Quarenta e sete anos após aparecerem pela primeira vez na pinacoteca do Museu de Arte de São Paulo (MASP), os emblemáticos cavaletes de vidro projetados por Lina Bo Bardi como expositores para algumas das pinturas mais valiosas produzidas do medievo ao moderno retornam em uma exposição no segundo pavimento do museu que abre suas portas na próxima quinta-feira, 11 de dezembro.
Tirados de cena em 1996, os suportes de concreto, madeira e vidro tiveram seu projeto revisado pelo escritório METRO Arquitetos, que assumiu em dezembro passado a área de expografia do MASP. Tendo realizado este ano algumas exibições no museu - como a Arte do Brasil até 1900 - o escritório conclui o ano de 2015 trazendo de volta os cavaletes e uma expografia bastante semelhante à original concebida por Lina, que, quase cinco décadas depois, continua a impressionar por seu modo inovador de exibir obras de arte em um espaço museológico.
Tivemos a oportunidade de visitar a montagem da exposição e conversar com o arquiteto Martin Corullon sobre a volta dos cavaletes e o processo de recuperação do espaço pensado por Lina para o museu. Leia, a seguir, a entrevista completa:
O atual diretor artístico do MASP, Adriano Pedrosa, ao assumir o posto no final de 2014 disse que queria olhar para o passado a fim de redefinir o futuro do Museu. Devolver os cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi à galeria de pinturas parece ser o grande cume deste plano. Como vocês avaliaram esta proposta?
Todo o plano de recuperação institucional do museu, inclui recuperar o edifício e as formas de expor, é um primeiro passo inevitável e bem-vindo. Quase uma dívida do MASP com a sua história. Particularmente, acho os cavaletes incríveis. É uma forma muito radical e inovadora de expor pintura que recentemente foi recuperada por muita gente que estuda o assunto. Sem dúvida, este é um patrimônio do museu que deveria voltar, especialmente se considerarmos o modo convencional e conservador, e a má qualidade das últimas montagens.
O museu tem a tradição, desde sua origem de ser inovador, de propor movimentos e se manter vivo. Após esta retomada, o MASP volta à estaca inicial e é importante pensar o que será feito daqui para frente para não se tornar um museu do museu.
Quais foram as principais mudanças feitas pelo METRO no redesenho dos cavaletes?
A principal mudança é a padronização da fixação das obras aos vidros. Cada vidro era furado especificamente para uma obra. Por exemplo, o Van Gogh tinha quatro furos em seus cantos, outras eram fixadas direto pelo chassi, isso criava tensões indesejáveis e cada vidro se tornava exclusivo à obra a que pertencia. Para mudar a pintura de lugar, era necessário levar todo o vidro ou ele era descartado, já que não poderia ser utilizado para outras obras.
Nós padronizamos a distância dos furos e altura. Agora existem quatro tamanhos de vidro e quatro padrões de furação, desenhamos uma travessa metálica com duas buchas e parafusos que permitem nivelar a obra. Tanto as obras da coleção como os vidros foram divididos em diferentes conjuntos de acordo com seus tamanhos. Assim, todos os vidros possuem 2,40 m de altura e suas larguras variam entre as medidas de 0,75 m, 1,00 m, 1,50 m e 2,20 m – sendo que este último, com duas bases de concreto, nunca havia sido executado mas estava nos croquis originais da Lina.
O bloco de base também sofreu pequenas adaptações para facilitar a montagem e o nivelamento, uma vez que o piso do museu possui uma barriga e não é completamente plano.
E quais foram essas adaptações?
Fizemos quatro recessos embaixo, onde se alojam discos de neoprene com alturas diferentes para possibilitar o nivelamento. Isso antes era feito com uma cunha de madeira de forma improvisada, agora inclina-se todo o cavalete para colocar os discos na altura certa. Além disso, uma das críticas que eram feitas aos cavaletes originais é que este transmitia e amplificava as vibrações da laje do museu para as obras, com o neoprene, é possível que a vibração seja absorvida.
Também ajustamos o sistema de pressão do vidro. Como a cunha de madeira desliza na diagonal, o parafuso original entortava ao ser apertado. Assim, alargamos o canal e invertemos o sistema. A porca agora fica embaixo, antes ela ficava encima. Foram pequenos ajustes que fizemos para tornar o cavalete mais resistente, mais durável e de fácil manuseio, para que possa ser reutilizado. No entanto, mantivemos a geometria exata e o mesmo material.
Para chegar a isso, tivemos que pesquisar e reproduzir do zero o desenho, sempre tentando transformá-lo em um sistema, assim como os outros sistemas expográficos inspirados em projetos da Lina que desenvolvemos para outras exposições no museu, no subsolo e no primeiro pavimento, que foram baseados em documentos e transformados em sistemas reutilizáveis.
As obras aparentemente ficam sem proteção, como funciona a segurança delas?
Este foi um dos grandes trabalhos feito este ano pela equipe do museu: a criação de contra molduras. Estas foram feitas para possibilitar a inserção de um vidro antirreflexo que protege as telas.
Quanto ao layout, vocês também seguiram o que era originalmente proposto por Lina Bo Bardi?
O layout original, o primeiro, era muito duro. Mas foi sendo alterado, houve muitas mudanças durante os quase 30 anos expostos. Portanto, não existe uma montagem de referência.
Uma grande alteração foi feita no sistema de iluminação do museu. Originalmente era feita uma iluminação indireta que vinha da lateral e jogava a luz para o teto – quando ainda não haviam os dutos de ar condicionado -, portanto, existia uma luz homogênea difusa. Isso já havia sido mudado na reforma dos anos noventa, mas era muito pesada visualmente e tecnologicamente defasada. Agora, além de muito leve, instalamos luminárias LED e um sistema de automação que permite ajustar a intensidade de cada luminária separadamente, por um Ipad, por exemplo.
Repetimos a organização que já existia de fileiras transversas. Dispusemos a seleção de obras do curador em ordem cronológica, começando pela obra mais antiga e seguindo uma sequência rigorosa pelas fileiras. Foi feita a distribuição a partir de regras que criamos, como abrir recuos e separações de acordo com a dimensão das obras e largura dos cavaletes, que resulta em uma distribuição randômica, que gera associações entre obras inesperadas e interessantes.
Nos fale um pouco sobre as outras expografias realizadas pelo METRO no MASP.
Fizemos dois sistemas baseados nos projetos da Lina além deste, um no subsolo para Arte Italiana e Brasileira, com grandes painéis elevados, e outro para a galeria do primeiro pavimento, com cabos de aço e painéis modulares. Este sistema usamos para as exposições de Arte Brasileira e Arte Francesa, e agora, pela terceira vez, de uma forma bem diferente, na exposição “Foto Cine Clube Bandeirante: do arquivo à rede” com curadoria da Rosangela Rennó, com painéis inclinados e grandes placas de vidro.
Além disso, fizemos o da “Arte Na Moda: Coleção MASP Rhodia”, que é uma expografia original nossa. Como há uma contradição neste museu, que é muito transparente, e existem obras que requerem baixíssima luminosidade, instalamos um sistema de cortinas que muda sua densidade conforme as obras expostas. No caso da exposição dos vestidos, que são muito frágeis, resolvemos fazer um blackout preto e adotamos esse recurso cenográfico para estruturar o espaço da exposição. Na exposição “León Ferrari: Entre Ditaduras”, numa galeria nova, onde antigamente era a loja do museu, fizemos uma caixa dentro da galeria a fim de proteger as obras feitas em papel. Esta caixa segue uma modulação que pretendemos reaproveitar neste espaço. Desejamos sempre criar estes sistemas que possam ser reutilizados em outros contextos e eventos, pois museus são diferentes de exposições temporárias, e é necessário pensar no reaproveitamento dos sistemas para futuras exposições.
Além das cortinas, quais são e foram as intervenções propostas para a recuperação do edifício?
A primeira fase foi a retirada de camadas e camadas de paredes temporárias que tapavam 90% das janelas, praticamente o museu inteiro, e conseguimos abrir o MASP. Foi feito um tratamento nessas fachadas, com a aplicação de películas especiais, para que elas possam ficar abertas e conviver com as obras. Agora, estamos abordando algumas questões e processos de adequação do museu às normas atuais de segurança, que envolvem um trabalho com o patrimônio histórico e vai além dos projetos expográficos. Uma série de ações foram planejadas para serem feitas ao longo dos próximos anos, para manter e aprimorar o prédio. Por exemplo, num futuro próximo, os elevadores deverão ser trocados.
Equipe de Projeto do METRO: Martin Corullon, Gustavo Cedroni Helena Cavalheiro, Juliana Ziebell, Marina Cecchi, Marina Pereira, Luis Tavares
A entrevista com Martin Corullon foi realizada pelos editores Romullo Baratto e Victor Delaqua no dia 7 de dezembro, na pinacoteca do MASP. Agradecemos à diretoria do museu por nos receber durante a montagem da exposição.