Aberta ao público ontem, 10 de março, a maior retrospectiva da obra de Marina Abramović já realizada na América do Sul – “Terra Comunal” – permanecerá aberta até 10 de maio no Sesc Pompéia.
A exposição é dividida e duas partes, sendo uma dedicada à retrospectiva da carreira de Abramović e outra à maior experiência aplicada pelo Marina Abramovic Institute (MAI), e esteve a cargo do escritório paulistano METRO, que teve a complexa tarefa de transformar temporariamente o espaço polifônico do Sesc Pompéia em um museu.
A escolha da icônica obra de Lina não é gratuita, a artista de performance se mostrou impressionada com o conjunto – que consiste na requalificação de uma antiga fábrica de tambores de óleo e dois novos prismas de concreto aparente conectados por passarelas – e manifestou publicamente sua empatia pela atmosfera e pelas “energias” do lugar.
No último dia 9, a equipe do ArchDaily Brasil foi convidada a participar da abertura para a imprensa, ocasião na qual teve a oportunidade de conversar com o arquiteto Gustavo Cedroni, sócio do METRO e um dos responsáveis pelo projeto expográfico de Terra Comunal.
Leia a seguir a conversa com o arquiteto:
Bom, acho que a principal questão do projeto - e desde que a gente fez a primeira visita com a Marina ela teve uma leitura do espaço muito boa, que é um pouco o que ela já comentou – é que não se trata de um espaço expositivo somente, não é uma caixa fechada. Então ela entendeu que há diversas outras atividades acontecendo aqui além da arte, muitas vezes. Aí, o que procuramos fazer foi criar elementos que abrigassem toda a obra dela, que é composta por componentes difíceis, pois são projeções, sons... uma série de coisas que requerem fechamentos, digamos assim. Então [o desafio] foi conciliar tudo isso com o espaço do Sesc, conciliar esse espaço museológico com os diversos usos que acontecem aqui, que são diversos.
Então o que a gente propôs foi a criação dessas duas grandes paredes que definem bem o espaço expositivo: de um lado acontece o Método [Abramović] e do outro a retrospectiva. Elas são soltas do chão e também não tocam o teto.
A ideia de erguer as paredes do chão tem alguma relação com o Sesc agora ser tombado, ou em manter a continuidade do “rio” interno?
Não, essa ideia não tem a ver com o tombamento, na verdade era uma intenção de projeto; proporcionar uma leitura contínua do piso e da cobertura.
No discurso da Marina ela comenta isso, do Sesc ser um espaço mágico, então o espaço expositivo teria que ser diferente, o público viria para se ver - pessoas vendo pessoas -, então isso vem desde o princípio, e chegou a ser mais desafiador, acredito, que criar uma expografia que é um cenário dentro de um museu...
Exato. Então, além disso, queríamos marcar bem o que é expositivo e o que é o edifício existente. Assim, todos os elementos museológicos são paredes brancas versus o concreto, a pedra no chão, a telha, o tijolo, então tudo isso está íntegro e aparente, convivendo com a obra dela.
Ela participou ativamente do processo?
Muito! Fizemos uma primeira visita aqui, onde discutimos algumas coisas, depois fomos à Nova Iorque para debater outros tópicos e mostrar algumas ideias, e depois tivemos alguns outros encontros aqui, então ela participou do início ao fim.
Uma relação tranquila, então.
Ela tem uma agenda difícil e esse status de grande artista, com todas as implicações que isso traz, mas quando ela está presente é excepcional, pois ela tem um repertório incrível e oferece uma leitura do espaço, do projeto e das necessidades que é excelente.
Como aconteceu o contato inicial com ela?
Foi aqui. A primeira fez que a gente se viu foi muito legal, pois estava chovendo absurdamente aqui no Sesc, uma tempestade, e aí eu brinquei com ela semana passada - pois ela veio aqui em dois dias de tempestade - então eu falei: “toda vez que você vem cai o mundo aqui”. E a gente ficou circulando pelo espaço, especulando algumas possibilidades do que ela poderia trazer, o que ela queria fazer aqui. Então um pouco da ideia, quando ela fala de uma fábrica, é transformar o Sesc, pegar todas as potencialidades que tem o Sesc Pompéia e reconfigurá-las, transformá-las em arte.
Então as performances soltas também são casualmente pensadas para isso, enfim, o fluxo, a fluidez a partir da qual foi pensada a exposição, sem cantos mortos, você entra e sai por lugares diferentes... toda a parte expositiva não tem barreiras, nem fechamentos, está tudo completamente integrado ao edifício.
Saindo agora da coletiva de imprensa, percebemos que a artista espera do Marina Abramović Institute (MAI) algo semelhante ao Sesc Pompéia, um lugar onde diferentes públicos e atividades coexistam.
Acho que ela tem muito claro o que ela quer com o Instituto, e aqui, o que é interessante é que o Método havia sido feito anteriormente com apenas seis pessoas por vez, e agora são 98. Então essa escala é novidade para ela. Colocar 98 pessoas no mesmo lugar exige uma logística; por onde entrar, como ensinar o Método, como é o fluxo de um exercício para o outro, como sair, enfim, diversas coisas que ela nunca teve que lidar e que nós discutimos muito. E a escala da exposição também é grande para ela, é uma retrospectiva enorme.
Voltando à questão expográfica, o METRO está encarregado também da expografia do MASP, ambos são projetos da Lina [Bo Bardi]. Como vocês abordam a diferença entre criar uma expografia para o Sesc e outra para um museu que já tem todo um projeto expográfico pensado pela própria Lina? Como vocês lidam com esses dois projetos diferentes?
Interessante, porque nos dois lugares fizemos quase que uma residência. Ficamos mais de uma semana com o escritório montado aqui, durante o desenvolvimento do projeto, para justamente poder entender o funcionamento, o Sesc de manhã, de tarde, à noite, final de semana, e foi incrível, até porque estávamos no espaço vendo uma série de interferências. E lá no MASP é a mesma coisa, estamos com um escritório montado lá.
O processo nesses dois lugares é muito diferente, pois lá é um espaço pensado para ser museu e aqui é um espaço adaptado. Então acho que aqui foi um processo de aprendizado do uso, os diversos usos são muito presentes aqui, eles definem muito os espaços e definiram muito a expografia. Já no MASP, acho que a grande questão é voltar a ser o espaço original pensado pela Lina. Então estamos realizando quase que um trabalho de arqueologia, essa é a palavra, estamos retirando coisas para que os espaços expositivos voltem a ser espaços expositivos, estamos revendo a iluminação e tudo o que é ligado à expografia, e a gente achou coisas muito interessantes também, exposições da Lina que nunca haviam sido realizadas e que reproduziremos agora.
Lá, então, o trabalho é muito mais estrutural, profundo?
Sim, lá vai durar pelo menos um ano. Estão previstas três exposições este ano e é um trabalho em processo mesmo: ir lá, discutir com todo mundo e fazer, ou seja, é um plano feito com a ajuda de muitas pessoas.
Voltando para o Sesc, esse material que está sendo exposto - as pedras, cristais – é próprio da Marina, ou vocês buscaram de acordo com o desejo da artista?
Isso é tudo da Marina, ela já tinha esse material. Já o mobiliário é todo novo, foi desenhado por ela e pelo Willian [Zarella], um designer brasileiro, e nós planejamos a disposição de todos os móveis. Já os transitory objects são peças antigas dela.
Da expografia, as informações mais técnicas e interessantes são que essas duas paredes brancas são uma estrutura metálica gigante que se prolonga entre os pilares, e desse lado aqui [que define a retrospectiva, em oposição ao lado onde ocorre o Método Abramović] é uma maior ainda, uma grande treliça, que se apoia sobre essas caixas de concreto e vence um grande vão.
Uma vez definida a espacialidade, pensamos em dois sistemas: essas paredes elevadas, que são compostas por estruturas metálicas e painéis de MDF com sarrafos; e os painéis autoportantes, pré-fabricados em galpões e só montados aqui, que também são de chapas de MDF estruturadas por sarrafos. Então tudo foi executado fora e apenas montado aqui.
Quanto tempo levou a montagem?
O processo levou duas semanas.
Com o Sesc funcionando?
Com o Sesc funcionando. Foi bastante intenso. A ideia era intervir o mínimo possível, tanto no uso quanto na espacialidade do edifício, e marcar bem o que é novo e o que é preexistente, criando o mínimo de paredes e abrindo ao máximo a exposição para a o edifício da Lina.
CRÉDITOS DO PROJETO EXPOGRÁFICO
METRO ARQUITETOS ASSOCIADOS
Martin Corullon
Gustavo Cedroni
Helena Cavalheiro
Juliana Ziebell
Marina Pereira
Luis Tavares
Marina Cecchi