A leste de Paris, em Seine-Saint-Denis, há um conjunto habitacional que lembra Babel. Sua atmosfera de outro mundo - algo entre um sonho utópico de "novo mundo" e um conjunto pós-moderno neoclássico - já foi o cenário de diversos filmes de Hollywood, entre os quais Brazil (1984) e, mais recentemente, Jogos Vorazes: A Esperança (2014). A série fotográfica do fotógrafo parisiense Laurent Kronental, Souvenir d'un Futur, é uma homenagem a o que ele descreve como
os "idosos ociosos" da região de Grand Ensemble da capital francesa. Suas fotografias capturam um lugar e suas pessoas que, apesar de sua estrutura arquitetônica megalomaníaca, tem sido relativamente ignorado.
Veja a série de fotos de Kronental - resultado de quatro anos de visitas - a seguir.
Os Espaces Abraxas e Arènes de Picasso em Noisy-le-Grand foram projetados por Ricardo Bofill e Manuel Nunez-Yanowsky; ambos cofundadores do Taller de Arquitectura. Grandes conjuntos habitacionais do pós-guerra deste tipo foram construídos para abrigar as populações de imigrantes e são hoje retratados pela mídia como perigosos, enclaves isolados que passam a sensação de "insegurança e negligência". Os edifícios pós-modernos de Bofill, construídos entre 1978 e 1983, foram projetados para representar uma abordagem alternativa aos projetos modernistas. Em Paris em particular, estes projetos buscavam se opor diretamente às propostas estéreis de Le Corbusier dos anos 1950, que os pós-modernistas diziam ser desprovidas de "estilo".
Em uma entrevista de 2014, conduzida por Elvire Camus do Le Monde, Bofill disse que a ideia geral por trás do Teatro, do Arco e do Palácio era construir três "ambientes" para um espaço teatral. Em retrospectiva, ele reconhece que o complexo sofreu com a falta de espírito comunitário (uma crítica comum no banlieue), enfatizada pela natureza fechada dos empreendimentos.
De fato, para Wael Sghaier, o exterior do Palácio neoclássico e pós-moderno parece uma fortaleza, um quartel, uma cidade imperial ou uma prisão. Por dentro, no entanto, tudo é calmo: o tempo congela e as pessoas são pouco numerosas.
Para além de sua insipidez desumana, seu concreto decadente recorda fielmente a passagem do tempo. Em sua solidão exagerada, este cenário utópico se revela um lugar para viver. —Laurent Kronental
Em 2006, Noisy-le-Grand sofreu a demolição parcial de seu conjunto. Após grande descontentamento por parte da população de Espaces Abraxas, foi decidido manter o conjunto de pé - até agora. As fotografias de Kronental demonstram muito claramente que, apesar de qualquer falha arquitetônica ou urbana, estas casas foram apropriadas por seus moradores. Apesar do grande vazio, as casas se tornaram lares.
Estes "monumentos", memórias vivas de seu tempo, personificam a força frágil de uma juventude que envelheceu cega. —Laurent Kronental
Referências: francealumni.fr, Ricardo Bofill, Tourisme93, Le Monde
Para saber mais: Le Monde: Lost Illusions of an Urban Utopia, Le Parisien, Wikipedia