No dia 23 de setembro, terça-feira da semana passada, teve início o fórum Arq. Futuro “A Cidade e a Água”. A abertura do evento contou com uma palestra de ninguém menos que Shigeru Ban, arquiteto japonês laureado com o Prêmio Pritzker deste ano. Além de Ban, a abertura contou também com apresentações de Tim Duggan e Lars Krückeberg, da fundação Make it Right criada pelo ator Brad Pitt.
Apesar da fala de Ban estar marcada para abrir o evento, um atraso de cinco horas em seu voo de Paris para São Paulo obrigou a uma mudança de planos, passando a Tim Duggan a responsabilidade de iniciar o fórum com uma palestra sobre estratégias de resiliência e acupuntura urbana empregadas na cidade de New Orleans após as inundações causadas pelo furacão Katrina em 2005.
Duggan também apresentou os projetos residenciais da Make it Right na Reserva Fort Peck, lar de mais de 6 mil americanos nativos; dos quais mais de 600 estão na lista de espera por uma casa. Os projetos desenvolvidos para a reserva são inspirados em princípios biomiméticos, terão classificação LEED Platina e foram concebidos através de consultas com as tribos Sioux e Assiniboine que habitam Fort Peck.
Lars Krückeberg, em seguida, apresentou um projeto desenvolvido por seu escritório GRAFT que, embora de pequena escala, tem um enorme impacto nas comunidades onde está instalado na Etiópia: o Solarkiosk. Trata-se, basicamente, de um quiosque multifuncional com painéis fotovoltaicos em sua cobertura. Uma vez instalado ele se transforma em um estabelecimento comercial resistente, acessível e compacto que oferece mercadorias, serviços, energia e ferramentas, podendo se expandir ou anexar a outros quiosques, agindo como um catalizador de transformações sociais nas comunidades onde está instalado. Originalmente implementadas em pequenos vilarejos sem acesso à energia elétrica na Etiópia, hoje essas estruturas já se encontram instaladas em pequenas cidades de diversos países africanos.
Finalizando a sessão de abertura do fórum Arq. Futuro, Shigeru Ban abordou sucintamente diversas obras de seu escritório, focando, sobretudo, nas técnicas construtivas empregadas em seus projetos e no uso de materiais não usuais em suas construções.
Os projetos apresentados por Ban poderiam ser divididos em duas categorias: obras de grande orçamento, em geral edificações maiores e realizadas para clientes privados, entre as quais se destacam o Nine Bridges Country Club, o Edifício Comercial Tamedia e o Centre Pompidou de Metz; e obras de caráter emergencial, desenvolvidas frequentemente em parceria com organizações não-governamentais, entre as quais se destaca a Catedral de Papelão na Nova Zelândia, as habitações pós-tsunami no Sri Lanka e o sistema de partições de papel empregados em Hiroshima.
Após a apresentação, a organização do fórum Arq.Futuro gentilmente nos permitiu participar da coletiva de imprensa com Shigueru Ban. Compartilhamos a seguir algumas das perguntas feitas por nós e pelos outros repórteres que também participaram da entrevista com o arquiteto.
Há algum conselho que você dá aos governos e autoridades sobre como ouvir as pessoas afetadas por desastres visando criar projetos melhores para esse público?
Eu faço meus projetos juntamente com organizações não governamentais, sempre busco trabalhar separadamente do governo, pois o governo tem seus próprios objetivos, e eu procuro fazer algumas abordagens que as autoridades não podem fazer. Mesmo em habitações temporárias, como no caso dos sistemas de partição no projeto do Japão, isso é algo que o governo nunca faz, mas é necessário. O governo não se importa com o conforto nas moradias temporárias, mas isso é necessário e importante.
Você iniciou um projeto na Amazônia, que tipo de materiais serão empregadas?
Madeira local. De árvores locais cortadas ilegalmente. Isso é a única coisa decidida até o momento, além disso não há nada mais decidido.
Já existe um programa?
É um centro de visitação e centro comunitário que tem como objetivo incentivar o desenvolvimento do ecoturismo.
Qual a localização do projeto?
Há diferentes locais, então fui chamado para projetar um protótipo que possa ser ajustado aos diferentes locais.
Você já sabe quando começará a trabalhar nesse projeto?
Ainda não sei. Era para ser ontem, mas foi adiado. Mas já estive no local, digo, na Amazônia, e vi as árvores cortadas ilegalmente que serão usadas no projeto.
Você planeja usar soluções construtivas locais no projeto?
O clima é importante. Costumo usar o que está disponível no local e soluções que respondam às necessidades climáticas. É por isso que sempre trabalho que arquitetos locais, então a arquitetura indígena local é uma colaboração importante. Eu tenho minhas próprias ideias, mas é interessante contar com a colaboração de arquitetos locais.
Suas estruturas de papel seriam adequadas ao Brasil, um país com níveis de umidade tão elevados?
O Japão tem níveis de umidade mais altos que o Brasil, e temos também muito mais desastres naturais que vocês aqui, então sim, essas estruturas podem ser adequadas apesar das dificuldades climáticas e ambientais.
Você esteve no Brasil três vezes, no Rio de Janeiro, na Amazônia e agora em São Paulo; de alguma forma a arquitetura brasileira ou algum arquiteto brasileiro te inspirou?
É claro que tenho que ir a Brasília para ver a obra de Oscar Niemeyer. Mas não é que eu tenha sido inspirado por ele, eu simplesmente tenho que ver sua arquitetura. Eu sempre me inspiro não na arquitetura, mas nas artes em geral.
Sua vida como arquiteto mudou desde que você ganhou o Prêmio Pritzker?
Sim, recebo mais pedidos para entrevistas como esta, e mais projetos. Especialmente nos EUA há muitas ofertas de empreendedores, mas tento evitar trabalhar muito com empreendedores.
Por quê?
Porque tenho menos interesse por construção comercial. Interesso-me mais por pequenas construções, elas são mais desafiadoras.
Quando você recebeu o Prêmio Pritzker você comentou sobre o interesse em continuar ouvindo os clientes. Qual a diferença entre ouvir as pessoas que sofreram com desastres naturais e o público muito rico que te contrata para construir casas? Há alguma diferença?
Tenho interesse por arquitetura de qualquer tamanho, seja grandes casas ou habitações temporárias, não interessa se eu projeto para pessoas ricas ou para vítimas de desastres naturais, minha abordagem é a mesma.
Mas como você ouve essas pessoas? Você conversa com elas?
Não construo para indivíduos; no caso das moradias temporárias, por exemplo, é um tipo de sistema, não posso projetar casas para cada um, tenho que encontrar uma solução comum para todos. Então o contexto é diferente de projetar casas para pessoas ricas, é um desafio diferente.
No Brasil, assim como em muitos outros países em desenvolvimento, o crescimento desenfreado das cidades gerou problemas como os assentamentos informais – as favelas. Você vê alguma relação entre os materiais e técnicas usadas nessas construções e as experimentações de seu próprio escritório?
Honestamente, ainda não conheço o Brasil tão bem. Vim aqui poucas vezes para palestras e isso não é o bastante. Vocês têm uma cultura tão profunda e interessante, estou certo de que o projeto na Amazônia será uma grande oportunidade para conhecer melhor seu país.
Qual foi o fato que te deixou mais feliz na sua vida profissional?
Quando vejo os rostos felizes das pessoas se mudando para minhas casas. Mesmo após projetar moradias temporárias, elas se mudam e ficam felizes, e eu fico muito contente de ver isso. Sempre fico ansioso para que elas se mudem e eu possa ver aqueles sorrisos.