DIZIA um velho ditado que “quem fez a casa na praça / a muito se arriscou / para uns, pequena de mais / para outros, de alta passou”. Fazer a casa na praça significa expor ao julgamento público aquilo que podia não passar de um recato privado quase invisível atrás dos muros e portões. Pois…, o problema é que a própria privacidade só existe por contraste com essa sua suposta incompatibilidade pública.
Lugar público como é, a Rua da Estrada é uma espécie de praça, uma passarela de pequenas vaidades que só não usa quem não pode ou pensa que tem o seu lugar tão perfeitamente definido pela sua linhagem e bom nome, que a estratégia de se mostrar é, exactamente, esconder-se no discreto charme da burguesia de berço. “Casas de Sonhos”[1] é um belo livro sobre estes dispositivos simbólicos que dão sinais de nós e do modo como nos auto-representamos quando queremos dar pública presença da nossa trajectória social ascendente. Os recursos de cena dessa dramaturgia são infinitos – cores, formas, tamanhos, jarrões orientais, pratos, frisos…; as casas servem lindamente para isso.
Há muito que se sabe que isto de viver em sociedade é um misto de diluição e distinção: queremos ser e estar entre outros mas diferentes de outros. Se assim não fosse, ou estávamos diluídos na massa, arregimentados, ou seríamos um somatório insuportável de egos. Haja então alegria!
A série de textos do livro A Rua da Estrada é publicada no Correio do Porto