Arquivo de Álvaro Siza pode ser transferido para o Canadá

O arquivo de Álvaro Siza, cuja obra está exposta nas mais renomadas instituições culturais de todo o mundo, pode, em breve, ser transferido para o Centro Canadense de Arquitetura (Centre Canadien d’Architecture, CCA), em Montreal, uma das mais importantes instituições mundiais no campo da arquitetura.

O arquiteto confirmou nesta quarta-feira ao PÚBLICO estar “em conversações” com esta e outras instituições de diferentes países com o objetivo de “decidir o futuro a dar” aos seus arquivos. Mas recusou nomear as outras, e também não disse se entre elas se encontram entidades portuguesas.

Não posso avançar nada, porque ainda não decidi nada, nem sei quando é que isso vai ser decidido”, adiantou Siza.

A informação de que parte considerável do acervo do mais renomado arquiteto português, laureado do Pritzker em 1992, poderá vir a sair do país já corre, há algum tempo, nos meios da arquitetura, provocando o debate e alguma inquietação. Mas a informação permanece muito incompleta; a única certeza é que o autor do Pavilhão de Portugal buscará assegurar o melhor destino para os testemunhos de sua obra — desenhos, maquetas, fotografias e outros documentos —, procurando fora do país uma alternativa à falta de condições internas.

Pavilhão de Portugal na Expo 98. Imagem © Fernando Guerra | FG+SG

Nunca ninguém se preocupou com os meus arquivos e com a minha arquitetura; agora é que começam a fazer-me perguntas”, realçou Siza. “Tenho sido contatado por bastante gente. Estou a conversar e a analisar várias hipóteses, que podem dar desde nada a uma qualquer fundação como destino.”

Contatado pelo PÚBLICO, o CCA, através de sua assessoria de imprensa, não confirmou a negociação com o arquiteto português, alertando que ainda é muito cedo para afirmar um acordo. Caso a negociação termine bem, os arquivos de Siza farão companhia a documentos de outros grandes nomes da arquitetura mundial, como o norte-americano Peter Eisenman, o italiano Aldo Rossi ou o inglês James Stirling.

Ao divulgar a negociação da posse de seu arquivo, Siza manifestou descontentamento com a falta de atenção que sente em relação ao estado de alguns de seus edifícios em Portugal, como o já citado Pavilhão de Portugal, em Lisboa.

Um de seus projetos que não foi levado a cabo é a Casa da Arquitetura, que Siza projetou na década passada para a orla do rio Leça, em Matosinhos. “O projeto da Casa da Arquitetura acabou, foi anulado, nem sequer foi candidatado [a fundos comunitários]. É aquilo a que se pode chamar um arquivo morto”, lamenta Siza.

A associação Casa da Arquitetura, criada em 2007 também em Matosinhos, tem desde o início do mês de Julho um novo diretor executivo, Nuno Sampaio. Confrontado pelo PÚBLICO com a eventual saída dos arquivos do arquiteto da Casa de Chá da Boa Nova, o novo responsável diz que o projeto da Casa da Arquitetura não está abandonado, mas temporariamente estagnado.

Casa de Chá Boa Nova. Imagem © LeonL

Sobre a negociação que poderá levar os arquivos de Siza para o estrangeiro, Nuno Sampaio ressaltou que se deve respeitar a liberdade do arquiteto de fazer o que quiser com seus documentos.

Leia a seguir uma breve entrevista feita por Sérgio Andrade, do PÚBLICO, com Pedro Gadanho – curador de arquitetura contemporânea do MoMA – sobre a saída do acervo de Siza de Portugal.

Imagem capturada da entrevista com Pedro Gadanho realizada pelo ArchDaily em abril de 2013.

Como vê a possibilidade de o arquivo de Álvaro Siza sair do país?

"Após o escândalo e o despropósito da complicação jurídica que rodeou a saída de obras menores de um artista que nem sequer é português – Juan Miró –, considero espantosa a leveza com que se assume a potencial saída do país do arquivo do maior e mais internacional arquiteto português. Sem Siza, a arquitetura portuguesa do final do século XX não existiria para o mundo – como, de resto, se comprova pelo fato de este autor continuar a ser mais reconhecido fora que dentro do país. O problema da conservação do seu arquivo não é uma questão de vaidade pessoal, é uma questão de interesse nacional. Assim, a eventualidade que agora se coloca deve ser encarada como uma oportunidade: uma oportunidade para pensar que destino dar a toda uma cultura material – e não apenas o arquivo de Álvaro Siza –, que define um dos meios artísticos que, como o cinema e a música, é dos que mais tem oferecido relevância ao país no contexto cultural internacional. "

Em Portugal, que instituição deveria tentar adquirir e tratar o arquivo?

"Com tanto investimento em museus de arte em Portugal – e uma relevância tão reduzida da arte portuguesa num panorama mais abrangente –, é inconcebível que uma expressão maior como é a da arquitetura portuguesa não mereça no nosso país qualquer tipo de enquadramento institucional adequado. A questão do arquivo de Siza – como de outros que se seguirão ou o precedem – é uma oportunidade para desencadear um processo e um debate maior. Uma possibilidade que se apresenta é a criação de um museu de arquitetura, preferencialmente num edifício de Siza, como o abandonado Pavilhão de Portugal, em Lisboa, ou a muito improvável Casa da Arquitetura, em Matosinhos. A outra possibilidade, mais plausível e viável, é a criação de um Departamento de Arquitetura num museu existente, situação na qual, mais uma vez, a escolha indicada e inteligente recairia sobre outro edifício de Siza – um edifício que, por acaso, coincide também com o perfil museográfico ideal e a localização geográfica da escola de arquitetura que Siza originou: o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto."

O Centro Canadense de Arquitetura é um bom local para  acolher o acervo?

"Se o Estado português quer dar um tiro no pé, o CCA é uma instituição mais que adequada para recolher os destroços. Tem as condições e o savoir-faire para fazer uma excelente preservação do arquivo de Álvaro Siza para as gerações futuras. No entanto, seria mais interessante adotar e negociar uma situação de coaquisição entre o CCA e o sugerido museu ou departamento de arquitetura a ser criado em Portugal. Esta seria uma situação similar à que recentemente sucedeu com a aquisição do gigantesco arquivo de Frank Lloyd Wright, o qual, perante o valor astronômico da compra, foi partilhada entre o MoMA e a Avery Library, da Columbia University. Deste modo, documentos, maquetas e outros materiais foram distribuídos pelas duas instituições, de acordo com suas respectivas competências de conservação. Aproveitar o conhecimento acumulado e os frutos de uma colaboração com uma instituição como o CCA – também para iniciar o museu ou departamento de arquitetura comentados acima – seria a melhor forma de, mais uma vez, transformar este “problema” numa oportunidade."

Tanto o texto inicial como a entrevista foram retirados do PÚBLICO.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Arquivo de Álvaro Siza pode ser transferido para o Canadá" 17 Jul 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/624074/arquivo-de-alvaro-siza-pode-ser-transferido-para-o-canada> ISSN 0719-8906

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