Em novembro deste ano o Fórum Nacional de Reforma Urbana elaborou uma carta destinada à Presidente Dilma Rousseff em que solicitava do governo atenção especial à questão urbana brasileira. Intitulada “Desafios para a política urbana e por um Ministério das Cidades comprometido com o direito à cidade”, a carta destaca alguns pontos centrais a serem abordados com maior cuidado pela presidência: mobilidade, moradia adequada, saneamento ambiental, educação, saúde, infraestrutura, espaços públicos, mobiliário urbano e serviços públicos.
O texto resgata a criação do Ministério das Cidades, do primeiro ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e seu papel estratégico no que diz respeito ao planejamento urbano. O movimento defende que a pauta urbana é uma questão urgente ligada diretamente à garantia do bem-estar da população brasileira.
Por fim, as entidades e movimentos sociais defendem o reconhecimento e o fortalecimento institucional do Ministério das Cidades e que a escolha do próximo Ministro das Cidades, bem como daqueles que formarão sua equipe mais próxima, não seja um mero instrumento para contemplar grupos partidários na composição do governo, citando Inácio Arruda, Nabil Bonduki, Olívio Dutra, Raquel Rolnik e Zezéu Ribeiro como alguns nomes alinhados à plataforma de reforma urbana.
Leia a carta na íntegra, a seguir:
Carta à Presidente da República Federativa do Brasil: Desafios para a política urbana e por um ministério das cidades comprometido com o direito à cidade
Excelentíssima Senhora Dilma Vana Rousseff
Prezada Presidente,
Essa carta, assinada por entidades, movimentos sociais, juristas, planejadores, pesquisadores e demais profissionais que atuam com a temática urbana, tem por objetivo solicitar uma atenção especial à questão urbana brasileira, diante do real e crescente descontentamento com a pouca ou nenhuma qualidade da vida nas cidades, tendo como pontos centrais: mobilidade, moradia adequada, saneamento ambiental, educação, saúde, infraestrutura, espaços públicos, mobiliário urbano e serviços públicos.
O Ministério das Cidades, criado no primeiro ano de Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, representou um marco fundamental na condução da política urbana brasileira na medida em que buscou superar o tratamento fragmentado da habitação, do saneamento e da mobilidade para integrá-los levando em consideração os processos de ocupação do território. Portanto, o Ministério das Cidades teve e tem uma função essencial de aglutinar todas as demandas de política pública, planejamento e planos urbanos, a partir do que prevê a Constituição Federal, no que se refere às competências de cada ente federativo, e as legislações infraconstitucionais, em especial a Lei 10.257/2001 - Estatuto da Cidade.
O papel do Ministério das Cidades, quando da sua criação, foi fundamental para por na pauta dos municípios a criação e a materialização de uma agenda envolvendo o (re)planejamento do território das cidades, norteado pelo dever de elaboração do Plano Diretor Municipal sob os princípios das funções sociais da cidade e da propriedade, da gestão democrática e do desenvolvimento equitativo e sustentável.
A questão urbana é, pois, uma das mais importantes pautas a serem tratadas na agenda pública do governo brasileiro. Para que seja possível dar atendimento às demandas que a população brasileira tem solicitado é preciso entender que cidade não é somente um tema de politica social e/ou infraestrutura para o desenvolvimento. As cidades também são, e cada vez mais, parte da própria questão econômica de um país que, no caso do Brasil, está atrelado à significativa desigualdade socioeconômica.
Assim sendo, para a construção de uma agenda pública que assegure o direito à cidade, deve-se compreender que:
1) As relações e disputas capital-trabalho se dão na cidade e pela cidade. Cidade que não é mais apenas o local da produção econômica capitalista, mas que é também, e cada vez mais, o objeto dessa produção econômica, agora em um mundo globalizado - e assim disputada por velhos e novos atores de velhos e novos mercados e sub-mercados imobiliários. O Estado é o mediador e regulador dessas relações, promovendo desenvolvimento e planejamento, devendo impedir que a ocupação da cidade continue a ocorrer de maneira excludente;
2) A submissão das cidades aos critérios meramente econômicos do mercado global, configurando-se como mercadoria, é incompatível com a garantia do direito às cidades justas, sustentáveis e democráticas assegurado pelo Estatuto da Cidade;
3) Sendo a pauta urbana uma questão urgente e ligada diretamente à garantia do bem-estar da população brasileira, necessita ser tratada de maneira firme, incisiva, democrática e efetiva envolvendo em especial o movimento da reforma urbana, composto por atores sociais e especialistas das mais diversas áreas que se dedicam ao estudo e ações pela e para a cidade;
4) A reforma urbana democrática passa por incluir novos atores sociais como a juventude, os movimentos culturais e sociais urbanos que foram às ruas em junho de 2013 reivindicando que as condições de vida urbana sejam adequadas e dignas;
5) A política urbana deve ter foco na melhoria da qualidade de vida das pessoas, com atenção para a implantação de infraestrutura e equipamentos públicos nas periferias urbanas; a ampliação dos espaços públicos para fins culturais e de lazer; a desconcentração e diversificação das atividade econômicas geradoras de trabalho e renda; a ampliação do acesso e melhoria do transporte público urbano; a melhoria dos serviços de saúde; o enfrentamento da concentração fundiária e a efetivação da função social da posse e da propriedade; a integração entre a política habitacional e o planejamento das cidades;
6) É necessária uma reforma política que passe pela consolidação das formas de governança e gestão democráticas e participativas nas cidades;
7) As instâncias participativas na gestão da política urbana, em particular o Conselho das Cidades e o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, são estratégicas para assegurar a eficácia e a efetividade da política urbana.
Sob essa perspectiva, o Ministério das Cidades, órgão do governo federal específico para elaboração e execução de políticas públicas, tem um papel crucial para o aprimoramento do Estado Social brasileiro – já que o país agrega 85% (oitenta e cinco por cento) das pessoas vivendo em cidades. Assim sendo, necessitamos de um Ministério das Cidades que tenha uma composição de quadros políticos e técnicos comprometidos com a promoção de uma plataforma de reforma urbana voltada ao desenvolvimento de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis.
É fundamental que o Ministério das Cidades tenha capacidade de mobilizar, sensibilizar e atuar junto aos governos dos Estados e Municípios e aos diversos segmentos da sociedade civil, em especial os movimentos sociais, em prol da dignidade humana, da igualdade, da cidadania e da justiça social em nossas cidades.
Defendemos o reconhecimento e o fortalecimento institucional do Ministério das Cidades para coordenar e executar de forma integrada as políticas de planejamento e ordenamento territorial, de habitação, de saneamento ambiental e de mobilidade urbana com os demais Ministérios, órgãos e instituições públicas; para fazer uma interlocução com o Congresso Nacional sobre as pautas urbanas; e com o Poder Judiciário em relação aos conflitos fundiários urbanos.
É nesse sentido que esse pleito caminha: que a escolha do próximo Ministro das Cidades, bem como daqueles que formarão sua equipe mais próxima, não seja um mero instrumento para contemplar grupos partidários na composição do governo. Defendemos que essa escolha seja motivada pelo compromisso com a plataforma da reforma urbana e pelo histórico de ação firme e permanente na busca por cidades mais justas, democráticas e equilibradas.
Brasil, 06 de novembro de 2014