O segundo dia do Fórum internacional de Arquitetura e Urbanismo começou na manhã desta terça feira com um evento especial aberto ao público: Debates & Provocações reuniu os arquitetos Jaime Lerner, Alejandro Aravena e Gustavo Penna, e teve mediação de Marcelo Moura, editor da revista ÉPOCA. Durante a tarde, o Rio Academy prosseguiu com conferências de Jaime Lerner, Giancarlo Mazzanti, Reinier de Graaf, Elizabeth e Christian de Portzamparc.
O tema da discussão durante a manhã foi a redução do espaço dos carros, em favor de ciclovias e calçadas mais largas, abordando temas como a extrema valorização dos carros nas cidades contemporâneas e sua grande dependência neste modal. Alejandro Aravena, por exemplo, destacou que parte dos problemas de mobilidade urbana são causados pelas grandes distâncias entre moradia e trabalho, falta de qualidade nos transportes públicos e incentivos ao transporte individual, como muitos estacionamentos. Também foram apontadas questões em relação ao contato entre pedestres, que pode tornar a convivência na cidade mais rica, reconstruindo a humanidade neste ambiente urbano.
A tarde começou com a conferência de Jaime Lerner, célebre ex-prefeito de Curitiba, que defendeu que as cidades têm que ser solidárias. Segundo ele, “a revolução se dá na diminuição da escala dos geradores de emprego, isso que faz com que as pessoas possam vir a morar mais perto do trabalho, isso vai fazer a diferença. Este avanço ajuda a melhorar a qualidade de vida das cidades”. Mostrou exemplos de projetos realizados em sua gestão de administrador público como zoneamento e a implementação do primeiro BRT do mundo, em Curitiba, que atualmente transporta quase a mesma quantidade de pessoas que o metrô de Londres, o mais antigo do mundo. Para Curitiba, onde há mais oferta de transporte público é onde há mais densidade, defendendo que as soluções não são apenas em relação ao transporte, mas sim uma visão integrada de transporte e cidade, onde os transportes são inteligentes, independente do modal. Apresentou projetos de seu escritório para as cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Mazatlan (México) e ainda para cidades da Angola, onde defendeu que a chave para o bom funcionamento de uma cidade está na articulação da mobilidade, sustentabilidade e a sócio-diversidade.
O segundo palestrante da tarde foi Giancarlo Mazzanti, responsável por importantes projetos na reestruturação urbana de Medellin, entre elas a notável Biblioteca Parque Espanha. Em seu discurso, arquiteto colombiano incentivou jovens arquitetos a participarem do máximo de concursos que conseguirem, uma vez que 90% dos trabalhos de seu escritório são frutos de concurso público, argumentando que esta é uma excelente oportunidade de realizar grandes obras, conquistar seu espaço na arquitetura e ainda poder realizar uma crítica ao sistema. Apresentou diversos projetos realizados por sua equipe em comunidades da Colômbia que são a força motriz capaz de promover processos e transformações urbanas significativas. Para ele, arquitetura é ação, um mecanismo de educação: “É uma forma e um espaço que pode e deve propiciar formas de vizinhança e interação social. Arquitetura está relacionada a um interesse de função social, e principalmente em nossa realidade de América Latina, pode servir de catalisador de uma nova arquitetura, capaz de produzir mudanças em termos sociais e de comportamento”, explica.
O arquiteto Reinier de Graaf apresentou sua conferência representando o escritório AMO, a empresa think tank de OMA, um escritório com uma enorme diversidade de pessoas, de diferentes países e diferentes realidades, propiciando muito diálogo e conversas horizontais para uma produção cada vez mais heterogênea e produtiva. Em seu discurso, abordou a história e os diversos questionamentos das metrópoles mundiais, com dados precisos sobre o crescimento acelerado de polos urbanos que possuem economia superior a muitos países, por exemplo. Destacou a questão da informalidade e ilegalidade de uma grande parcela da população mundial: apenas nos Estados Unidos já somam 12 milhões de imigrantes, que vivem e trabalham na ilegalidade, ou seja, à parte dos dados demográficos oficiais e portanto, das políticas sociais e urbanas. Segundo ele, as previsões não são muito otimistas: em 2030, 65% da população mundial estará trabalhando na informalidade, gerando um mercado negro com economia superior às economias formais dos EUA e China somadas. Criticou a grande disparidade sobretudo dos países em desenvolvimento em relação à desigualdade social. Apontou o declínio de cidades que já foram muito prósperas, como Detroit e como esta dependia de uma indústria não diversificada, e os problemas do surgimento das cidades denominadas Gigacities, como a região metropolitana ao entorno de capital chinesa que já soma 130 milhões de habitantes.
A brasileira radicada em Paris Elizabeth de Portzamparc estabeleceu relações entre cidades de países desenvolvidos e emergentes, defendendo que independente da economia, seremos conhecidos como a sociedade do lixo, com uma economia global voltada para o consumo, e portanto, para a vida curta de nossos produtos e a quantidade de resíduos que produzimos, problemas comuns à todas as cidades. Apontou que na região de La Defense na capital francesa, cinco entre sete torres estão vazias pois não estão mais adequadas para uso, edifícios que deveriam ter vida útil de 30 anos no mínimo e não se tornar “uma pilha de lixo em pouco tempo”. Apresentou uma série de projetos de seu Atelier que abordavam principalmente questões relacionadas a flexibilidade dos espaços, a adaptabilidade à diferentes funções, usos mistos e incentivos às economias regionais, com a preocupação de resolver desafios que possam constituir respostas as problemáticas sociais, com exemplos de projetos desenvolvidos no Brasil, França e China. Também apontou críticas ao programa Minha Casa Minha Vida, no sentido de como são implementadas estas unidades habitacionais básicas, sem reflexão alguma dos espaços públicos e sociais e a total falta de respeito pelos modelos e identidades culturais locais, comparando-os a campos de refugiados em sua implantação.
O primeiro arquiteto francês a receber o Prêmio Pritzker (1994), Christian de Portzamparc apresentou sua conferência em português tecendo relações teóricas entre a origem da cidade e o surgimento do conceito de rua, estabelecendo relações à concepção de cidade de Le Corbusier e a metrópole zoneada que aparece com a modernização. Segundo o arquiteto, com o suíço surgiu uma transformação total da noção da cidade, um fato antropológico de transformação urbana e social, que define nossa sociedade e todas as suas contradições. Argumentou que no fundo, não há distinção clara entre as cidades dos países emergentes e de países ricos, pois “as problemáticas são similares: temos pobres rejeitados, ricos protegidos, poluição, trânsito, etc.” Em seus projetos apresentados, demonstrou sua preocupação em adaptar o programa ao lugar, não importa a escala, contrariando o mestre Le Corbusier, que apresentava modelos de cidade sem lugar, onde o programa deveria se impor ao contingente local e onde declarava a morte da rua. Para Portzamparc, a rua manifesta o real princípio da cidade, uma luta constante entre as energias privadas e a autoridade da ordem públicas, e isso está implícito em projetos urbanos de seu escritório no Brasil, França e Marrocos articulando as escalas urbanas macro e micro.
O Fórum internacional de Arquitetura e Urbanismo do Rio Academy continua no MAM/RJ com diversos workshops e talks até o final da semana, abordando questões relativas à Mobilidade Urbana, Urbanismo Espontâneo, Desigualdade Social, Patrimônio Arquitetônico e Soluções Efêmeras.
Fórum Internacional de Arquitetura e Urbanismo: 20 a 26 de Julho
- MAM: Av. Infante Dom Henrique 85, Parque do Flamengo
- 20021-140 Rio de Janeiro, RJ
- Organização: Rio Academy / Tatac