A LUZ e a transparência são extraordinárias artilharias de produção de visibilidade. Por mil e uma noites, a mega-cristaleira é uma aparição, a caverna do Ali-Babá repleta de tesouros. A cena do aquário rutilante oscila entre o pornográfico, o exacerbado mais real que o real a saltar para o asfalto, e a sensualidade do apenas sugerido com a promessa de que tudo o que se desejar está contido na abundância destas caixas mágicas.
No seu ensaio sobre a sedução, Baudrillard lembra que no moralismo religioso os sedutores e os artifícios são coisas do mal, do feminino, do sexo e da perversão. Assunto diabólico ao serviço da máquina do desejo e do artifício, a sedução é um descentramento, uma irrealidade alucinada. E no entanto, porque houvera de ser isso se até um pavão destituído de pensamento mágico carrega tal parafernália de plumas e cores só para exibir aquele ritual de brilho e coreografia sobrenatural para fêmeas abstroncias? (De la Séduction, Paris, Galilée, 1979).
Na rua, à escala do peão, basta uma montra para seduzir quem passa. Na Rua da Estrada vai tudo tão depressa e é tanta a concorrência que a montra se tem que agigantar à medida do edifício. O edifício-montra cumpre ao mesmo tempo a sua função de estabelecimento comercial, de mostruário, de armazém, de escritório, etc. Depois, o agigantamento do edifício – grande, sempre que os objectos expostos são também grandes -, permite também a infinita proliferação dos objectos pequenos, da gama de produtos, da mistura entre a especialização e a combinação de coisas, ou da organização de “pacotes” como a linha de mobiliário, decoração, iluminação. São as economias de gama do showroom, como explica a pseudo-ciência da economia com palavras estrangeiras.
A série de textos do livro A Rua da Estrada é publicada no Correio do Porto