O texto a seguir faz parte do jornal Homeland: News from Portugal, publicação que representa Portugal na 14ª Bienal de Veneza de 2014.
Ninguém duvida que, em grande medida, a modernidade do século XX foi trazida para a sala de estar através dos media. Claro, torradeiras e tapetes produzidos em massa proporcionaram um sentido de modernidade doméstica promovida por tecnologias cada vez mais acessíveis. Mas os jornais, o rádio e os televisores geraram a sensação de estar imerso na grande revolução que acontecia lá fora. Inspirando-se nos media populares, a série de Martha Rosler, "House Beautiful: Bringing the War Home" (1967-1972), deu a esta ideia uma pungente expressão visual. Se os jornais traziam para o lar os muitos e diversos conflitos e tensões da modernidade, as revistas de estilo de vida completavam o quadro com visões sedutoras de como se tornar, a si mesmo, e ao seu ambiente, "moderno.”
Por entre esta dialética doméstica, a arquitetura permeou os noticiários em qualquer momento e lugar em que a modernidade e os media se aliaram a um sentido particular de progresso. Em metrópoles modernas sofisticadas, como a Berlim e a Viena no início do século XX, a arquitetura fazia parte do debate cultural. Com pouca distinção entre meios especializados e jornais diários, reflexões sobre arquitetura por Siegfried Krakauer ou Adolf Loos entraram no âmbito doméstico com uma facilidade inesperada. Em Paris, Le Corbusier logo descobriria que compensava ser polémico, se não mesmo publicitário. Na América, construir cidades igualou-se a construir a nação e, ecoando o antropólogo Arjun Appadurai, os arquitetos foram tão heróis da produção quanto quaisquer outros. Arquitetos e edifícios apareciam frequentemente nos noticiários, se não nas capas de publicações como a revista Time.
Em países onde a modernidade chegou tardiamente, também a arquitetura teve uma receção tardia nos media. Mesmo que os arquitetos estivessem ativos em seus círculos, apenas tardiamente o seu alcance ultrapassava uma clientela esclarecida. Em Portugal, foi necessário uma revolução para a arquitetura realmente se tornar notícia. Mas quando a fez, foi em grande estilo. Enquanto perdurava um regime fascista de 40 anos, a arquitetura moderna foi remetida, juntamente com outras expressões culturais, às margens da resistência cultural e política. Após a revolução de 1974 e a União Europeia, no entanto, o país deleitou-se com a ideia de modernização, e assim a arquitetura e seus heróis internacionalmente reconhecidos entraram na esfera dos media quotidianos. Seja através de ideais de produção ou de consumo, a arquitetura chegou ao lar de um público muito mais amplo por meio de jornais como o Expresso, durante a década de 1980, e o Público, a partir da década de 1990.
A celebridade de arquitetos como Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura certamente contribuíram para a crescente presença da arquitetura portuguesa na imprensa local. No entanto, essa era apenas a ponta do iceberg de uma evolução que permitiu aos jornais finalmente assumir sua missão moderna e, assim, desempenhar um papel relevante tanto na disseminação quanto na discussão da arquitetura. Sem dúvida, a presença nos media refletiu o rápido crescimento de uma profissão que, repentinamente, se tornou moda – conforme, após permanecer estável por quase um século, o número de arquitetos registrados ter passado de 5.000 em 1990 para 25.000 em 2014. No entanto, o aparecimento da arquitetura em jornais também reiterou a associação do campo a noções de crescimento económico, progresso e a agitada reconstrução de uma identidade nacional ou cosmopolita. A arquitetura foi trazida ao lar em múltiplas expressões adequadas à típica topicalidade dos media: de arquitetos envolvidos em polémicas locais a edifícios em contextos de conflitos sociais, de realizações culturais a questões educacionais, de protagonistas conhecidos até aos novos e desconhecidos produtores do mercado imobiliário.
Em 2005, pouco depois de ter finalizado um estudo sobre a presença da arquitetura num grande jornal português, concluí que um momento pedagógico e comemorativo havia atingido seu auge. Mesmo que de forma diferida, a contribuição da arquitetura para o impulso da modernização havia sido devidamente absorvida. Com a crise de 2008, porém, as coisas estavam prestes a mudar. Em breve, a arquitetura estaria nos noticiários devido à paralização do desenvolvimento, a projetos embargados e ao aumento do desemprego. Talvez fosse a hora dos arquitetos abordarem os meios de comunicação em novas formas. Como sugeri no final da minha pesquisa, os arquitetos deveriam agora fazer notícia com a capacidade de expandir seu campo de ação, e a vontade de engajarem o poder da formação de opinião.
Hoje, "absorver a modernidade" soa demasiado como se os ideais modernos e progressistas tenham sido levados a evaporar-se no seio de uma qualquer realidade homogeneizadora. Ao mesmo tempo que a ascensão das classes médias modernas é declarada morta, uma nova Idade das Trevas parece alvorecer. Como outros profissionais do novo proletariado intelectual, os arquitetos deveriam confiar no seu conhecimento prático para avançar com ideias sobre como manter ou reconstruir uma sociedade em desmoronamento. E, como apontado por Jürgen Habermas, provavelmente não há ainda um lugar melhor para contribuir para a esfera pública do que os jornais. Particularmente agora, os arquitetos deveriam fazer notícia e esfera pública com mais do que formas vazias. Parafraseando Picasso, a pura produção de forma é intrinsecamente estúpida; qualquer cad-monkey a pode fazer. Mas mediar a forma com significado político, isso é o que faz do homem um animal moderno.