Este texto, escrito por Ícaro Vilaça e Paula Constante, integra uma série de artigos a respeito das principais experiências desenvolvidas pela assessoria técnica USINA CTAH, que completa 25 anos em junho de 2015. Publicaremos até a data dois artigos semanais que contarão, a partir da perspectiva de alguns projetos selecionados, a história do grupo.
Em 1992, a USINA foi convidada pelo Movimento Sem Terra Leste 1 (MST Leste 1) a acompanhar um novo grupo de famílias que haviam conquistado da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Governo do Estado de São Paulo (CDHU) a doação de uma gleba terras ao lado do Mutirão 26 de Julho – primeira experiência da USINA com o movimento – e o financiamento para a construção, por mutirão e com autogestão, de um conjunto com 160 unidades habitacionais e um centro comunitário.
Esta conquista foi resultado de um intenso processo de luta por parte dos movimentos de moradia da Zona Leste de São Paulo e envolveu a realização de diversas ocupações na região – algumas delas retiradas violentamente pela Polícia Militar. A viabilização do Mutirão União da Juta foi uma conquista expressiva dos sem-teto perante o Governo do Estado de São Paulo – para o qual se voltaram as pressões dos movimentos de moradia com o fim da Gestão Erundina (1989-1992) na Prefeitura de São Paulo.
Nesse contexto, a relação dos sem-teto com a CDHU foi permeada por tensões do início ao fim do processo. Exaustas depois de anos de negociações e reuniões, as famílias decidiram entrar no terreno e começar as obras antes mesmo da liberação dos recursos e sem qualquer autorização para tal.
Com isso, as obras do Mutirão União da Juta foram iniciadas ainda em 1992 – momento em que o país vivia um período de grande instabilidade econômica. A criação do Plano Real, em 1993, também prejudicou a Associação, que acabou ficando deficitária por conta das conversões.
Depois de muitos atrasos na liberação dos recursos e conflitos de toda ordem com a CDHU, o Mutirão União da Juta foi finalmente inaugurado em junho de 1998, seis anos após o início dos trabalhos.
Em relação a outros processos desenvolvidos pela USINA, um dos aspectos mais marcantes do Mutirão União da Juta foi a construção antecipada do centro comunitário – que durante a obra funcionou como sede do canteiro e creche. Com o fim das obras, manteve-se a creche (que passou a funcionar por meio de um convênio com a Prefeitura) e os outros espaços foram utilizados para a instalação de uma padaria comunitária, biblioteca, salas para cursos de formação para os jovens e uma capela.
Tendo sido realizado depois de várias experiências importantes para a USINA, o projeto para o Mutirão União da Juta incorpora diversos avanços em função das reflexões e aprendizados que já haviam sido acumulados pelos arquitetos da Assessoria em seus primeiros anos.
Do Mutirão Cazuza (Diadema - SP), o projeto assimilou a utilização de blocos cerâmicos autoportantes que, além de garantirem uma construção de qualidade, dispensavam o uso de vigas e pilares – de execução complexa e dispendiosa – e também o revestimento da fachada – caro e inseguro de fazer, com seus andaimes altos e precários. Do COPROMO (Osasco - SP), o projeto para a União da Juta incorporou a utilização das escadas em estrutura metálica – erguidas logo após a execução das fundações –, que permitiam o transporte seguro de pessoas e materiais, além de fornecerem prumo e nível para as edificações.
Outro aspecto importante do projeto desenvolvido pela USINA junto aos mutirantes foi a adoção de três tipologias distintas de apartamentos – todas com dois dormitórios e áreas entre 63 e 68 m2 –, por meio das quais se procurou atender às necessidades das diferentes famílias.
Esta variedade de tipologias para as unidades habitacionais também favoreceu a criação de espaços de convivência associados à circulação vertical que – diferentemente do COPROMO –, se situavam num nível intermediário entre os diversos pavimentos das edificações, garantindo mais privacidade para os moradores.
Por terem sido bem recebidas, as tipologias pensadas para o Mutirão União da Juta acabaram sendo utilizadas em outro mutirão organizado pelo Movimento Sem Terra Leste 1. Este novo conjunto – também construído na Fazenda da Juta –, recebeu o nome de "Mutirão Juta Nova Esperança" e foi inaugurado em 1999.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MIAGUSKO, Edson. Movimentos de moradia e sem-teto em São Paulo: experiências no contexto do desmanche. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia ‒ FFLCH USP, São Paulo, 2008.
FICHA TÉCNICA DO PROJETO
Local:
- Fazenda da Juta, São Mateus, São Paulo – SP
Linha do tempo:
- 1992 – Negociação/ Projeto
- 1992 a 1998 – Construção
Agente organizador:
- Associação de Construção União da Juta, filiada ao Movimento Sem Terra Leste 1, por sua vez vinculado à União dos Movimentos de Moradia - UMM
Agente financiador:
- Projeto: Início dos trabalhos com recursos dos próprios associados e desenvolvimento com recursos do Governo do Estado de São Paulo – CDHU
- Terra/ construção: Governo do Estado de São Paulo – CDHU
Atividades desenvolvidas pela USINA:
- Assessoria na discussão e elaboração dos projetos
- Apoio no encaminhamento dos processos de financiamento junto ao Governo do Estado
- Organização das atividades de canteiro e gestão da obra
- Acompanhamento e fiscalização da obra de construção em mutirão e por autogestão
Escopo do projeto:
- Projeto de urbanização e arquitetura com 20 edifícios de 4 andares – três tipologias distintas, em alvenaria cerâmica estrutural e escadas de aço – e um centro comunitário, que durante a obra funcionou como edifício de canteiro de obras e creche. Neste edifício funcionam hoje, além da creche, uma padaria comunitária, uma biblioteca, salas para formações e uma capela.
- Desenvolvimento de Estudo Preliminar para Centro Educacional e de Centro de Lazer.
Equipe:
- Arquitetura e Urbanismo: Érica Diogo, João Marcos de A. Lopes, Mário Luís Braga e Wagner Germano
- Fundações e Estrutura: Irani Braga Ramos e Yopanan Rebello
- Obra: Érica Diogo, Irani Braga Ramos, Joana da Silva Barros e João Marcos de A. Lopes
- Trabalho Social: Maria José Oliveira, Priscila Bocchi e Sandra Sawaia
- Apoio Jurídico: Evangelina Pinho
- Informática: José Renato Braga e Sérgio Mancini
- Urbanismo: José Correa do Prado Neto
Principais interlocutores:
- Lideranças: Waldir e Isabel
- Mestre-de-obras: Benedito, Ataíde e Joilson
Tipo de canteiro:
- Mutirão autogerido com mão-de-obra assalariada complementar
Técnicas construtivas:
- Alvenaria de blocos cerâmicos autoportantes e escadas em estrutura metálica independente
Famílias: 160