O último Salão de Restauro e Conservação de Ferrara, Itália, teve como um dos destaques os modelos em escada de algumas famosas residências paulistas das décadas de 50, 60 e 70. Ícones como a Casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, a Casa Masetti, de Paulo Mendes da Rocha, e outras criadas por arquitetos como Vilanova Artigas, Joaquim Guedes, Carlos Millan, Oswaldo Correa Gonçalves e Marcos Acayaba foram dissecadas pelos estudantes de Ferrara e depois recriadas em modelos digitais e maquetes para a mostra "Viver em Concreto".
A mostra flagra um possível interesse dos italianos, experientes na área de recuperação e restauro de edificações, no mercado brasileiro, onde diversas obras modernistas e brutalistas necessitam passar por restauros.
O estudo e a mostra dos alunos de Ferrara foram possíveis graças ao precioso livro "Residências em São Paulo: 1947-1975", feito pela arquiteta Marlene Milan Acayaba. Editada há quase 30 anos (1987), a obra virou raridade em sebos por um período e ganhou reedição fac-similar em 2011.
O volume traz fotos, desenhos técnicos com plantas e cortes, fichas e descrições de 43 residências construídas, além de textos analíticos. Tal documentação serviu de ponto de partida para uma espécie de arqueologia da arquitetura moderna de São Paulo.
O livro de Acayaba expõe o momento que engendrou um grande canteiro de obras experimental. Graças aos projetos privados de residências unifamiliares, custeados por uma parte da elite intelectual e econômica da cidade, os arquitetos puderam ensaiar suas ideias e criar espaços com grande liberdade, no período em que eram escassas as oportunidades de projetos de edifícios públicos.
Essas arquiteturas, de grande virtuosismo espacial e crueza material, não se preocupavam com sua posterior conservação. "Os arquitetos não pensavam em acabamento, nos materiais. Queriam fazer o espaço. E fizeram verdadeiras obras de arte", diz Acayaba.
A autora considera que hoje muitas dessas casas são insustentáveis. "São grandes, em terrenos caros, requerem muita manutenção e não se enquadram mais no modo de morar de hoje. Além disso, estão em bairros residenciais, que também não devem durar muito mais tempo numa cidade como São Paulo", diz.
“A verdade é que a arquitetura moderna já é antiga", afirma a autora.
Referência: Folha de S. Paulo.