No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da sexta temporada, Sara conversa com os arquitetos Susana Leite e Luís Barbosa e Silva, do escritório Arquitectos Aliados, sobre o projeto para o Hotel Apartamento e Sala Espetáculos - M.OU.CO. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: O projecto sobre o qual vamos falar hoje é um projecto que se situa no Porto, em Campanhã. Mais do que um hotel, é um espaço que tem uma forte relação com a música. E, por isso, antes de falarmos sobre o projecto, desafiava-vos a partilharem a vossa relação com a música: que música é que ouvem, se tocam algum instrumento, se vão frequentemente a concertos, se ouvem música enquanto trabalham na arquitectura e se, em última instância, a música também influencia a vossa arquitectura. Esta pergunta é para os dois.
Susana Leite: A música é sempre uma parte muito importante da nossa vida e do nosso percurso também, enquanto arquitectos. Aqui – e falando da nossa equipa – entre nós os gostos são dos mais diversificados, sendo que vamos desde uma música dentro do jazz, uma música mais clássica, até aos elementos mais novos da nossa equipa que vão tendo outros gostos e com quem nós vamos aprendendo às vezes e vamos entrando noutro mundo.
A relação com a música vem só mesmo de apreciar, de gostar de ouvir. É um elemento essencial. Quando estamos a trabalhar, temos sempre música de fundo: uma música em que vamos entrando em consensos porque trabalhamos sempre num espírito muito de equipa e de diálogo. Não nos isolamos. Vamos partilhando gostos musicais e interagindo uns com os outros. A música faz sempre parte do nosso trabalho. Eu, pessoalmente, não toco nenhum instrumento. Gostaria de ter aprendido nos devidos tempos. Agora já estou um bocado velha para isso, para conseguir adquirir algumas novas experiências, mas gostamos imenso de música. E isto foi uma das coisas que – quando o cliente nos transmitiu e o projecto se desenvolveu para essa temática – nos apaixonou de imediato e a que nos dedicámos totalmente porque é um tema que apreciamos.
SN: Agora que a Susana estava a falar sobre esta questão da música e de como ficaram muito contentes quando o cliente vos disse sobre a vertente da música que o projecto tem, pergunto-vos se isto já era uma coisa [a considerar] desde o início, do primeiro contacto, ou foi algo que evoluiu, Luís.
Luís Barbosa e Silva: Efectivamente, isto evoluiu de forma estranha, por assim dizer, porque nós começamos a ajudar os clientes (que são dois sócios) a formalizar este programa. E, de todo, a música estava fora do âmbito do programa inicial... e até do alojamento enquanto hotel, mas a Susana se calhar pode desenvolver um pouco mais isso.
SN: Não era para ser um hotel?
SL: Não. Isto tem a ver com um percurso. Entre a ida inicial, a aquisição do terreno, até ao término do projecto passaram quatro ou cinco anos talvez, entre 2017 e 2021.
SN: Portanto houve muito tempo para pensar.
LBS: Não, até foi um processo relativamente rápido, desde a concepção do projecto até à obra.
SL: Se pensarmos que tivemos uma obra pelo meio...
LBS: E pandemia.
SL: Uma obra que, apesar de tudo, teve alguma complexidade.
SN: Sim, é uma obra muito grande.
SL: Tendo em conta o período pandémico, o timing até foi relativamente curto para este processo todo. Mas, no início, quando os clientes nos contactaram sobre a ideia que tinham para um terreno... contactaram-nos e disseram que estavam a adquirir um terreno naquela zona e que tinham todo o interesse em que nós fizéssemos um estudo e uma primeira abordagem até para ver o que poderia ser e qual a mais-valia também para aquela zona. O dono de obra da altura tinha uma ideia de fazer uma residência de estudantes. Não era de todo uma unidade hoteleira. Seria uma residência de estudantes que depois nos períodos do Verão em que a residência não tem a ocupação...
SN: Não está no activo.
SL: Em que a residência de estudantes, que não estaria no activo, pudesse ser ocupada a nível turístico. O foco inicial seria esse até porque era uma carência que se notava naquela zona. Apesar de tudo, temos ali as Belas Artes [da Universidade do Porto], temos alguns institutos, portanto [esta] seria [uma forma de] dar resposta a uma necessidade que temos neste momento no Porto e a nível nacional. Foi só mais tarde e já depois desta primeira abordagem de um estudo prévio – já numa fase mais avançada da concretização do projecto na Câmara Municipal do Porto, num licenciamento – que vem este input de ser inserida a música no projecto.
LBS: A par de uma residência artística que era onde gravitava toda essa ideia da música porque o cliente gostava muito de música e tinha a ideia de fazer um edifício com uma sala de espectáculos. Depois, no desenvolvimento destas conversas – até muitas vezes aqui no gabinete –, surgiu a possibilidade de juntar tudo: o alojamento (que na altura já estava a tender um pouco mais para o turístico porque eles tinham uma experiência muito no alojamento local) e depois conjugar com o tema de uma sala de espectáculos no mesmo espaço.
SN: Já agora, para quem ainda não teve a oportunidade de ir até ao Hotel M.Ou.Co., para quem nos está a ouvir, podem-nos explicar como é que é esta relação com a música? Agora o Luís estava a falar de uma sala de espectáculos, mas é muito mais do que uma sala de espectáculos esta relação que o hotel tem com a música.
SL: A determinada altura do processo, quando nos propõem o desafio de poder realizar uma sala de espectáculos, também na unidade hospitaleira que estávamos a realizar, nós achámos fantástico. Era uma ideia realmente inovadora.
SN: Muito arrojada, não é?
SL: Muito, muito arrojada e, portanto, foi um desafio que nós começámos logo a trabalhar com o cliente. Nós já tínhamos uma relação de trás com este cliente. Isso foi uma coisa muito boa porque já nos conhecíamos bem. Tínhamos já quatro ou cinco anos de relação noutros projectos ligados a alojamentos locais que eles estavam a desenvolver. E, portanto, tínhamos esta relação e alguma empatia que ajudava a que, no fundo, todas as ideias depois se fossem desenvolvendo nesta troca de comunicações, de sinergias, de inputs que iam surgindo de todos os lados.
Quando surge a hipótese de podermos tentar viabilizar a sala de espectáculos neste edifício, pusemos toda a equipa a trabalhar nesse sentido porque era um desafio muito grande até pela especificidade do sítio, da obra em si e por todas as condicionantes que tínhamos e de todas as exigências programáticas, pelo facto de termos um hotel com não sei com quantos quartos, com uma necessidade muito específica. [Questionávamo-nos] de como é que iríamos conseguir conjugar tudo isto. Quando começámos a desenvolver, em conversas que fomos tendo, surge esta ideia também de – em vez da sala de espectáculos ser uma sala estanque, que funciona só para o exterior, ou para o próprio cliente poder utilizar, mas como uma área do hotel estanque e autónoma – que o hotel [deveria] funcionar todo à volta deste tema e que houvesse esta relação entre o hotel e a sala de espectáculos. E então começámos a trabalhar no sentido de que o hotel poderia funcionar também como apoio à sala de espectáculos no sentido dos músicos poderem ficar lá alojados, com as salas de ensaio para os músicos trabalharem... estarem a preparar um espectáculo e ficarem lá alojados e irem ensaiando... As pessoas que gostam de música – que são admiradoras de música e que nunca tiveram oportunidade de experimentar, de estar e de ficar lá a dormir – [têm essa possibilidade de] escolher uma guitarra e ensaiar. Os próprios quartos têm essa relação com a música. Todos os quartos têm instaladas aparelhagens e leitores de vinis.
SN: Que giro!
SL: É! Foi uma ideia...
SN: Ou seja, isso foi até aos quartos. Não é só nestas zonas comuns que há esta relação com a música. Até os quartos permitem ensaiar. Isso é muito giro!
SL: Porque a ideia era essa. [Queríamos] que as pessoas entrassem em contacto directo com a música. [Não pretendíamos que o hotel] fosse aquele mundo aparte com dois programas autónomos, mas que os dois programas se fundissem e, portanto, as pessoas no quarto têm também essa oportunidade. Existe uma ludoteca logo na entrada do hotel, onde têm os seus vinis e as pessoas podem escolher o grupo que gostam, aquilo que gostariam de ouvir ou o que gostariam de conhecer, requisitam, levam para o quarto, podem ouvir no quarto, podem requisitar a guitarra e podem requisitar a sala de ensaios e ir testar e experimentar, ou até no próprio quarto. No próprio quarto podem testar e tocar se assim quiserem. Era um bocado [esse o objectivo]: haver essa relação e funcionar tudo em contínuo, não haver esta situação de espaços estanques para as pessoas poderem vivenciar essa experiência, assim como os próprios clientes do hotel.
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Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quinta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Alejandro Aravena
- Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez
- Tiago Rebelo de Andrade
- Marta Brandão e Mário Sousa
- Luís Tavares Pereira e Guiomar Rosa
- Francisco Aires Mateus
- Paulo Moreira
- Andreia Garcia
- Fátima Fernandes
- Helena Vieira e Pedro Ferreira
- aNC arquitectos
- Branco del Río, Arquitectos
- Ana Aragão
- fala atelier
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.