A realização em Piracicaba do Arq.Futuro consolida a necessidade de levar o debate sobre o futuro das cidades para além do circuito das metrópoles brasileiras. Uma cidade de porte médio, como boa parte dos municípios brasileiros, Piracicaba abriga um conjunto importante de universidades e tem atraído empresas de grande porte. Ao mesmo passo, apresenta contínuo crescimento de renda e população, tendência também verificada em outros municípios pelo país.
No entanto, seu cenário se distingue no quadro nacional pela antecipação com que enfrentou desafios básicos de infraestrutura, tais como saneamento, coleta e tratamento de resíduos sólidos, limpeza e recuperação de seu principal rio, hoje (re)inserido na paisagem urbana na companhia de parques lineares adotados pela população. Em outras palavras, a cidade se diverte no rio. Enquanto muitas cidades tentam corrigir erros do passado com paliativos sobre um modelo urbano obsoleto, Piracicaba mostra que é possível se antecipar a situações críticas, estabelecendo paradigmas como planejamento de longo-prazo, gestão compartilhada e inovação tecnológica, temas que permearam as mesas de debate da edição piracicabana do “Arq.Futuro: A Cidade e a Água”, que, nos dias 4 e 5 de agosto, recebeu no palco do Teatro do Engenho 32 convidados, entre debatedores e moderadores.
O primeiro dia - Gestão das águas: recurso hídrico, tratamento de água e relação com espaços públicos
Em seu primeiro dia, o evento destacou a relação entre o espaço urbano e os recursos hídricos, tema abordado a partir de diferentes pontos de vista. A palestra inaugural coube ao advogado Vinícius Vargas, sócio do escritório Barros Pimentel, Alcântara Gil, Rodriguez e Vargas Advogados. Em sua apresentação, Vargas falou sobre como a água, recurso essencial à vida, é a grande ausente do ordenamento jurídico brasileiro. Após a explanação inicial, a programação seguiu com uma sequência de debates. A primeira mesa reuniu, sob a mediação da curadora doArq.Futuro, Laura Greenhalgh, o ex-presidente da Sabesp e hoje consultor e sócio-fundador da GO Associados, Gesner de Oliveira, e a gerente da área de meio ambiente do BNDES, Odette Lima Campos. A partir do tema “Recurso hídrico: como e onde investir”, Gesner fez um balanço realista sobre a gestão dos recursos hídricos no Brasil, salientando os inaceitáveis níveis de perda hídrica e desperdício, enquanto a representante do BNDES mostrou como o maior banco de fomento brasileiro tem se aproximado desse campo dividido entre infraestrutura e meio-ambiente, com programas e linhas de financiamento especiais.
O segundo fórum do dia partiu do mote “Gestão das águas, recuperação de rios e saneamento básico”, com destaque para o modelo de gestão compartilhada do Comitê PCJ (que abrange os rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí) e a eficácia dos pactos intermunicipais no destravamento da burocracia. Ao longo da discussão também foi possível confrontar a experiência da Parceria Público-Privada (PPP) que deu origem à empresa Águas do Mirante, em Piracicaba, com a experiência similar da empresa Águas do Porto, de Portugal, ambas fundamentais na conquista do índice de 100% de esgoto tratado nessas cidades. O debate seguinte, “Tratamento de Lixo: novas articulações entre o setor público e privado”, discutiu as articulações entre público e privado em todos os ciclos da coleta e tratamento de resíduos sólidos. Mais uma vez Piracicaba apareceu como exemplo de boas práticas, ressaltadas pelo secretário de Meio Ambiente do município, Rogério Vidal, em debate que contou com a participação de Claudia Orsini, analista da GO Associados, e moderação do advogado Fabricio Soler. A programação do primeiro dia doArq.Futuro em Piracicaba foi concluída com a mesa “Água e espaços públicos”, em que foram exibidos e relatados dois importantes projetos de arquitetura que incluem as águas como elemento estruturante: o Cais de Vitória, projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha com a Metro Arquitetos para a capital capixaba, cuja implantação vigorosa contrasta com a natureza do entorno; e o projeto do Molhes do Douro, do arquiteto português Carlos Prata, em que a área construída se funde harmoniosamente às águas do mar. Os empreendimentos foram apresentados, respectivamente, pelos arquitetos Martin Corullon, da Metro, e Carlos Prata, fundador do Gabinete de Arquitectura, na cidade do Porto.
O segundo dia - Uma visão mais ampla: planejamento urbano, política habitacional e soluções pela tecnologia
A agenda prossegue abrindo espaço para outros temas do urbanismo, como adensamento, espraiamento e política habitacional, temas que nortearam a primeira mesa do dia. A secretária nacional de Habitação, Inês Magalhães, focalizou as fases e os próximos desafios do programa Minha Casa Minha Vida. Além de mitigar o déficit habitacional, o programa reconhece que precisa investir em opções de trabalho, estudo e lazer nas áreas atendidas. O secretário de desenvolvimento urbano de São Paulo, Fernando de Mello Franco, comentou o Plano Diretor para a Cidade São Paulo, recentemente sancionado, e sua implementação a partir de agora. E o arquiteto e urbanista Lauro Pinotti, diretor-presidente do Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba, ressaltou como o plano diretor da cidade, em fase de debates, deverá ser um instrumento indispensável para nortear o processo de tomada de decisão em âmbito municipal. O fórum seguinte, “Patrimônio Histórico e valorização urbana”, moderado pelo museólogo Fábio Magalhães, trouxe ao público um leque de iniciativas exitosas: o professor Weber Amaral, da Esalq, apresentou o Projeto Monte Alegre, em torno do bairro piracicabano outrora habitado por trabalhadores de uma usina de açúcar; o engenheiro Ronaldo Ritti, da Concremat, ilustrou casos de recuperação patrimonial importantes, como o da Igreja de São Luís do Paraitinga, em São Paulo, destruída em enchente; e o presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washington Fajardo, apresentou projetos de recuperação concluídos e em curso, que estão transformando a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016, entre eles, a demolição da Perimetral, devolvendo a frente marítima para os cariocas, em longa faixa da orla. O Arq.Futuro assume, como um compromisso, envolver o poder municipal em seus seminários públicos. Por isso, organizamos a sessão “Conversa de Prefeitos”, com a participação dos chefes do Executivo em Piracicaba (Gabriel Ferrato), Limeira (Paulo Hadich), Araras (Nelson Brambilla) e Sorocaba (a vice-prefeita Edith Di Giorgi), com moderação do ex-prefeito de Maringá, Silvio Barros, engenheiro, ambientalista e responsável pelos bons índices de saneamento do município paranaense. O balanço da conversa foi considerado produtivo por todos os participantes, que deixaram de lado as filiações e compromissos político-partidários para salientar desafios comuns em gestão hídrica, bem como a necessidade de envolver o cidadão nos diferentes processos.
A edição piracicabana do Arq.Futuro encerrou os trabalhos com a mesa “Cidade e a Água: soluções pela tecnologia”, olhando para um futuro que já bate à porta do cidadão. Mediados por Giovanni Eldasi, do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP, os debatedores Carlo Ratti, diretor do Senseable City Lab do MIT, Pablo Cerdeira, responsável por modelos de gestão urbana em big data (Sala Pensar) adotados pela Prefeitura do Rio, e Pablo Larrieux, diretor do Centro de Inovação da Telefónica, puderam compor um mosaico de experiências que conduzem às “cidades sensitivas”, hoje já vistas como uma evolução em relação às smart cities. Cabe ressaltar a presença de universitários e jovens profissionais como a maioria do público presente à sessão final.
Texto por Equipe Arq.Futuro, publicado originalmente na página do Arq.Futuro.