Enquanto a noção de "tempo livre" é, por natureza, associada a escolhas individuais e estar momentaneamente "livre" em relação às demandas da vida cotidiana, a quantidade e qualidade de tempo que temos à nossa disposição está intimamente ligada às forças da cidade. Quando o congestionamento aumenta, a quantidade e qualidade de tempo livre dos moradores da cidade diminui. O congestionamento reduz as oportunidades das pessoas de construir amizades, diminui a energia para praticar hobbies fora do trabalho e esgota o tempo que as pessoas têm para viver, não se deslocar. Com as crescentes taxas de aquisição de automóveis contribuindo com o aumento dos congestionamentos, os prefeitos estão tomando medidas para inverter esta tendência – tanto em relação aos impactos sobre a qualidade de vida dos moradores como em relação ao custo econômico de permanecer parado no trânsito.
As cidades brasileiras de São Paulo e Belo Horizonte mostram que isso depende tanto das políticas municipais como de mudanças individuais. Deve-se modificar as estratégias de mobilidade centradas no automóvel, impulsionando o Brasil em direção a um futuro de mobilidade sustentável e alta qualidade de vida para seus habitantes urbanos.
Dois futuros possíveis, uma cidade
40% dos moradores de São Paulo possuem ao menos um automóvel. Embora este número seja menor do que em algumas cidades dos Estados Unidos, ainda é maior que na maioria das outras cidades latino-americanas; além disso, a infraestrutura de São Paulo não foi construída para acomodar um número tão grande de veículos particulares. Atualmente, a cidade está ponderando duas opções:
Pode-se criar mais ruas ou alargar ruas existentes, resolvendo temporariamente o problema de congestionamento, mas, literalmente, abrindo caminho para novos automóveis e, consequentemente, mais congestionamentos. Além disso, como a infraestrutura urbana normalmente dura décadas, esse padrão reforça a cultura do carro, fazendo com que seja mais difícil para cidade implantar opções de transporte sustentável em seu tecido urbano. Como a Rede de Pesquisa sobre Mobilidade Urbana de São Paulo evidenciou, parte de seus habitantes gasta um mês por ano no trânsito, ou 2,4 horas por dia. Conforme aumenta o número de carros, mais congestionamentos, e esse tempo no trânsito, por certo, só tende a crescer.
Priorizar o transporte coletivo mostra-se uma solução para esse dilema. Projetar linhas exclusivas para ônibus (que possuem capacidade para transportar 10 vezes mais pessoas do que o carro) é um primeiro passo significativo que a cidade já está buscando com os seus 374 km de pistas para BRT.
Mas a liderança de cima para baixo não é suficiente para completar a transição para a mobilidade sustentável; o apoio do público é vital para a criação de uma cidade verdadeiramente sustentável. Enquanto 93% dos brasileiros consideram o uso de transporte público, assim como caminhar e andar de bicicleta, 47% ainda acreditam que ter um carro é fundamental. Muitos estão tão acostumados a longos tempos de deslocamento - 52 minutos é considerado "rápido" em Curitiba - que se mostram satisfeitos com o status quo.
Mudança exige políticas e pessoas
O estudo do grupo de Mobilidade Urbana de São Paulo reflete o recente progresso e documenta a enormidade das tarefas que ainda estão pela frente. Esses desafios também estão presentes em Belo Horizonte, que inaugurou recentemente seu sistema MOVIMENTO BRT, com dois corredores já em operação. Ele integra uma rede de quatro corredores, cujo comprimento totaliza 23 quilômetros, e trouxe uma opção de mobilidade mais sustentável e acessível a muitos bairros.
Apesar disso, os habitantes de Belo Horizonte ainda perdem um dia por mês no trânsito e a tendência é aumentar. 33% dos entrevistados na pesquisa de Mobilidade Urbana disseram que mudaram seus hábitos de deslocamento nos últimos cinco anos. No entanto, 67% migraram do transporte público para o individual motorizado, enquanto que apenas 24% tomaram o caminho inverso.
Os prefeitos das cidades brasileiras poderiam começar a implementar políticas que promovam o desenvolvimento orientado para o transporte público (TOD), intensificando o desenvolvimento de infraestruturas de habitação, comércio e serviços em torno dos nós e corredores de transporte. Mas também precisam de um “empurrãozinho” dos cidadãos para que se lembrem da época em que ir e voltar do trabalho não consumia todo o seu tempo livre. Juntas, as decisões de transporte sustentáveis em nível pessoal e político podem fazer com que todos os habitantes voltem a desfrutarem das atividades de lazer e do ócio que ajudam a tornar a vida mais bela e rica.
Via The City Fix. Tradução Camilla Ghisleni, ArchDaily Brasil.