medo" e a pose "chamando a terra como testemunha", destinada a afastar as enchentes dos demônios.

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Assim como muitas das outras vilas em terra que visitei no Camboja, um espírito comunitário parecia permear Mechrey. Isso não é surpreendente, dado que a sobrevivência nessas condições difíceis significa que todos são, às vezes, pescadores, às vezes, pais, às vezes, cuidadores. Quando os recursos são limitados, as pessoas que trabalham juntas são sempre mais fortes do que uma pessoa trabalhando sozinha.

Mechrey é apenas uma das mais de 170 vilas flutuantes em todo o Camboja que abrigam um total de mais de 80.000 residentes. A maioria das vilas permanece estacionária durante a temporada de monções, mas se desloca para águas mais profundas durante a estação seca, quando os níveis de água estão significativamente mais baixos. Ao vivenciar isso em primeira mão, torna-se mais fácil entender por que todos devem compartilhar do mesmo conjunto de soluções centradas na comunidade para lidar com os impactos das mudanças nos padrões climáticos naturais.

E as más notícias não param por aí. Apenas no último mês, ficamos sabendo que a plataforma de gelo da Antártica Ocidental está em pior estado do que a maioria dos cientistas havia previsto, e que, se — ou, mais provavelmente, quando — ela entrar em colapso, terá um impacto global imediato com um aumento do nível do mar de 7 metros. No Sudão, as inundações estão causando grandes problemas em torno da insegurança alimentar; incêndios florestais estão surgindo na Virgínia, um estado não conhecido por tais eventos. A lista continua.

Então, tudo isso nos leva à pergunta: O que podemos aprender de países e comunidades menos desenvolvidos, de pensadores indígenas que entendem que a equanimidade e a alegria com os outros são ferramentas reais com as quais podemos enfrentar os desafios iminentes das mudanças climáticas? Que um compromisso com a compaixão e a bondade pode se revelar componentes críticos na lista de soluções de longo prazo?

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Sobre este autor
Cita: Bingler, Steven. "Lições climáticas das vilas flutuantes do Camboja" [Climate Lessons From the Floating Villages of Cambodia] 18 Dez 2023. ArchDaily Brasil. (Trad. Simões, Diogo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1010877/licoes-climaticas-das-vilas-flutuantes-do-camboja> ISSN 0719-8906

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